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Carlos Bolsonaro e porteiro são armas em debate sobre federalizar ou não caso Marielle

Deslocamento de competência deve ser julgado ainda neste ano pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça)

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Rio de Janeiro

Os últimos capítulos da investigação sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes revelam a real preocupação no curto prazo dos principais atores no caso: o debate sobre a federalização do inquérito.

Prestes a ser julgado no STJ (Superior Tribunal de Justiça), o deslocamento de competência tem inexorável componente político na discussão entre os ministros da corte. Afinal, o Rio de Janeiro é um lugar confiável para continuar com a apuração sobre o mandante, mais de 600 dias após o crime?

Nos últimos dias, vieram à tona duas informações sobre o caso:

1) o novo interesse da Polícia Civil do Rio numa discussão entre um ex-assessor de Marielle e o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) em maio de 2017 —o crime ocorreu quase um ano depois, em março de 2018;

2) o terceiro depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, desta vez à PF, em que afirma ter se equivocado na menção ao presidente Jair Bolsonaro nos dois testemunhos anteriores.

Em relação a Carlos, chama a atenção que um fato conhecido das autoridades desde o assassinato ter agora ganhado interesse, após mais de 600 dias do crime.

À exceção da ainda frágil menção ao nome do presidente no caso, as informações até agora públicas não apresentam um novo indício que tenha recolocado o episódio na rota do crime. É, contudo, natural —e vem com atraso— a tentativa de esclarecê-lo.

A existência de uma lupa sobre episódio que envolve o filho do presidente serve mais, neste momento, para fragilizar a hipótese de federalização, considerando o empenho do chefe da Polícia Federal, ministro Sergio Moro, em defender o patrão.

“Essa questão do envolvimento do nome do presidente nisso aí, para mim, é um total disparate”, disse o ministro à rádio CBN.

A Polícia Federal, por sua vez, demonstrou eficácia ao vazar rapidamente o terceiro depoimento do porteiro em que desmente seus dois anteriores. Neles, o porteiro atribuía a “seu Jair” a autorização para que o ex-PM Élcio Queiroz entrasse no condomínio Vivendas da Barra e encontrasse o PM aposentado Ronnie Lessa no dia da morte de Marielle, crime pelo qual ambos são acusados e estão presos.

Moro, mais uma vez, afirmou que o episódio mostra a tentativa de “politizar a investigação indevidamente”, defendendo a federalização. O ministro nada falou sobre o vazamento do depoimento sigiloso do porteiro, prática que semanas atrás havia causado a revolta de Bolsonaro —o presidente também nada comentou sobre o caso.

O presidente da República Jair Bolsonaro e governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel
O presidente da República Jair Bolsonaro e governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel - Marcos Corrêa - 11.out.2019/PR

Adicione-se a esse debate as constantes acusações de Jair Bolsonaro de que o governador Wilson Witzel (PSC) usa o inquérito para perseguí-lo. Os dois romperam a aliança no fim de setembro, pouco antes de o nome e a casa do presidente terem virado alvos de atenção da polícia.

O deslocamento de competência foi proposto pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge, em razão das tentativas de atrapalhar as investigações. A proposta foi feita no mesmo dia em que ela denunciou o ex-deputado Domingos Brazão (MDB) pela obstrução de Justiça.

Dodge afirmou não haver ambiente adequado no estado para o fim do inquérito e defendeu a mobilização da Polícia Federal no caso. Curiosamente, Dodge relatou que a tentativa de obstrução ocorreu por meio da Polícia Federal, onde a falsa testemunha articulada por Brazão prestou seu primeiro depoimento. Um delegado e um policial federal também foram acusados na denúncia da ex-PGR.

Nesta denúncia, Dodge escreveu também que foi Brazão quem “arquitetou o homicídio da vereadora”, como revelou o UOL. É uma referência curiosa, considerando que o ex-deputado ainda não foi denunciado por ser o mandante e nem sequer novas provas foram apresentadas. Há algum tempo ele é o principal suspeito, o que ele nega. São ruídos numa investigação que teve uma série de falhas.

Erros na busca e análise de imagens no trajeto dos criminosos impediram que o condomínio fosse o centro da apuração desde o início da investigação —o que facilitaria em muito a obtenção de mais provas com mais eficiência. As planilhas do condomínio Vivendas da Barra, que levaram à menção do nome do presidente, estavam nas mãos das autoridades 11 meses antes de serem alvo de atenção.

Em um crime complexo como este, equívocos podem acontecer. As chances de eles ocorrerem aumentam à medida que a apuração é conduzida com dois focos, um judicial e outro político. Só o tempo dirá --se houver uma conclusão no caso— em que lado estão cada uma das autoridades: as federais e as estaduais.

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