STJ afasta desembargadores suspeitos de vender sentenças na Bahia

Caso envolve área de 366 mil hectares disputada entre agricultores e uma empresa; corte determinou bloqueio de R$ 581 milhões

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Salvador

Alvos de uma operação da Polícia Federal nesta terça-feira (19) por suspeita de venda de decisões judiciais, quatro desembargadores e dois juízes do Tribunal de Justiça da Bahia foram afastados de seus cargos por 90 dias pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
 
Acolhendo pedido da Procuradoria-Geral da República, o STJ determinou o bloqueio de R$ 581 milhões de parte dos investigados. Ao todo 21 pessoas, são investigadas na operação, o que inclui magistrados, empresários, servidores públicos e advogados.
 
Entre os alvos está o presidente do TJ-BA, Gesivaldo Britto, os desembargadores Maria da Graça Osório Pimentel, Maria do Socorro e José Olegário Caldas e os juízes Sérgio Humberto Sampaio e Marivalda Moutinho.

O presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargador Gesivaldo Britto, durante evento da corte
O presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargador Gesivaldo Britto, que é alvo da operação Faroeste - Divulgação/Tribunal de Justiça da Bahia

De acordo com o despacho do ministro Og Fernandes, ao qual a Folha teve acesso, os magistrados são suspeitos de integrar um esquema criminoso que atua “de forma estruturada e com divisão clara de suas tarefas” para a obtenção de vantagens econômicas por meio de corrupção.
 
O centro da investigação é um litígio judicial em torno da posse de uma área de 80 mil hectares —equivalente a 11 vezes o tamanho de Salvador— na região oeste da Bahia, configurando uma das maiores disputas de terra em curso no Judiciário brasileiro.

O conflito contrapõe centenas de agricultores de Formosa do Rio Preto, que atuam na produção de milho, soja e algodão no oeste da Bahia desde os anos 1980, e o borracheiro José Valter Dias, que alega ser o dono da área em litígio.

Dias é representado pela empresa JJF Holding de Investimento, empresa da qual possui 5% de participação acionária. Os demais 95% pertenciam ao empresário Adailton Maturino dos Santos, que afirmava falsamente ser cônsul de Guiné-Bissau no Brasil, e sua mulher, Geciane Souza Maturino dos Santos.
 
Em uma série de decisões judicias, o TJ-BA determinou a transferência da posse de mais de 300 terrenos da região para José Valter Dias e sua esposa Ildeni Dias.
 
A investigação da Procuradoria apontou ainda que os quatro desembargadores investigados tiveram uma movimentação financeira muito acima de seus rendimentos mensais como servidores públicos.
 
Entre janeiro de 2013 e novembro de 2019, os desembargadores Gesivaldo Britto, Maria da Graça Osório Pimentel, Maria do Socorro e José Olegário Caldas movimentaram, ao todo, cerca de R$ 76 milhões em suas contas bancárias.
 
Nesse mesmo período, contudo, os desembargadores receberam, cada um, entre R$ 2 milhões e R$ 2,6 milhões em salários e benefícios.

 
Os procuradores também destacaram situações suspeitas como o fato de a desembargadora Maria da Graça Osório Pimentel possuir 57 contas bancárias em seu nome.
 
Apesar de afirmar que não há ilegalidade na existência de tantas contas, os procuradores destacaram que a situação “ganha foros de suspeição” diante do grande volume de transações financeiras com origem não identificada, em um mecanismo típico de lavagem de dinheiro.
 
Os procuradores também apontaram atitudes suspeitas como os contatos frequentes da desembargadora com o empresário Adailton Maturino dos Santos, um dos principais interessados no caso do litígio de terras.
 
Ao todo, foram identificados 54 contatos telefônicos entre Maturino e Maria da Graça Osório Pimentel. Ao ser ouvida pela Justiça Federal, a desembargadora afirmou que mantinha contatos com a mãe de Maturino “em virtude de orações que ela fazia” frente aos problemas de saúde que enfrentou.
 
Cerca de 200 policiais federais participaram da operação batizada de Faroeste. Foram cumpridos quatro mandados de prisão temporária e 40 mandados de busca e apreensão em gabinetes, fóruns, escritórios de advocacia, empresas e nas residências dos investigados.

Foi pedida a prisão de Adailton Maturino dos Santos e Geciane Souza Maturino dos Santos, do advogado Márcio Duarte Miranda, genro da desembargadora Maria do Socorro, e do servidor Antônio Roque do Nascimento Neves, chefe de gabinete do desembargador Gesivaldo Britto.  

Segundo o Ministério Público Federal, os quatro “compõem o núcleo duro na dinâmica de avanço da corrupção sobre o Poder Judiciário baiano, bem como coordenação e materialização de todo o fluxo de recebimento de recursos financeiros de origem criminosa”.

As buscas aconteceram nas cidades de Salvador, Barreiras, Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia, na Bahia, e em Brasília. São investigados possíveis crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de ativos, evasão de divisas, organização criminosa e tráfico influência.

Em nota, o Tribunal de Justiça da Bahia informou que foi surpreendido com a ação da PF e que ainda não teve acesso ao conteúdo do processo.

Também disse que todas as informações necessárias serão prestadas às autoridades, seguindo os princípios constitucionais do contraditório e de direito de defesa.

O tribunal disse ainda que, com o afastamento do desembargador Gesivaldo Brito, o desembargador Augusto de Lima Bispo assumirá a presidência da corte.

Procurado, o advogado de Adailton Maturino dos Santos e Geciane Souza Maturino dos Santos, João Novaes, afirmou que ainda não iria se manifestar sobre as acusações.

A Folha não conseguiu contato com as defesas de Márcio Duarte Miranda e Antônio Roque do Nascimento Neves.

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