Foi excepcional o impacto do editorial que denunciou o comportamento antirrepublicano do presidente da República, como deveriam ser os motivos que levaram a sua publicação.
Ainda assim, “Fantasia de imperador”, texto que a Folha levou à manchete de seu site às 20h22 de 29 de novembro, sexta-feira, seguiu todos os procedimentos estabelecidos para a produção de editoriais —os textos não assinados que expressam diariamente as opiniões do jornal.
Esses pontos de vista são delineados em debates internos rotineiros, que cabe à editoria de Opinião fomentar. A partir de contribuições de profissionais da casa e especialistas de variadas tendências, a Direção de Redação, que se reporta à presidência da empresa, define a posição a ser defendida.
Demonstrações recentes de hostilidade do presidente Jair Bolsonaro a veículos de imprensa foram longamente discutidas durante almoço servido no 9º andar da sede do jornal, em 1º de novembro.
Eventos do tipo, aqui conhecidos como almoços de editoriais, ocorrem em geral a cada 15 dias, às sextas, e reúnem pouco mais de 20 pessoas, entre editorialistas (encarregados de redigir editoriais), editores (responsáveis por cadernos e seções do jornal) e representantes do comando da Redação e da empresa, além de convidados eventuais.
O ambiente é informal, embora exista uma pauta a ser seguida por expositores previamente designados. Oferece-se amplo espaço para a divergência, e por vezes a controvérsia se prolonga —como se deu naquele dia.
Na véspera, Bolsonaro havia anunciado que o governo federal cancelaria todas as assinaturas da Folha, fazendo ainda uma ameaça velada aos anunciantes do jornal. Pouco antes, acenara também com represálias ao Grupo Globo.
O debate de então resultou no editorial “O método”, publicado na edição nobre de domingo, que apontava ser o ataque à imprensa profissional parte da estratégia bolsonarista de propagar a desinformação, intoxicar o clima político e confundir o público.
Já se dizia, ali, que o presidente mostrava “seu instinto autoritário e seu desprezo pelos princípios mais elementares do jogo democrático”.
Quando, quatro semanas depois, Bolsonaro levou a cabo sua tentativa de intimidação, o jornal já contava com um entendimento amadurecido acerca do caso. Restava expor, com clareza, a recusa do primeiro mandatário do país em seguir a norma básica de impessoalidade da administração pública.
O sentido geral do texto, sua intensidade e o modo de publicação foram objeto de longa troca de mensagens internas durante a manhã daquela sexta. A primeira versão, apresentada no meio da tarde, passaria por revisões de forma e conteúdo.
Os editoriais se assentam em valores abraçados pela Folha e posições definidas ao longo de décadas, muitas delas reunidas em seção fixa do site (Opiniões da Folha). Como tratar o governo Bolsonaro constitui, por motivos óbvios, um tema mais recente.
O jornal é apartidário, ou seja, não se alinha a forças políticas. A atitude permanente de crítica e cobrança perante o poder não se confunde, porém, com oposição militante.
As recorrentes manifestações de autoritarismo do presidente são intoleráveis. Ao mesmo tempo, trata-se de governante legitimamente eleito, cujas políticas, por respeito aos leitores, merecem avaliação contínua e criteriosa, para discordância ou apoio.
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