Competição no jornalismo é relação entre amigas e rivais, diz editora do Washington Post

Jornalista afirma que plataformas como Facebook e Twitter são concorrentes e aliadas de jornais

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Rio de Janeiro

Boa parte da competição no jornalismo hoje pode ser resumida como aquela relação entre amigas e rivais. Se antes a competição era bem definida (um periódico contra o outro, por exemplo), agora os seus concorrentes serão também aliados, muitas vezes indispensáveis, na distribuição de seu material.

São plataformas como Facebook, Twitter, Google e WhatsApp, disse nesta quarta (13) Everdeen Mason, editora de audiência de um dos maiores jornais americanos, o The Washington Post

Mason, que era repórter antes de migrar para esse cargo chave nas empresas de comunicação contemporâneas, compartilhou suas estratégias para alavancar a leitura de seu veículo com executivos de mídia no último dos três dias do Digital Media Latam

O evento reuniu mais de 350 empresários de mais de 22 países, sobretudo latino-americanos, num hotel na Barra da Tijuca (zona oeste carioca). É a primeira edição brasileira da conferência, organizada desde 2013 pela Associação Mundial de Editores de Notícias (WAN-IFRA, na sigla em inglês).

 

Não é de uma hora para outra, admitiu Mason, que se muda a mentalidade de redações muitas vezes centenárias —o Washington Post, um dos pioneiros, é de 1877. "Todos os dias encontro jornalistas com mais de 30 anos de experiência, e eu tenho 10. A primeira coisa que digo: não quero fazer seu trabalho, quero ajudar a torná-lo ainda melhor."

Mulher no palco com tela gigante de luzes atrás
Everdeen Mason, editora de audiência do Washington Post no Digital Media Latam 2019, evento da Wan-Ifra - Folhapress

E, aqui, estratégia é tudo. Para esboçar uma certeira, é preciso fazer as perguntas certas. O que você, editor, deseja? Mais engajamento com os leitores atuais ou encontrar novos? Por que eles vão recorrer a você, e não a outras fontes, para saber mais sobre determinado assunto? 

E tem que pensar fora da caixa, diz a americana. Nem sempre a batalha por leitores se dá com os "inimigos" óbvios. Para certas histórias, a segmentada Home & Garden Magazine é sua concorrente tanto quanto o gigante The New York Times.

É fundamental, também, voltar a imaginar áreas que já existem para novas audiências. Mason destacou modelos da casa. 

Um deles é o The Lily, um projeto administrado pelo Washington Post (mas que funciona como um site independente) com reportagens focadas na mulher da geração millennial. 

As chamadas desta quarta iam desde "pode um cartão de crédito ser sexista?" até "o que Simone de Beauvoir me contou entre tragos de scotch" (sua biógrafa detalha como a escritora queria ser conhecida não só como feminista).

E o jornal tem que perceber quais são as demandas de seus tempos. Um bom exemplo: séries de TV e filmes sempre tiveram destaques nos cadernos culturais. Mas grande parte de seus leitores, agora, consomem vídeos do YouTube.

Por que não oferecer críticas de canais da plataforma de vídeo? As pessoas, segundo Mason, querem uma curadoria para saber o que presta no YouTube, e não só depender do conteúdo que o algoritmo lhes indica.

Claro que seu trabalho, embora seja dos mais relevantes atualmente, ainda pode crescer, afirma Mason. "São seis pessoas na minha equipe. Temos muuuuito trabalho. Obrigada por fazer essa pergunta. Quem sabe meu chefe contrata mais pessoas para nos ajudar!", ela brincou após ser questionada por alguém da plateia sobre o tamanho do time que supervisiona.

Há algo de romântico na ideia de salvar o jornalismo, e isso pode atrair profissionais de tecnologia que poderiam ganhar muito mais dinheiro em outros lugares para uma área que ainda luta para se recuperar de crises que fecharam tantos jornais no mundo. 

Assim diz Leanne Gemma, diretora de produtos da McClatchy, rede de jornais baseada na Califórnia que opera quase 30 diários nos EUA, entre eles o Miami Herald. 

Sua palestra teve pontos de confluência com a de Everdeen Mason, como ao apontar os novos competidores do meio. "Estamos concorrendo pelo tempo, pelo dólar e pela atenção dos nossos usuários. Independentemente do gênero, nós vamos precisar abrir mão de algumas assinaturas, e estamos concorrendo nessa rescisão dada por plataformas mais abrangentes como Netflix e Spotify."

Ela comparou o papel de gerente de produtos a um arquiteto e, para ilustrar seu ponto, sacou imagens de uma construção curiosa na Califórnia: a Winchester Mistery Mansion.

Supostamente assombrada, a mansão era moradia para Sarah Winchester, esposa do magnata da indústria de armas William Wirt Winchester. Hoje atração turística, é um estudo de caso para projetos feitos sem qualquer estratégia prévia.

Há uma escada que esbarra num teto, sem levar a lugar algum. Uma porta que dá para o nada (se abri-la sem olhar por onde anda, a pessoa cairá do segundo andar). Um belíssimo vitral, mas posto sobre uma parede. 

Empresas de comunicação, muitas vezes, lidam com produtos de forma igualmente desordenada, começando projetos sem saber exatamente o que querem com eles, e não raramente os largando no meio do caminho, diz Gemma. "Algumas partes construímos e nunca terminamos."

Quando você não tem uma visão ampla para seu jornal, afirma, "pode terminar com coisas bem estranhas". 

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, recebeu durante o evento o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa, pela defesa da democracia e do jornalismo independente.

Também foram homenageados os jornalistas Ricardo Boechat, que trabalhava na Band, e Clóvis Rossi, decano da Redação da Folha, que morreram neste ano.

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