Bancada evangélica racha após manobra para mudar estatuto e reeleger atual presidente

Aliados de Silas Câmara fizeram reunião com só 6 deputados e escancararam disputa de grupo apoiador de Bolsonaro

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Brasília

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro recebia bênção de um pastor em uma igreja evangélica de Manaus na última terça-feira (26), um racha em uma de suas principais bases de apoio se concretizava a cerca de 3.400 km dali.

No mesmo dia, aliados do presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Silas Câmara (Republicanos-AM), mudaram no Congresso o estatuto da bancada para possibilitar a reeleição do líder do ramo manauara da Assembleia de Deus —a mesma onde Bolsonaro participou de culto durante sua ida ao Amazonas.

A mudança, feita em reunião esvaziada presenciada pela Folha, causou rebuliço e escancarou uma disputa interna do grupo que é um dos principais aliados ideológicos de Bolsonaro no Congresso.

Jair Bolsonaro cumprimenta o pastor Jonatas Câmara, presidente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus no Amazonas
Jair Bolsonaro cumprimenta o pastor Jonatas Câmara, presidente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus no Amazonas - Marcos Corrêa - 26.nov.19/Divulgação Presidência

Deputados ligados a Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) acusam Silas Câmara e seus aliados de tentarem se perpetuar no poder e de mudar as regras do jogo no meio do caminho. 

Já os deputados ligados ao atual presidente dizem que a reeleição é desejo quase unânime da bancada e citam a preocupação com a possibilidade de Sóstenes, ligado ao pastor Silas Malafaia, ascender ao comando da bancada como uma das razões para a mudança.

O estatuto registrado pela frente em 27 de março deste ano diz em seu artigo 9º que cabe à assembleia-geral da bancada "eleger o presidente, que indicará os membros da Mesa Diretora e do Conselho Fiscal, para o mandato de um ano vedada a reeleição para a mesma legislatura".

Na terça, um grupo de deputados, sob a batuta de Cezinha de Madureira (PSD-SP), se reuniu no plenário 15 do corredor de comissões da Câmara dos Deputados, pouco depois das 17h.

A lista de presença assinada pelos parlamentares aponta a participação de apenas 6 membros (a frente tem 203 registros em 2019, entre deputados e senadores).

Estavam lá Márcio Marinho (Republicanos-BA), Gilberto Abramo (Republicanos-MG), Vavá Martins (Republicanos-PA), David Soares (DEM-SP), Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), além de Cezinha.

Em menos de meia hora, mudaram a redação do artigo para permitir a reeleição por uma vez na mesma legislatura.

De acordo também com o estatuto, é preciso a presença de um terço dos membros para abrir uma reunião. 

Mas há um mecanismo que permitiu a manobra. Como muitos congressistas apenas se registram, mas não participam, seria praticamente impossível iniciar uma assembleia com número mínimo de 67 presentes. Por isso, o mesmo artigo do estatuto prevê que, após meia hora da primeira convocação, pode-se realizar a reunião com qualquer número de membros.

"Eles dizem que colocaram um aviso no grupo de WhatsApp da frente, mas não é assim que se convoca uma assembleia para mudança de estatuto. Da mesma forma que eu não fui, quase ninguém ficou sabendo", afirmou Sóstenes à Folha.

"Não poderia mudar no meio, deveria valer então só para o próximo", disse Sóstenes.

O deputado do DEM afirma ter solicitado uma reunião com o presidente da frente para a próxima terça-feira (3). 

"Eu quero acreditar que ele fez de boa-fé, então pedi uma reunião. Eu que fui o voto vencido quando propus o mandato de dois anos. Foi o Silas [Câmara] quem defendeu o mandato por um ano só, o que eu acho um erro", disse. 

É Silas Câmara quem assina o estatuto protocolado pela bancada neste ano —a cada nova legislatura, é preciso registrar novamente as frentes parlamentares, mesmo que elas não sejam dissolvidas de fato.

Procurado, ele disse não ter informações sobre a mudança do estatuto e disse que a iniciativa não partiu dele. Também se recusou a responder pergunta sobre se abriria mão de disputar um novo mandato para apaziguar os ânimos na bancada.

A Folha entrou em contato com Cezinha. Ele disse que a reunião convocada teve trâmite normal e não quis responder às perguntas. "Só digo que 99,9% da bancada quer que o deputado Silas continue à frente dela", afirmou. 

A disputa entre os grupos parlamentares e também entre as denominações religiosas está sendo um marco de 2019 na frente, a começar pela eleição para presidente. 

Geralmente, os congressistas se uniam em torno de um único nome, como foi com Takayama (PSC-SP), o último presidente da antiga legislatura, que não se reelegeu. Não foi o caso do pleito deste ano, em que seis candidatos se inscreveram.

Sóstenes, em segundo mandato, tinha pretensões de abocanhar o comando do grupo e articulava sua candidatura desde o ano anterior. 

O outro principal candidato era Cezinha de Madureira —ligado, como adianta seu nome de urna, ao presidente do Ministério Madureira da Assembleia de Deus, Samuel Ferreira. Novato em Brasília, entrou no páreo antes mesmo de tomar posse.

Por articulação de Cezinha, ambos desistiram de concorrer para ceder lugar a Silas Câmara, parlamentar há 20 anos. Os deputados ouvidos pela Folha dizem que não houve acordo de alternância de poder. 

Sóstenes, no entanto, não nega que continua com a intenção de comandar a bancada e diz que a "política é feita de gestos". "Quando a gente faz um gesto, espera-se que o outro retribua", afirmou.

A presença majoritária de correligionários de Silas Câmara na reunião que mudou o estatuto também não passou despercebida. Integrantes da frente avaliam que a movimentação para manter o deputado está ligada à próxima eleição para presidente da Câmara. 

O deputado é ligado ao presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP). Apesar de pouco atuante nas questões evangélicas, o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus tem se colocado discretamente como candidato à vaga em 2021. 

A cúpula do partido nega envolvimento na disputa da bancada.

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