Banida após proclamação da República, família imperial viveu exílio entre nobres na França

Governo Deodoro antecipou expulsão de d. Pedro 2º com medo de reações populares pró-imperador; banimento vigorou até 1920

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Belo Horizonte

Às 3h do dia 17 de novembro de 1889, um domingo, d. Pedro 2º e a família imperial deixaram o Rio de Janeiro de forma discreta, sem muitas testemunhas.

A República, proclamada em um golpe no dia 15, havia determinado o exílio imediato dos Braganças, comunicado a eles por oficiais subalternos.

O último imperador achou que teria tempo de acompanhar a missa dominical das 11h na igreja do Carmo, mas o medo de reações populares antecipou o plano do governo.

O isolamento da família imperial não era novo, vide a perda de apoio de setores importantes como a elite cafeicultora, a Igreja e o Exército.

“A monarquia demorou muito para abolir a escravidão e quando o fez já era tarde demais. Essa demora —nunca se faz a história do se— custou muito a Pedro 2º”, diz a historiadora Lilia Schwarcz, autora de “As Barbas do Imperador”.

Embora a assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravatura em 1888, tenha conquistado popularidade para a Coroa, especialmente à princesa Isabel, o espírito do tempo, em um continente de repúblicas e presidentes, falou mais alto.

A decisão do exílio, apesar de garantir que não houvesse reação contra a República, também deu a ela um fantasma. O imperador foi embora, mas nunca abdicou oficialmente do trono.

A decisão de Pedro 2º de não aceitar as compensações e pensões que a República oferecia, a morte da imperatriz Teresa Cristina 21 dias depois do desembarque em Portugal e a sua própria morte, dois anos depois, em um quarto de hotel em Paris, ajudariam a compor o mito do imperador mártir e injustiçado.

O funeral dele, em 1891, foi de chefe de Estado. Duas bandeiras do Império cobriam o corpo e havia um pacote de terra do Brasil que ele pedira que fosse posto em seu caixão. A imprensa europeia falava do imperador “culto, gentil e indulgente”. Era a máxima do “rei morto, viva o rei”.

Embora a figura dele fosse a referência do Império, Isabel seguiu em cena. Segundo o historiador e pesquisador da USP Carlos Rogerio Lima Júnior, a última princesa imperial mantinha correspondência com monarquistas que ficaram no Brasil. Tirava fotos e as transformava em postais que enviava ao país.

Apesar disso, rejeitou a proposta de mandar o filho mais velho, Pedro, para tentar a restauração em um momento de revoltas civis no Brasil, por volta de 1893.

No exílio, os Orleans e Bragança conviviam com nobres a quem eram ligados por sangue e casamento. A família era mantida graças a uma pensão recebida pelo conde D’Eu —ele era filho do duque de Némours e neto do rei Louis Philippe 1º da França.

Em 1905, Gastão, o conde, comprou de um primo o Castelo D’Eu, construído no século 16 na cidade de mesmo nome na região da Normandia, norte da França. Lá, a família instalou quadros, peças, documentos e a biblioteca que levou do Brasil. Alguns dos objetos, como quadros e cerâmicas indígenas, seguem no Museu Louis-Philippe, aberto no local em 1973.

Em 1908, Pedro, filho de Isabel, resolveu renunciar ao trono que já não tinha para se casar com Elisabeth Dobrzensky de Dobrzenicz, filha de conde sem título nobre, e Isabel comunicou ao sobrinho em Portugal, d. Manuel 2º, que a sucessão ao trono brasileiro ficaria com o segundo filho, Luís.

Um ano antes, Luís tentou voltar ao Brasil —sem sucesso, pois em 1907 ainda vigorava o banimento à família. Em cartas, ele questionou a decisão do governo que não o deixou desembarcar do navio, já que era seu irmão o sucessor, e não ele. Falou também como isso demonstrava que a república ainda os temia.

“O que chama atenção é o esforço dele. Veio ao Brasil, escreveu um livro chamado ‘Sob o Cruzeiro do Sul’, tentou ser membro da Academia Brasileira de Letras, se aproximou de figuras como Euclydes da Cunha. Não é uma figura insana, um rei que sonha”, afirma Lima Júnior.

 

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) mudou a história. Em 1918, Antônio, o mais novo dos três filhos da princesa Isabel, que lutou pelo Exército britânico, morreu em um acidente aéreo. Dois anos depois foi a vez do herdeiro Luís, vítima de complicações de uma doença adquirida na guerra.

Naquele mesmo ano, 1920, o presidente Epitácio Pessoa revogou o banimento à família imperial. No ano seguinte, o conde d’Eu e Pedro voltaram ao Brasil com os corpos de d. Pedro 2º e Teresa Cristina para serem enterrados no país, antes das comemorações do centenário da Independência. Meses depois, morreu na França a princesa Isabel.

“O exílio da nossa família é o maior exílio político da história brasileira. Não teve [Luís Carlos] Prestes, [Miguel] Arraes, [Fernando] Gabeira, [Leonel] Brizola, ninguém teve exílio de 31 anos e por lei. Era o medo da popularidade de d. Pedro 2º no Brasil”, diz João Henrique de Orleans e Bragança, o d. Joãozinho, trineto do último imperador.

Uma parte dos descendentes de Isabel voltou ao país. Tanto d. João, neto de Pedro, como o primo dele, d. Bertrand, do ramo da família que descende de d. Luís e se coloca como titular da Casa Imperial, respondem que a decisão de seus pais nascidos fora do Brasil, de voltar, foi baseada no senso de dever com o país.

O Castelo D’Eu ficaria com a família até os anos 1950, quando foi comprado pelo empresário Assis Chateaubriand. Chatô planejava instalar no local a Fundação Dom Pedro 2º, que ofereceria bolsas a brasileiros que escrevessem teses sobre história do Brasil. Não vingou, e o magnata vendeu o castelo para a cidade francesa.

Passados 130 anos da expulsão, d. Pedro 2º está hoje no mausoléu em Petrópolis (RJ), inaugurado por Getúlio Vargas em 1939. Na mesma cidade, parte de seus trinetos recebe o laudêmio —2,5% do valor da venda de imóveis na região central do município— como compensação pelas terras nunca compradas da família.

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