Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Bolsonaro pode levar país a situação imprevisível, diz advogado que presidiu comitê das Diretas

Para Mário Sérgio Duarte Garcia, faltam hoje líderes com credibilidade, mesmo na oposição

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São Paulo

O advogado Mário Sérgio Duarte Garcia estava em 1984 no palanque da Candelária, no Rio de Janeiro, quando o jurista Sobral Pinto, aos 90 anos, fez o famoso discurso em favor da democracia no qual, lendo a Constituição, disse que “todo poder emana do povo”.

Duarte Garcia, que à época presidia o comitê suprapartidário das Diretas-Já, cita a luta contra a ditadura militar ao revelar sua preocupação com o momento atual do país. “Acompanhei de perto, seria uma lástima muito grande que tivéssemos que cair numa mesma situação”, afirma.

O advogado Mário Sérgio Duarte Garcia em entrevista à Folha
O advogado Mário Sérgio Duarte Garcia em entrevista à Folha - Gabriel Cabral/Folhapress

Aos 88 anos, diz que o presidente Jair Bolsonaro pode levar o país para uma situação de consequências imprevisíveis. “Ou até poderia dizer previsíveis, caso consiga cumprir o que se propôs fazer”, afirma. “Os fatos estão aí para indicar.”

Homenageado no mês passado pelo Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), ele diz considerar que faltam atualmente no país líderes com credibilidade, inclusive nos partidos de oposição. “Mas as forças vivas da sociedade haverão de resistir às ameaças contra a democracia”, diz.

Como o senhor avalia a situação do país hoje?  É muito preocupante ouvir um ministro chefe da economia [Paulo Guedes] prever a volta das restrições do AI-5. Temos um presidente que teve uma vitória muito grande, mas que é despreparado para o cargo. Que atuou inexpressivamente como deputado federal durante tantos mandados. Bolsonaro pode levar o país para uma situação de consequências imprevisíveis. Ou até poderia dizer previsíveis, caso consiga cumprir o que se propôs fazer. Os fatos estão aí para indicar. Defende o porte de armas e faz enfrentamento aos democratas.

O senhor entende que o país pode caminhar para uma situação de perdas de direitos, de restrições democráticas? Há clima para isso? Clima não há. Mas tudo dependerá do desenvolvimento do governo, das atitudes que venha a tomar, e do eventual movimento da nação no sentido de resistir a determinadas medidas.

Quando o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, e o próprio ministro Paulo Guedes citam o AI-5, não estão apenas fazendo bravatas? Acompanhei de perto a eclosão do regime militar, o desempenho dos militares no poder, a ditadura, enfim. Seria uma lástima muito grande que tivéssemos que cair numa mesma situação. Prefiro acreditar que sejam bravatas.

O senhor considera que Bolsonaro representa uma ameaça para a democracia? Pode vir a representar. Mas acho que as forças vivas da nação haverão de resistir para que isso não aconteça. Situações como a ameaça à concessão da TV Globo e a chamada central de denúncias para conteúdos inadequados nas escolas mostram um espírito nada democrático. O próprio ministro da Educação [Abraham Weintraub] tem feito determinadas afirmações que infelizmente conduzem para um caminho que não é admissível. Não confio no governo.

Como o senhor avalia a atuação do Supremo Tribunal Federal hoje? O STF tem sido alvo de muitas críticas. Há muitas brigas internas, muita discussão, muito descompasso no Supremo hoje. Até mesmo em função da prática de divulgação dessas sessões, divergências têm resvalado em grosserias. Isso é muito ruim.

O que o senhor pensa das idas e vindas do Supremo no caso da possibilidade de prisão após julgamento em segunda instância?  Não fazem bem ao país. Entendo que a rigor a Constituição não permite.
 
E a Operação Lava Jato? A Lava Jato, hoje muito criticada, apurou a existência de crimes praticados por vários políticos. Por outro lado, as conversas divulgadas mostram que o hoje ministro Sergio Moro [Justiça] exacerbou no seu papel de juiz. De certa forma, suas decisões estão desmoralizadas. 

O senhor entende que direitos e garantias individuais foram atropelados? Exatamente. As conversas entre Moro e os membros do Ministério Público ferem a lisura das decisões tomadas.

De um lado, como o senhor disse, muitos crimes foram cometidos. Por outro, direitos foram atropelados. Situação muito complicada, não? Não tenho dúvidas. Houve a demonstração de práticas de crimes. Mas esses fatos revelados agora estão minando as decisões tomadas e até, eventualmente, as nulificando. Os fins não podem justificar os meios, de modo algum.

O senhor é favorável ao mecanismo da delação premiada? A delação premiada tem sido útil na obtenção da confissão e reconhecimento de atos ilegítimos praticados. Mas em que medida isso pode ser bom? Apenas se forem cumpridos todos os preceitos constitucionais da ampla defesa.

O senhor, ao longo da sua trajetória, sobretudo no momento em que presidiu o comitê das Diretas-Já, conviveu com pessoas importantes e respeitadas. O Brasil hoje se ressente da falta de líderes desse porte? Acho que sim, não tenho dúvida. Vivi a época de grandes homens, como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Franco Montoro. Hoje você vê posições tomadas por grupos no Congresso que os desmerecem. Os líderes atuais carecem de credibilidade, tanto os do governo como os da oposição também. Não temos hoje líderes como os de antigamente, que se projetaram de forma digna no exercício de suas funções.

Como o senhor define o jurista Sobral Pinto, que fez aquele famoso discurso das Diretas na Candelária? Era indiscutivelmente um homem fora de série. Como advogado, defendeu presos políticos como Luiz Carlos Prestes com os quais tinha divergências enormes de ponto de vista. Mas não admitia que estivessem nas masmorras. Era uma pessoa extraordinária.

O senhor falou sobre a falta de credibilidade dos líderes atuais, inclusive os da oposição. Qual a importância do ex-presidente Lula na história do Brasil? Lula, evidentemente, muito inteligente, conseguiu alcançar níveis espetaculares de prestigio. Está na rua, no combate feroz ao governo Bolsonaro, embora não seja elegível hoje e dependa também da apuração final dos vários crimes de que é acusado.

O senhor considera que situações como a do sítio de Atibaia mancharam sua biografia? Acho que sim. Lula vivia no sítio, que tinha como seu, embora no nome de um amigo. Vivia no sitio, recebia no sítio e, a meu ver, efetivamente teria praticado um delito ao se aproveitar de recursos para a reforma.

Raio-X

Mário Sérgio Duarte Garcia, 88
Advogado, formado pela USP em 1954, presidiu a OAB- SP de 1979 a 1981 e a OAB nacional de 1983 a 1985 e foi presidente do comitê do movimento Diretas-Já

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