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Abastecidos por verba pública, partidos pagam R$ 18 mi a empresas de filiados

Levantamento mostra contratação pelas siglas de firmas de dirigentes, como escritórios de advocacia

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São Paulo

Os partidos políticos destinaram ao menos R$ 17,8 milhões a empresas de filiados, incluindo seus próprios dirigentes, ao longo de 2018, de acordo com as prestações de contas entregues à Justiça Eleitoral.

Levantamento feito pela Folha cruzando os dados de firmas prestadoras de serviços às legendas com títulos de eleitores e os CPFs de membros dos partidos, principalmente integrantes dos diretórios nacionais, estaduais ou municipais, aponta que ao menos 294 empresas ligadas a esses filiados foram beneficiadas.

Essas empresas incluem principalmente escritórios de advocacia ou de contabilidade, produtoras de conteúdo, postos de gasolina e gráficas. A reportagem detectou as contratações em 29 dos 35 partidos constituídos naquele ano.

A prática ocorre em legendas de distintas correntes ideológicas, do PC do B ao PSDB ou ao PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro foi eleito.

A principal fonte de financiamento dos partidos são recursos públicos repartidos do fundo partidário, que em 2018 somou R$ 888 milhões. Para 2020, o valor previsto no Orçamento é de R$ 959 milhões, que se somará ao fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para custear as campanhas de candidatos a prefeito e vereador pelo país.

Os dados das prestações partidárias de 2018 apontam na lista dos beneficiários firmas dos ex-presidenciáveis Luciana Genro (PSOL) e Ciro Gomes (PDT) e de parentes de Levy Fidélix, do PRTB.

Aparecem ainda presidentes nacionais de siglas: José Maria Eymael (DC) e Eurípedes Macedo Júnior (PROS), que possuem respectivamente comércio de autopeças e uma oficina. 

O levantamento se refere ao ano passado porque o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não obriga as direções partidárias a informar suas despesas no momento em que são feitas, como ocorre nas campanhas eleitorais.

As prestações de 2018 foram entregues apenas em abril deste ano, e as informações com os gastos foram publicadas em forma de planilhas, que permitem cruzamentos de dados, só em setembro.

A reportagem cruzou 80 milhões registros do TSE e da Receita Federal a partir de um algoritmo para chegar à soma de R$ 17,8 milhões pagos. 

Foram considerados os casos de empresas que receberam por alguma prestação de serviço ao partido e que, ao mesmo tempo, tinha no seu quadro societário uma pessoa filiada à sigla e com cargo em um dos seus diretórios durante o ano de 2018. 

CNPJs de instituições, associações sem fins lucrativos não foram considerados no levantamento, bem como os pagamentos realizados a pessoa jurídica para a campanha de candidatos nas eleições de 2018.

O número de dirigentes beneficiários deve ser bem superior, já que o levantamento da reportagem não computa os pagamentos feitos pelas fundações partidárias, que recebem ao menos 20% das verbas do fundo partidário e que não têm suas despesas compiladas em tabelas pela Justiça Eleitoral. Segundo a legislação, as fundações devem desenvolver atividades de educação política e pesquisa.

O partido que apareceu no topo em 2018 foi o PSB, sendo que a maior parte foi paga ao escritório de advocacia Carneiros, do qual é sócio Rafael Carneiro, que é filiado e também integra o Conselho de Ética da legenda.

A seguir, estão o PSD, o Solidariedade e o PT.

No caso do Solidariedade, em 2018 se repetiu o que já havia sido mostrado com os dados do ano anterior em levantamento feito pela ONG Transparência Partidária: a maior despesa com prestadores filiados foi com o Cedraz Advogados, que tem entre sócios seis integrantes do diretório nacional do partido.

No PDT, pagamentos ao escritório de Ciro também ocorreram em 2017 e na campanha eleitoral do ano passado.

O partido Novo também fez pagamentos a firmas de dirigentes, no total de R$ 656 mil, mas afirma que para isso não usa o fundo partidário e que tenta devolver esses recursos. Entre outras fontes de financiamento das legendas, estão contribuições de filiados e doações de pessoas físicas.

As direções partidárias precisam prestar contas anualmente de seus gastos ao TSE, sob pena de ter cortados os repasses públicos.

A análise da regularidade desses dados, porém, é lenta: em abril passado a corte eleitoral finalizou a análise da prestação de contas de 2013, e determinou a partidos a devolução de R$ 18,5 milhões por uso indevido do fundo.

OUTRO LADO

Partidos, empresas e políticos afirmam que a prestação de serviços às legendas é regular e que não há impeditivo na legislação.

O PSD afirma que a lei e o estatuto do partido permitem que filiados, dirigentes ou não, prestem trabalhos. “Independentemente dessa condição, todos os serviços contratados foram efetivamente prestados.”

O PT afirmou que possui 40,5 mil dirigentes municipais pelo país e que o número de casos levantados pela reportagem, nesse universo, mostra que o partido não privilegia a contratação de seus filiados.

“O financiamento público dos partidos políticos é uma conquista voltada à redução da influência do poder econômico no regime democrático. Por isso mesmo tem sido alvo dos ataques de um falso republicanismo, que visam a desqualificar o sistema político.”

O PROS, presidido por Eurípedes Macedo Júnior, afirmou que é muito criterioso ao contratar serviços e adquirir bens, sempre fazendo pesquisas de preço e qualidade.

“Não é factível pagar mais caro pela simples exigência de não coincidência entre o quadro societário das empresas e membros. Em suma, na relação constam equipamentos e materiais para estrutura do PROS e prestação de serviços advocatícios e comunicação.”

Sobre o pagamento à empresa de Eurípedes, diz que à época ele não integrava o quadro societário. 

A deputada estadual gaúcha Luciana Genro (PSOL) disse que trabalhou como advogada do PSOL, atuando em ações judiciais, como contra o aumento da tarifa de transporte, em consultoria política e na elaboração de programas de governo do partido.

O ex-ministro Ciro Gomes disse, por meio de sua assessoria, que já se pronunciou sobre a atuação de seu escritório anteriormente.

No início do ano, quando a Folha mostrou que o Xerez Saldanha Vasconcelos e Ciro Gomes Advogados Associados recebeu R$ 80 mil da candidatura do pedetista em 2018, ele disse que os serviços prestados eram públicos e poderiam ser consultados na Justiça Eleitoral e que tinha se afastado das atividades do escritório durante a campanha eleitoral.

Rafael Carneiro, que integra o Conselho de Ética do PSB, disse, por meio de sua assessoria, que não há vedação legal ou moral que impeça um advogado filiado de prestar serviços a um partido.

Afirma que integra o conselho, no qual dirigentes partidários são vedados, após ter sido convidado devido à sua experiência na área, que inclui serviços ao partido há mais de uma década. 

O escritório Cedraz Advogados informou que presta toda a assessoria jurídica consultiva do Solidariedade, incluindo a representação em mais de cem ações judiciais, principalmente em tribunais superiores.

Afirma que seus sócios apenas compõem a assembleia geral, sem poder deliberativo, e que, na Justiça Eleitoral, a contratação do escritório jamais foi questionada.

Os outros citados na reportagem foram procurados, mas não responderam.

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