Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Com lema copiado por Bolsonaro, integralismo tem raro acervo preservado no RS

Considerado o maior na América Latina, movimento com ligação fascista teve mais de 200 mil filiados

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Porto Alegre

O uniforme verde lembra uma farda militar. Para prender o cinto, uma fivela dourada. O acessório tem a inscrição “Deus, Pátria e Família”, lema da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento fascista e anticomunista fundado por Plínio Salgado em 1932, em São Paulo, que atraiu milhares de simpatizantes em todo o país.

Para manusear a peça, é necessário usar luvas de borracha porque ela compõe um raro acervo de 100 mil itens integralistas conservados em Porto Alegre, no Delfos Espaço de Documentação e Memória Cultural, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Objetos como bandeiras e braçadeiras com o Sigma, o símbolo grego que identifica o integralismo, alfinetes de lapela, bottons e até porcelanas são mantidos com umidade, temperatura e iluminação controladas, no sétimo andar da biblioteca da instituição.

O integralismo voltou à esfera pública desde que o mote “Deus, Pátria e Família” foi usado para divulgar o partido que o presidente Jair Bolsonaro tenta fundar, a Aliança pelo Brasil, após sua saída do PSL.

Comemoraram a repetição do lema os movimentos neointegralistas, como define o historiador Odilon Caldeira Neto, autor do livro “Sob o Signo do Sigma - Integralismo, Neointegralismo e o Antissemitismo”, sobre os grupos contemporâneos adeptos dessa ideologia.

“Mais uma demonstração do quanto estão vivos os ideais essencial [sic] e sadiamente cristãos e brasileiros do Integralismo”, afirmou a Frente Integralista Brasileira (FIB), em rede social.

“Ao utilizar esse lema, Deus, Pátria e Família, a Aliança pelo Brasil se coloca na extrema-direita e direita radical brasileira, partilhando de alguns valores aproximados ao integralismo. Não significa que seja integralista, mas que partilha de valores comuns”, explica Caldeira Neto, citando a visão de uma sociedade hierarquizada, conservadora, religiosa como pontos similares.

Entre as diferenças, o próprio grupo neointegralista fez questão de ressaltá-las enquanto comemorava o uso pelo partido do presidente. Para eles, enquanto a Aliança de Bolsonaro insistir na “defesa de um radical liberalismo econômico”, ela estará “não apenas distante do Integralismo neste quesito, como também da própria Arena e do general Médici”. O ex-presidente, natural de Bagé, era simpático ao integralismo.

A coleção, com fotografias de reuniões com os partidários fazendo a saudação Anauê, comprovantes de pagamento de colaborações e até discos LP com jingles de campanhas eleitorais de Plínio Salgado, foi doada por Alberto Hoffmann, em 2010.

Morto em 2014, Hoffmann foi um militante integralista gaúcho, deputado estadual, federal e senador, inicialmente pelo Partido da Representação Popular (PRP), passando depois para a Arena, legenda que na ditadura militar acomodou integralistas, e pelo PP.

Os integralistas chegaram a ficar na clandestinidade, assim como os comunistas, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Mas acabaram conquistando sua versão “legalizada” em forma de partido, o PRP, que também foi cassado mais tarde, em 1965, pela ditadura militar.

“O PRP é o que hoje a gente chama de nanico. Foi pequeno e sem muita expressão, mas muito importante. Nunca alcançou o poder, vitória ou sucesso. Mas teve crescimento. Em praticamente todas cidades do Brasil, por menor que fosse, existia núcleo integralista. O impacto era muito maior do que a gente imagina hoje”, explica o historiador Leandro Pereira Gonçalves, autor do livro “Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975)”.

No arquivo há fichas de filiados, revistas integralistas, correspondências e até dossiês, especialmente os anticomunistas. Plínio Salgado costumava inflar os números de seguidores, divulgando nas suas publicações que chegavam a um milhão. Porém, segundo Gonçalves, que coordenou o acervo integralista da PUC-RS, o número é menor.

O jornalista Plínio Salgado, que em 1932 fundou a Ação Integralista Brasileira - Acervo UH/Folhapress

Em correspondência particular de 1946, Salgado escreveu: “Não é vergonha nenhuma sermos 200 mil e, sabendo que não passamos disso, não incorreremos em erros perniciosos”. A carta foi tema de artigo de Gonçalves sobre o número de filiados.

“Mesmo sendo 200 mil pessoas, ainda assim era muita gente, especialmente para a época. O impacto era muito grande”, explica o professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

“O integralismo pode ser considerado o mais bem desenvolvido e bem-sucedido movimento fascista latino-americano”, explica Gonçalves. O integralismo cresceu principalmente na classe média a partir da década de 1930 porque, segundo Gonçalves, “esses setores estavam angustiados, tinham temor do momento político de instabilidade e viam no integralismo uma solução para o desenvolvimento do país”.

A principal iconografia integralista, composta pelo sigma grego e a saudação Anauê, sugere esse caráter fascista do movimento. “Os uniformes e desfiles são um fenômeno do período, onde os movimentos fascistas do mundo tinham essa composição, algo que acontecia na Itália fascista e na Alemanha nazista. O fascismo demonstra unidade. Anauê significa ‘você é meu irmão’, em tupi. O sigma significa ‘soma’ na matemática”, explica Gonçalves.

Para o pesquisador Caldeira Neto, o símbolo da Aliança pelo Brasil, literalmente uma aliança em verde e amarelo, está mais ligada à “liturgia do cristianismo” e “remete ao casamento”, uma das figuras de linguagem preferidas de Bolsonaro, enquanto o sigma tem uma “estética fascista, mais totalitária”.

Plínio Salgado chegou a conhecer pessoalmente Benito Mussolini, em viagem à Itália. “Contando eu a Mussolini o que tenho feito, ele achou admirável o meu processo, dada a situação diferente de nosso país. Também como eu, ele pensa que, antes da organização de um partido, é necessário um movimento de ideias”, escreveu Salgado em carta de 1936, relatando o encontro. As ideias de que falava eram, sobretudo, centradas no nacionalismo.

No seu manifesto, a Aliança de Bolsonaro defende o “direito inalienável de possuir e portar armas, para sua defesa e a dos seus”. Por sua vez, os integralistas do passado tinham efetivamente grupos armados.

“Apesar de dizerem que defendiam a paz e a pacificação, eles tinham grupos paramilitares com armas e estavam prontos para o combate se necessário, o que nunca aconteceu. Quando ocorria algum embate, sempre fugiam. Tanto que foram apelidados de ‘galinhas verdes’”, conta Gonçalves.

Consulta

O acervo pode ser visitado no local por qualquer pessoa. Para isso, o interessado deve enviar um email com pelo menos sete dias de antecedência agendando um horário e informando as peças que serão consultadas. O catálogo dos itens é enviado também por email após solicitação. 

Na mensagem de agendamento deve constar:

  • localização dos documentos que se deseja consultar (incluir o máximo possível de informações como número de chamada, número de registro do sistema, título, autor do documento etc.);
  • finalidade da pesquisa;
  • explicação a respeito da pesquisa (particular ou em nome de alguma instituição);
  • forma de utilização pretendida do material (fotografia, digitalização, cópia ou simples apreciação e manuseio dos documentos);
  • justificativa da consulta e a possibilidade de posterior publicação —ou não;
  • dia e horário para o atendimento.

E-mail: delfos@pucrs.br
Telefone: (51) 3353-8386
Endereço: Av. Ipiranga, 6681, prédio 16, 7º andar. Partenon, Porto Alegre (RS)

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