Repreensão de Maia abre brecha para Câmara convocar Heleno por fala sobre AI-5

Presidente da Casa disse que declarações de militar foram graves e que ele virou auxiliar do radicalismo

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Brasília

A repreensão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), às declarações do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, sobre um novo AI-5 foi vista por parlamentares como uma brecha para que o militar seja convocado a prestar esclarecimentos ao plenário da Casa. 

Na segunda-feira (4), Maia chamou de grave a fala de Heleno e disse que o militar virou um auxiliar do radicalismo do escritor Olavo de Carvalho.

Na sexta-feira (1º), o deputado Orlando Silva (PC do B-SP) apresentou um requerimento de convocação do ministro do GSI. Segundo relatos feitos à Folha, o movimento do parlamentar da oposição não foi isolado —tendo, inclusive, aval de aliados do presidente da Câmara. 

O general Augusto Heleno, ministro chefe do GSI
O general Augusto Heleno, ministro chefe do GSI - Pedro Ladeira - 30.abr.19/Folhapress

Maia indicou a pessoas próximas que pretende consultar os líderes partidários sobre a possibilidade de votar o requerimento já na sessão desta terça-feira (5). 

Uma ala da Câmara se mostrou disposta a impor essa derrota ao governo de Jair Bolsonaro (PSL).

Como se trata de um pedido de convocação, se ele for aprovado pela maioria dos deputados presentes, o ministro é obrigado a comparecer ao plenário, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade na hipótese de ausência sem justificação adequada, conforme prevê a Constituição.

Na quinta (31), Heleno comentou declarações do líder do PSL na Câmara, deputado Eduardo Bolsonaro (SP), de que a edição de um novo AI-5 poderia ser uma resposta a uma eventual radicalização da esquerda.

O instrumento, adotado durante a ditadura militar, resultou em forte repressão, com cassação de direitos políticos e fechamento do Congresso.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Heleno havia dito que não tinha ouvido as declarações de Eduardo, filho do presidente.

"Se falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir. Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile [atos violentos], é lógico que tem de fazer alguma coisa para conter. Mas até chegar a esse ponto tem um caminho longo", afirmou.

Nesta segunda, Maia chegou a citar o pedido de convocação do general na Câmara. "Acho que a frase dele foi grave. Além disso, ainda fez críticas ao Parlamento, como se o Parlamento fosse um problema para o Brasil", disse.

"É uma cabeça ideológica, infelizmente o general Heleno, o ministro Heleno virou um auxiliar do radicalismo do Olavo. Uma pena que um general da qualidade dele tenha caminhado nesta linha."

A declaração de Maia foi celebrada pelos principais líderes do Congresso. Para eles, o presidente da Câmara agiu em defesa do Congresso e reafirmou que o único caminho que o país aceita é o da democracia. 

Maia indicou a aliados insatisfação com uma sequência de ataques feitos pelo general. Disse que o ministro tem adotado postura cada vez mais agressiva, mas que é preciso lembrá-lo que, diante da instabilidade política, é o Congresso quem tem salvado o país. 

Autor do requerimento, Silva afirmou à Folha que, se a convocação for aprovada, "o ministro terá a chance de se explicar ao plenário e dizer o que significa 'estudar' a proposta absurda de Eduardo Bolsonaro de reeditar um novo AI-5". 

Olavo de Carvalho, radicado nos EUA, é o principal ideólogo do entorno presidencial: seus filhos, particularmente Eduardo e o vereador Carlos, o chamam de professor. 

Também estão na cota de discípulos olavistas o chanceler Ernesto Araújo e o ministro Abraham Weintraub (Educação), além de assessores como Filipe Martins (assuntos internacionais da Presidência).

Procurado, Heleno disse à Folha que não tem "nada a comentar" sobre a declaração de Maia. Segundo relatos, ele foi recomendado a não responder à crítica para evitar um acirramento na relação entre Executivo e Legislativo. "Nada a declarar. Não tenho nada a comentar", afirmou. "Não vou falar, pô", acrescentou.

O tom adotado por Maia foi interpretado no Palácio do Planalto como uma tentativa de se distanciar de Bolsonaro por motivações eleitorais. As declarações de Eduardo e Heleno tiveram uma repercussão negativa nas redes sociais, inclusive entre eleitores bolsonaristas.

Para auxiliares do presidente, o movimento de Maia, adequando-se a um discurso de centro, tem também como objetivo se aproximar do mercado financeiro, que tem reprovado o radicalismo de integrantes do governo e avaliado que ele atrapalha a tramitação da pauta econômica.

Há um outro fator. Heleno, um dos principais conselheiros de Bolsonaro, tem ficado crescentemente isolado em posições mais radicais nos últimos meses. 

Generais da ativa que antes o consideravam uma garantia de bom senso ante as teorias mais radicais dos bolsonaristas agora preferem manter distância do oficial de quatro estrelas da reserva.

Segundo conhecidos próximos, Heleno tem se mostrado irascível na condução dos trabalhos de governo. Pressionado pela ala dita ideológica, aproximou-se taticamente dos bolsonaristas. 

Ele tem insistido em postagens a tese de que os protestos no Chile podem contaminar as ruas brasileiras, algo já dito por Eduardo e pelo presidente.

Seu principal assessor, o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Boas, recebeu críticas entre oficiais da ativa por ter repetido no Twitter a pressão que fez no ano passado sobre o Supremo Tribunal Federal —em 2018, contra um habeas corpus a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e agora contra a revisão da prisão em segunda instância.

O núcleo moderado do governo, formado pela cúpula militar e pela equipe econômica, considerou que o tom adotado por Maia foi, nas palavras de um auxiliar palaciano, "acima do adequado", mas que ajuda a trazer o presidente "de volta para a realidade".

O sentimento entre líderes do Congresso é de que a conclusão da reforma da Previdência pode ocasionar um levante de congressistas contra o governo.

Na visão de pessoas ouvidas pela Folha, alguns grupos podem deixar de lado um tom moderado e fazer críticas abertas ao Planalto.

Após forte repercussão da classe política, Eduardo tornou-se alvo de representação no Conselho de Ética na Câmara por sua declaração sobre um novo AI-5.

Diante das primeiras críticas, ele manteve sua declaração. Na sequência, foi repreendido pelo pai e então pediu desculpas públicas. No sábado (2), Bolsonaro afirmou que uma eventual punição a Eduardo será uma perseguição política.

AI-5, 13 DE DEZEMBRO DE 1968

  • Deu novamente ao presidente o poder de fechar o Congresso, Assembleias e Câmaras. O Congresso foi fechado por tempo indeterminado no mesmo dia
  • Renovou poderes conferidos antes ao presidente para aplicar punições, cassar mandatos e suspender direitos políticos, agora em caráter permanente
  • Suspendeu a garantia do habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular
  • Deu ao presidente o poder de confiscar bens de funcionários acusados de enriquecimento ilícito
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