Com túneis e novo prédio, TJ quer criar 'cidade judiciária' no centro de São Paulo

Presidente da corte diz que edifício de R$ 1,2 bilhão gerará economia aos cofres públicos dez anos após conclusão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

0

Sala do júri do Tribunal de Justiça de São Paulo Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

O prédio estimado em R$ 1,2 bilhão que o Tribunal de Justiça de São Paulo pretende levantar no centro da capital paulista é parte de um plano que prevê a criação de uma “cidade judiciária” na região, com os edifícios da corte interconectados por meio de túneis.

Entre idas e vindas desde os anos 1970, a ideia voltou à tona após o atual presidente do TJ-SP, Manoel Pereira Calças, 69, ter aberto uma licitação para o projeto executivo do edifício, que deve abrigar os gabinetes dos 360 desembargadores do estado.

Para ele, a criação desse complexo valorizaria a região próxima à praça da Sé, no centro histórico de São Paulo, e proporcionaria ao tribunal economia de gastos com transporte, segurança, energia e aluguéis.

Se o plano de uma cidade judiciária for concretizado nos moldes atuais, no entanto, os desembargadores não se deslocarão por essas ruas.

A ideia do presidente é que, após a construção do prédio, sejam feitos túneis ligando os magistrados diretamente dos seus gabinetes para as salas de julgamento dos prédios adjacentes, como o Palácio da Justiça (sede do tribunal) e os fóruns João Mendes e Hely Lopes Meirelles. 

A distância máxima entre um local e outro é de aproximadamente 300 metros em linha reta, partindo do terreno onde deve ser construído o novo edifício até o Hely Lopes Meirelles.

As discussões nesse sentido ainda são preliminares e os túneis não serão incluídos no projeto do novo prédio, mas, para Calças, seria útil e econômico se projetado "com a visão de futuro necessária às administrações públicas".

A abertura dos envelopes do projeto executivo do edifício acabou suspensa após um questionamento da desembargadora Maria Lúcia Pizzotti sobre a forma de tramitação do processo administrativo —o projeto executivo deve custar R$ 25,3 milhões.

O presidente do TJ diz que a ideia de retomar o prédio não foi sua, embora estivesse em sua plataforma de campanha à presidência do órgão em 2017. De todo modo, Pereira Calças defende a construção do edifício e diz que, dez anos após a inauguração, o novo imóvel estará pago. 

“Em cálculo de engenharia isso é uma coisa fantástica”, disse o presidente do TJ-SP à Folha. “Se nós não usarmos [o terreno para o prédio], teremos que devolver para o estado. Chama tredestinação, porque devolve para fazer uma outra obra.”

A previsão é que o prédio só comece a ser construído a partir de 2021 e demore cerca de oito anos para ficar pronto. Já foi repassada ao tribunal, segundo ele, uma verba carimbada de R$ 300 milhões da Caixa Econômica Federal para a obra. Esse dinheiro, diz o desembargador, não faz parte do orçamento do tribunal.

O governo João Doria (PSDB) tem dito que o Executivo não irá bancar a obra, e o TJ terá que tirar o restante do dinheiro do seu orçamento. O TJ-SP tem 43 mil servidores e orçamento anual que ultrapassa os R$ 10 bilhões. 

Em reportagens desta semana a Folha mostrou que o tribunal tem batalhado para viabilizar gastos bilionários ao mesmo tempo em que esbarra em órgãos de controle como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o TCE (Tribunal de Contas do Estado) e até em seus próprios integrantes. Ao mesmo tempo, o TJ acumula pedidos de verba extra e se consolida como dependente do governo do estado.

O terreno onde o edifício deve ser erguido atualmente tem servido como um estacionamento, em uma área pouco maior que um campo de futebol. É possível vê-lo tanto de janelas do Palácio da Justiça, sede do tribunal, como de outros prédios utilizados por magistrados e servidores na região.

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Manoel Pereira Calças, em entrevista à Folha - Karime Xavier/Folhapress

Caso construído nos moldes previstos, o empreendimento deve reunir, além dos desembargadores, todos os juízes substitutos de segunda instância do estado. Terá duas torres de 31 pavimentos (24 andares, térreo e seis subsolos), com heliponto.

Segundo Pereira Calças, “diversas famílias" estavam no terreno quando o local foi desapropriado, em 1975, e foram realocadas.

“Hoje ele [terreno] vale R$ 2 bilhões, está no coração de São Paulo, e se destina a formar a cidade judiciária. Com a construção desse prédio o Tribunal de Justiça deixará de gastar, só de aluguel, R$ 58 milhões. Além disso, em despesas paralelas, eu calculo em números globais outros R$ 58 milhões ao ano."

O heliponto, afirma, é uma exigência da Aeronáutica. O presidente do TJ tem dito que, apesar dos custos do prédio levarem anos para serem compensados, a medida é econômica porque "a atividade judiciária é perene" e "não justifica o estado usar o dinheiro do contribuinte para pagar aluguel se a atividade é perene".

Ele cita um estudo pago pelo MBC (Movimento Brasil Competitivo) que aponta que se gasta R$ 20 milhões só em tramitações de processos do primeiro para o segundo grau. "Temos custos fantásticos com veículos, segurança e energia."

Exemplifica esses custos com o valor gasto em um dos prédios usados para abrigar gabinetes de juízes e desembargadores, localizado no antigo hotel Hilton da avenida Ipiranga (centro de São Paulo): só o aluguel tem valor de R$ 89 milhões nos próximos cinco anos.

Embora o terreno do prédio tenha sido desapropriado em 1975, a ideia de retomá-lo só começou no início dos anos 2000. Um projeto básico chegou a ser realizado por um escritório de arquitetura que, depois, entrou na Justiça para ter a possibilidade de também concorrer à licitação do projeto executivo.

Salão dos Passos Perdidos, na entrada para o prédio do Palácio da Justiça de São Paulo, no centro de São Paulo
Salão dos Passos Perdidos, na entrada para o prédio do Palácio da Justiça de São Paulo, no centro de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

A questão chegou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e só foi encerrada em 2012. Voltou a ser discutida na gestão de Ivan Sartori (2012 e 2013) e, depois, deixada em suspenso pelos dois presidentes seguintes, José Renato Nalini e Dimas Mascaretti. Na gestão de Pereira Calças, voltou à tona.

Primeiro, com uma adequação ao anteprojeto de arquitetura, que custou aproximadamente R$ 1,5 milhão. O presidente também aproveitou um decreto da Prefeitura de São Paulo deste ano, que instituiu prioridade a projetos de valorização do centro da cidade, para pleitear o alvará da obra.

Atualmente, o processo que discute a licitação para o projeto executivo do prédio está sob sigilo e aguarda relatório e voto do desembargador Ferraz de Arruda.

Nesse processo, a desembargadora Maria Lúcia ​Pizzotti afirma que o projeto não foi aprovado na corte, como determina resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que o edital não foi publicado em um diário de grande circulação, conforme a norma vigente, e ainda que o orçamento do tribunal não especifica a despesa.

“A proposta que vossas excelências aprovaram para o orçamento do ano vindouro prevê, também, um valor de R$ 24.698.192,00 para execução de obras e instalações em todo o estado, ou seja, novamente, um valor menor do que apenas o projeto executivo das faraônicas torres de gabinetes que se pretende construir”, comparou.

Institucionalmente, o Tribunal de Justiça tem dito que somente após a conclusão do projeto executivo poderão ser definidos quais recursos serão gastos, o modelo de licitação das obras e "será possível cogitar-se eventuais parcerias com o estado para a obtenção de recursos necessários".

TJ-SP, o maior do Brasil

360
Desembargadores 

2,6 mil
Magistrados

43 mil
Servidores

R$ 12 bilhões
É a previsão de orçamento para 2020, ainda não aprovada

25% do total de processos em andamento de toda a Justiça brasileira, com
20 milhões de casos pendentes no fim de 2018

Fontes: TJ-SP e CN

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.