Deputado do PSL quebra peça de exposição sobre Consciência Negra na Câmara

Charge retratava jovem morto por policial e foi considerada ofensiva pela 'bancada da bala'

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Brasília

O deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) quebrou, nesta terça-feira (19), uma placa com charge que compunha exposição em homenagem ao Dia da Consciência Negra na Câmara.

O cartaz trazia uma charge do cartunista Latuff mostrando um policial com uma arma se afastando depois de atirar em um jovem algemado.

A peça tinha os dizeres “o genocídio da população negra” e uma explicação com dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica) sobre mortes de jovens negros

"Por sua vez, os negros são as principais vítimas da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil", dizia a placa. 

Placa quebrada pelo deputado Coronel Tadeu (PSL-SP), com charge que compunha exposição sobre Dia da Consciência Negra na Câmara
Placa quebrada pelo deputado Coronel Tadeu (PSL-SP), com charge que compunha exposição sobre Dia da Consciência Negra na Câmara, em 2019 - Pedro Ladeira - 19.nov.2019/Folhapress

A taxa de homicídios entre homens jovens pretos e pardos chegou a 185 a cada 100 mil habitantes em 2017, quase três vezes a dos brancos. 

Parlamentares oposicionistas da bancada negra, como Taliria Petrone (PSOL-RJ), Benedita da Silva (PT-RJ), Aurea Carolina (PSOL-MG) e David Miranda (PSOL-RJ), foram ao Departamento de Polícia Legislativa da Casa e prestaram queixa contra Tadeu. 

Segundo Taliria, os partidos também farão representação no Conselho de Ética da Câmara e irão à PGR (Procuradoria-Geral da República) protocolar representação por racismo. 

Deputados confrontaram o parlamentar no corredor depois de ele quebrar a placa, chamando-o de racista. "Isso é uma violência", afirmou Benedita enquanto apontava para o cartaz, partido em dois no chão. 

O deputado Coronel Tadeu (PSL/SP)
O deputado Coronel Tadeu (PSL/SP) - Luis Macedo - 12.mar.19/Câmara dos Deputados

"Eles fizeram o protesto deles, eu fiz o meu. O cartaz era nitidamente ofensivo aos policiais do país", afirmou Coronel Tadeu à Folha. Ele disse que decidiu arrancar o cartaz "para retirar primeiro aquilo imediatamente" e disse que a placa "direcionava o entendimento de que policiais só matam negros". 

"O policial quer preservar a própria vida. Na hora do tiroteio, você não sabe se o cara é branco ou negro", disse. 

Em São Paulo, segundo pesquisa da socióloga Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 67% dos mortos em ações policiais entre 2014 a 2016 eram pretos ou pardos.

Dados do Fórum também apontam que, em 2017 e 2018, 75,4% dos mortos em intervenções policiais no Brasil eram negros. 

Nas redes sociais, Tadeu publicou a imagem. "Policiais não são assassinos. Policiais são guardiões da sociedade, sinto orgulho de ter 600 mil profissionais trabalhando pela segurança de 240 milhões de brasileiros [segundo o IBGE, o Brasil tem quase 211 milhões de habitantes]", escreveu. 

A charge foi alvo de manifestações da “bancada da bala” ao longo desta terça. O presidente da frente parlamentar de segurança pública, Capitão Augusto (PL-SP), havia pedido ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a retirada do cartaz, dizendo que ele ofendia os policiais.

"Conforme se verifica do conteúdo da imagem, há a absurda atribuição da responsabilidade pelo genocídio da população negra aos policiais militares, prestando-se, assim, verdadeiro desserviço junto à população que trafega pelas dependências da Câmara, retratando negativamente o salutar papel dos policiais militares para a manutenção da ordem pública no nosso país", afirmou Capitão Augusto no pedido. 

No plenário, a maior parte das manifestações de deputados era contrária a Coronel Tadeu. "É inaceitável, é desonroso para esta Casa que um deputado não respeite, não tolere", afirmou Orlando Silva (PC do B-SP). 

 "É inadmissível a atitude do deputado Coronel Tadeu, do PSL. Esse caso deve ser levado ao Conselho de Ética, porque racismo é crime. Se o deputado não sabe, racismo é crime e está na Constituição", afirmou Helder Salomão (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Casa. 

Lídice da Mata (PSB-BA) cobrou atitude da Mesa Diretora. "Isso não pode ficar sem uma punição. A Mesa não pode ignorar este fato, porque este fato fere a decisão maior da Mesa de permitir a exposição", disse. 

Depois de ser cobrado por parlamentares, Maia condenou a atitude de Tadeu e disse que o episódio é grave, mas evitou falar em punições. "Numa democracia, num país livre, não é porque nós divergimos que nós podemos retirar de forma violenta uma peça de uma exposição que foi autorizada pela presidência da Cãmara", afirmou. 

"Não é um dia que marque de forma positiva a nossa Casa", disse. Maia afirmou que o conteúdo do cartaz "pode inclusive ser injusto", mas que a questão deveria ter sido resolvida com diálogo. 

Durante a ordem do dia, parte dos deputados decidiu se retirar do plenário em protesto depois que o deputado Coronel Tadeu se sentou na Mesa Diretora, ao lado de Maia. Tadeu não é membro da Mesa. 

Os partidos de oposição entraram em obstrução das votações por causa do ocorrido.

Pediram ainda que Maia recoloque a placa da exposição, o que foi contestado por Capitão Augusto. "Essa placa não tem que voltar, já dou o aviso". 

Também foi alvo de repúdio a fala de Daniel Silveira (PSL-RJ). Em discurso no plenário, ele afirmou que é "evidente que mais negros morrem", segundo ele, porque há "mais negros com arma, mais negros cometendo crime, mais negros confrontando a polícia".

Silveira é conhecido por ter quebrado uma placa em homenagem à vereadora do PSOL, Marielle Franco (RJ), assassinada em 2018.

Outros parlamentares, como Junio Amaral (PSL-MG), defenderam Tadeu.

"Ele fez aquilo que a maioria da população brasileira. Se o negro ataca a polícia com arma na mão, o negro vai morrer. Se um branco ataca, o branco vai morrer. Se for um viado, o viado vai morrer. Se for um anão, vai morrer o anão", afirmou. 

Durante a fala de Amaral, deputados da bancada negra gritaram o nome de Agatha Felix, morta em setembro no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro.

Nesta terça-feira (19), a Polícia Civil concluiu que quem atirou na menina de oito anos foi um policial militar. 

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