Cama do padre Donizetti, agora beato, vira laboratório de novos milagres em SP

Roupas, bilhetes e orações deixados no móvel se multiplicaram desde o anúncio da beatificação

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Tambaú (SP)

A cama em que o padre Donizetti Tavares de Lima (1882-1961) dormiu nos últimos anos de sua vida dá uma dimensão dos milagres atribuídos ao religioso, beatificado neste sábado (23) em Tambaú, no interior paulista.

Semanalmente, membros do museu em que a casa do padre se transformou e do Santuário Nossa Senhora Aparecida retiram roupas, bilhetes e orações da cama com relatos de supostos milagres que se multiplicaram desde o anúncio da beatificação, em abril.

Cama onde dormia Padre Donizetti - Ricardo BenichioFolhapress

Foi assim, aliás, que o milagre que resultou na beatificação, celebrada na manhã deste sábado para 20 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, foi descoberto.

A dona de casa Margarete Rosilene Arruda de Oliveira, de Casa Branca (SP), colocou na cama do padre uma mensagem agradecendo a cura do filho Bruno Henrique Arruda de Oliveira, hoje com 13 anos, que tinha nascido com pé torto congênito bilateral, o que o obrigaria, segundo a família e a Igreja, a usar botas ortopédicas e a passar por uma série de procedimentos corretivos na infância, sem garantia de cura total.

Ela colocou, porém, apenas os primeiros nomes e a cidade em que moram, o que fez com que a comissão pró-beatificação iniciasse uma busca até que a família fosse encontrada.

“Aumentaram muito os relatos de milagres, mas só agora, a partir da beatificação, vamos trabalhar pensando na canonização. De abril até agora surgiram dezenas, especialmente nos finais de semana, quando a cidade recebe mais romeiros”, disse Francisco Donizetti Sartori, membro da comissão e que foi batizado pelo agora beato em 1957.

Bispo de São João da Boa Vista, dom Antônio Emidio Vilar afirmou que, conseguida a comprovação do primeiro milagre, a igreja vai rezar para que um segundo seja confirmado.

“Agora para a canonização nós temos milagres, mas o que é necessário é que haja comprovação dos médicos, dos exames. E [exames] antes do que aconteceu [milagre] e depois do acontecido. Então, nós estamos aguardando agora e rezando para que tudo concorra da melhor maneira possível”, disse, sem detalhar.

Conforme o bispo, o total de romeiros que vão a Tambaú triplicou após a aprovação do milagre, em abril, e a igreja precisa agora se organizar para a acolhida a esses fiéis.

Já o padre Anderson Godoi de Oliveira, reitor do santuário e vice-postulador da causa, disse que a busca pela confirmação de um segundo milagre vai seguir o mesmo rito do primeiro, que foi confirmado após sete anos de investigação da igreja —e com aprovação unânime no Vaticano.

“Milagre é aquilo que não se explica. Aqui em Tambaú temos vários relatos de milagres após a morte do padre Donizetti e depois que fizemos o processo do Bruno. Esperamos que o milagre não demore tanto. Nós não temos esse milagre [ainda], mas acreditamos que na hora certa o Senhor irá providenciar para nós”, disse.

Bruno disse se sentir muito feliz em saber que as pessoas têm esperança a partir do que ocorreu com ele e que sua cura é a prova de que nada é impossível. “Com os testemunhos que a gente dá na igreja elas criam esperança por causa do que aconteceu comigo. Qualquer coisa, um câncer, você pode falar que é impossível, mas nunca é.”

Religiosos da cidade citaram que o processo para um segundo milagre não é rápido e deram como exemplo a canonização da Santa Dulce dos Pobres, ocorrida em outubro, oito anos após sua beatificação.

Prefeito da Congregação das Causas dos Santos, o cardeal italiano Angelo Becciu disse que, neste domingo (24), o papa Francisco falará durante o Angelus sobre a beatificação de padre Donizetti.

“Mas o papa já disse, quando aprovou o decreto da beatificação, que este é um homem que deve ser indicado como modelo para os sacerdotes, porque ele foi um sacerdote sempre fiel, com grande amor por Deus e apaixonado pelas pessoas mais necessitadas”, disse.

De acordo com o cardeal, o religioso brasileiro “foi um padre como todos deveriam ser, apaixonado por Deus e devoto da eucaristia”.

A missa da beatificação do padre durou duas horas e dez minutos e foi celebrada na manhã deste sábado sob temperaturas acima de 30ºC, num local sem sombras. Ao menos duas pessoas foram socorridas pelo Samu (Serviço de Assistência Móvel de Urgência).

Na celebração, foi contada a história de vida do agora beato, que nasceu em 1882 em Cássia (MG) e foi ordenado em Pouso Alegre (MG), em 1908. Chegou a Tambaú aos 44 anos, em 1926, para comandar a paróquia de Santo Antônio. Inicialmente foi hostilizado por membros da sociedade local, que o viam como comunista por defender trabalhadores no Círculo Operário, criado por ele.

Mas o embate arrefeceu conforme Donizetti atraía mais fiéis, da cidade e de outros estados, a Tambaú. Morreu em 1961, aos 79 anos.

Um dos momentos mais esperados pelos fiéis foi a subida do adolescente Bruno ao altar, levando num relicário fragmentos de ossos da mão direita do padre Donizetti, a usada por ele em suas bênçãos.
Os restos mortais do religioso foram exumados em 2009 e, do cemitério local, foram transferidos para o santuário.

Na missa, Becciu fez a leitura em latim, como é tradição na Igreja Católica, da carta em que o papa Francisco acolheu o pedido de beatificação de Donizetti, e dom Vilar pediu pelos que seguem o exemplo do padre e se colocam a serviço da caridade e da justiça.

SANTOS NO PAÍS

Com a celebração deste sábado, o país já tem 52 beatos que nasceram ou atuaram em solo brasileiro e 37 santos, numa relação que cresceu sobretudo a partir dos anos 2000.

Do total, 34 santos foram reconhecidos neste século, entre eles Santa Dulce dos Pobres (em outubro), José de Anchieta (2014), frei Galvão (2007) e madre Paulina (2002). Em 2017, foram 30 de uma vez, como André de Soveral e Ambrósio Francisco Ferro, conhecidos como Mártires de Cunhaú e Uruaçu (RN).

Há, ainda, 15 veneráveis (que tiveram virtudes reconhecidas pela Igreja) e 70 servos de Deus (com causas abertas e sendo estudadas nas dioceses e no Vaticano), segundo levantamento do professor Fernando Altemeyer Júnior, chefe do departamento de ciência da religião da PUC-SP. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) não tem dados sobre o tema.

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