Jornalista Augusto Nunes agride Glenn Greenwald, que revida; assista

Após ser chamado de covarde, Nunes partiu para agressão física durante programa Pânico, na rádio Jovem Pan

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São Paulo

Os jornalistas Augusto Nunes, 70, e Glenn Greenwald, 52, fundador do site The Intercept Brasil, trocaram socos durante o programa Pânico, da rádio Jovem Pan, nesta quinta-feira (7).

Os dois iniciaram uma dura discussão, quando Glenn passou a chamar Augusto de covarde, que então partiu para a agressão física. "Você é um covarde, Augusto Nunes. Você é um covarde", disse Glenn.

Augusto responde: "Se falar em covarde... Eu vou te mostrar". Nesse momento, Augusto agride Glenn. "Eu te mostro o que é covarde. Eu te mostro quem tem coragem [inaudível]. Eu te mostro quem tem", seguiu Augusto. Glenn, em seguida, parte para cima e tenta acertar um soco no rosto de Augusto. 

Glenn é fundador do The Intercept Brasil, site que tem publicado uma série de reportagens baseadas em mensagens trocadas no aplicativo Telegram por procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato e pelo ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro.

As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida a imparcialidade como juiz do atual ministro da Justiça no julgamento dos processos da operação.

Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015.

Em resumo, no contato com os procuradores, Moro indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.

Moro tem repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades.

No programa da Jovem Pan, ​Glenn chamou o outro jornalista de covarde ao relembrar um comentário feito anteriormente por Augusto na rádio, no qual mencionou os dois filhos adotados pelo jornalista americano e por seu marido, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ).

Na ocasião, Augusto indagou: "Quem é que cuida das crianças que eles adotaram? Isso aí o juizado de menores deveria investigar".

"O Glenn Greenwald passa o dia tendo chiliques no Twitter ou trabalhando como receptador de mensagens roubadas. Esse David fica em Brasília ou lidando com rachadinhas, que essa é a suspeita aí, que isso dá trabalho", afirmou ainda o jornalista.

Glenn compartilhou um vídeo com a fala e relatou que fez "jornalismo em dezenas de países no mundo democrático. Um limite absoluto, até em combate político, é não usar os filhos menores como alvo".

Na época, Augusto respondeu a ele em uma rede social: "Glenn me acusou de alvejar seus filhos. Fake news. Apenas constatei q ele lida em tempo integral com mensagens roubadas, o maridão só pensa no caso da rachadinha em q se meteu e nenhum tem tempo p/ cuidar dos filhos. Pare de mentir, Glenn. É outro mau exemplo para as crianças".

Nesta quinta-feira, depois da agressão ao companheiro, David reiterou as afirmações que Glenn fez diretamente a Augusto. O parlamentar escreveu em uma rede social: "Augusto Nunes é um indigno. Covarde, sem escrúpulos. É do tamanho da reação lamentável que teve hoje na Jovem Pan".

O deputado também disse: "Esse canalha usou nossos filhos p/ atacar o trabalho do meu marido. É tão covarde que não consegue escutar a verdade cara a cara e partiu para agressão física. Se os veículos em que ele trabalha forem sérios, vão demitir esse jornalista sem ética e escrúpulos. #SomosTodosGlenn".

Colegas de partido de David também exprimiram solidariedade a Glenn. O ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT) chamou Augusto de bandido e verme. A presidente nacional do PT, deputada Gleisi ​Hoffmann (PR), disse que o americano foi "atacado por um jornalista que não faz jornalismo" e que "a violência é a arma dos covardes".

Parlamentares do PSL, partido de Bolsonaro, manifestaram apoio ao comentarista da Jovem Pan. Filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) escreveu em uma rede social que "reagir a canalhices que partem de um criminoso cínico e folgado é questão de honra".

"Apesar de várias vezes discordar de seus comentários e independentemente dos fatos citados, presto solidariedade ao homem Augusto Nunes!", afirmou Carlos.

O perfil de Olavo de Carvalho, escritor considerado o guru do bolsonarismo, postou: "O Augusto Nunes descendo a porrada no Verdevaldo foi a coisa mais linda da TV brasileira ever".

Sem fazer referência explícita ao caso, Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, publicou a frase "This is Brazil!" (isto é Brasil) seguida de ilustrações da bandeira do Brasil e de um punho cerrado, semelhante a um soco.

Seguidores dele responderam com menções de apoio e de repúdio ao comentarista da Jovem Pan.

Augusto disse à Folha que não se arrepende "nem um pouco" do que fez e que ele foi agredido primeiro, verbalmente, pelo americano.

"Eu fui insultado moralmente. Aí adverti para que ele não usasse a palavra 'covarde', que é insultuosa, que é grave. Adverti cinco vezes, ele insistiu. Eu tinha duas opções: ou reagir com altivez ou engolir o insulto. Não tive alternativa", afirmou.

"Eu reagi como qualquer homem reagiria", acrescentou. "O agredido fui eu. Eu reagi a uma agressão."

O jornalista disse ainda que falou a Glenn para "aprender o significado da palavra 'covarde' na língua portuguesa, que é uma acusação grave, e talvez ele não saiba".

Augusto afirmou que fará "a mesma coisa toda vez que for insultado repetidas vezes mesmo diante de uma advertência", que se considera um homem honrado e que, caso Glenn queira tomar providências legais, "ele pode fazer o que quiser".

"Eu me sinto completamente tranquilo. Saí de lá [do estúdio] em paz comigo mesmo. Não havia o que fazer", disse.

O jornalista reiterou que o comentário sobre os filhos que motivou a reclamação de Glenn foi uma ironia.

"Onde eu propus, como ele disse, que ele perdesse a guarda das crianças? Tudo é ilação. Eu disse a ele: 'Prove que eu disse isso, prove que eu sugeri que fosse retirada a guarda das crianças'. Foi um comentário irônico."

No fim da tarde, Augusto divulgou uma nota na qual afirmou que pensou em abandonar o estúdio após a pergunta de Glenn, mas entendeu que "essa atitude confirmaria o teor das agressões verbais que sofrera". "E não resisti ao que me sugeriam a voz dos instintos e honra ferida", disse.

"Lamento o ocorrido. E peço aos ouvintes, espectadores e leitores que evitem traduzir em atos físicos quaisquer discordâncias políticas, e mesmo a indignação provocada por insolências inaceitáveis", afirmou no comunicado.

O jornalista também disse no texto que, desde o começo de sua carreira, recomenda "que todos pratiquem o convívio dos contrários".

​​Glenn, que continuou sendo entrevistado pelo programa de rádio depois da briga, disse à Folha considerar que o ponto mais grave do episódio é "o uso de força física, de violência, no debate político".

"É a coisa mais grave e perigosa para uma democracia. É justificável Augusto Nunes me agredir? Não, assim como não é para qualquer um atacar fisicamente na rua qualquer pessoa que tenha uma opinião diferente", afirmou.

O jornalista criticou ainda o fato de "integrantes do partido do presidente [Jair] Bolsonaro estarem aplaudindo, apoiando o uso da violência no debate político, o que é uma ameaça grave para a democracia. Comportar-se como fascista é algo totalmente inaceitável".

"Para ser totalmente honesto, ele [Augusto] não me machucou, foi [um ataque] fraco. Essa é a verdade. Nunca aconteceu algo assim na minha carreira, como advogado e jornalista, e estou envolvido em temas muito polêmicos. Nunca fui agredido na minha vida, porque adultos não se comportam assim", completou.

Segundo ele, o sentimento no momento da agressão foi de choque, e sua reação foi "um instinto para retornar [revidar] aquela agressão".

Glenn relatou também que ouviu de representantes da Jovem Pan a promessa de que a rádio pediria desculpas publicamente e se posicionaria contra a atitude do comentarista.

"Também me disseram que Augusto tem que pedir desculpas e admitir que o que ele fez é errado. Mas ele falou com vocês [da Folha] e fez exatamente o oposto", afirmou Glenn. Ele disse esperar o cumprimento do acordo e falou que não sabe se tomará medidas legais.

O jornalista refutou ainda a afirmação de Augusto de que sua fala sobre os filhos do casal tinha conteúdo irônico. "Qualquer pessoa pode assistir àquele vídeo, e não tinha nada leve. Eles estavam discutindo se eu vou ser preso, se eu paguei a hackers. Não tinha nada leve, nada irônico."

Augusto Nunes é comentarista da Jovem Pan e da TV Record, além de colunista da revista Veja. Já dirigiu Redações de importantes veículos de comunicação e foi apresentador do "Roda Viva", na TV Cultura.

Americano radicado no Rio de Janeiro, Glenn Greenwald conquistou em 2014 o prêmio Pulitzer, na categoria serviço público, pelas reportagens sobre o vazamento dos documentos do ex-agente da Agência Nacional de Segurança, Edward Snowden.

O grupo Jovem Pan, em nota, disse lamentar o ocorrido e repudiar "com veemência" ofensas e agressões. A emissora afirmou defender o pluralismo de ideias e a liberdade de expressão, recebendo "convidados de diferentes campos ideológicos e com opiniões dissonantes".

"A liberdade de expressão e crítica concedida pela Jovem Pan a seus comentaristas e convidados, contudo, não se estende a nenhum tipo de ofensa e agressão", declarou a empresa.

"A Jovem Pan pede desculpas aos ouvintes, espectadores e convidados desta edição do Pânico, inclusive Glenn Greenwald", concluiu.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) emitiu nota em que condenou o ataque. Afirmou que a cena de violência passou a ser usada "como exemplo de comportamento a ser adotado pelos descontentes com a imprensa em geral".

"Como em outras ocasiões, membros do governo e pessoas influentes no poder difundiram mensagens de incitação direta à violência, como no caso de Olavo de Carvalho, ou de aprovação velada, como no caso de um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro", afirmou a entidade.

Segundo a Abraji, "a onda de reações que se seguiu ao episódio dispara um alerta que não pode ser ignorado a respeito do estágio que a hostilidade aos jornalistas e aos veículos de imprensa atingiu no Brasil".

"Quem atiça esse clima de hostilidade tem intenção de calar vozes críticas e sufocar a liberdade de expressão —sem ela, as outras liberdades também morrerão", disse a organização.

Confira abaixo o que eles disseram antes das agressões físicas:

Glenn - Eu acredito [em] fazer diálogo com qualquer um, inclusive com Augusto Nunes. [...] Mas tem limites. E nós temos muitas divergências políticas. Eu não tenho problema nenhum com sendo criticado por meu trabalho. Eu critico ele também. Mas o que ele fez, ele disse neste canal, Jovem Pan, foi a coisa mais feia e mais suja que eu vi na minha carreira como jornalista. [...] Ele disse que um juiz de menores deveria investigar nossos filhos e decidir se nós deveríamos perder nossos filhos, se eles deveriam voltar para um abrigo, com base nenhuma. Acusando que nós estamos abandonando, fazendo negligência com nossos filhos. A coisa mais nojenta que eu vi na minha vida. Eu quero saber se você acredita ainda que um juiz de menores deveria investigar nossa família, com possibilidade de tirar nossos filhos da nossa casa e voltar eles para o abrigo, sem pai, sem mãe, sem família nenhuma. Você acredita nisso?

Augusto - Essa é a prova de que o Brasil criou o faroeste à brasileira, né? É quem tem que se explicar, é quem comete crimes que fica cobrando quem age honestamente. Ouçam o que eu disse. Primeiro vocês vão perceber que ele ainda não sabe identificar ironias. Não sabe identificar um ataque bem-humorado. E eu convido ele a provar em que momento eu pedi que algum juizado fizesse isso. Eu disse apenas que o companheiro dele passa o tempo em Brasília, ele passa o tempo todo lidando com material roubado. E eu falei: quem é que vai cuidar dos filhos? Era isso. É isso.

Glenn - Você é um covarde, você é um covarde. Eu vou falar por que você é um covarde.

Augusto - Não fala de covardia comigo.

Glenn - Você é um covarde, Augusto Nunes. Você é um covarde.

Augusto - Se falar em covarde... Eu vou te mostrar. [Nesse momento, Augusto agride Glenn.] Eu te mostro o que é covarde. Eu te mostro quem tem coragem [inaudível]. Eu te mostro quem tem. Isso aí. Aqui não vai chamar de covarde não, babaca.

Glenn - Você é um covarde, Augusto Nunes.

Augusto - Covarde, mas não apanhou na cara.

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