Decisão do Supremo sobre 2ª instância piorou percepção sobre corrupção, diz Moro

Em entrevista à Folha, ministro afirma que relação com Bolsonaro está 'ótima' e que só há divergências em pontos específicos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Em entrevista à Folha, o ministro da Justiça, Sergio Moro, 47, responsabilizou a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a prisão para condenados em segunda instância pela percepção dos brasileiros de que o governo federal não atua como deve no combate à corrupção.

Pesquisa do Datafolha mostra que, para 50% da população, a gestão do governo é ruim ou péssima nesta área, ante 44% em agosto. 

"O que aconteceu nesse período para que essa percepção piorasse foi a revogação do precedente da segunda instância. Isso implicou a soltura de pessoas que estavam condenadas, inclusive por corrupção. Então, as pessoas às vezes têm uma percepção geral e atribuem ao governo", disse Moro, favorável à prisão em segunda instância.

Um dos beneficiados pela decisão do Supremo foi o ex-presidente Lula (PT), solto em 8 de novembro, após 580 dias de prisão. 

O ministro da Justiça recebeu a Folha nesta quarta-feira (11) em seu gabinete. Moro fez um balanço positivo de seu primeiro ano na pasta e não avaliou como derrota a desidratação do seu pacote anticrime votado pelo Congresso.

Ele reafirmou que não há qualquer irregularidade nas mensagens privadas com procuradores da Lava Jato, obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas também pela Folha. O ministro acusou o jornal de fazer "sensacionalismo".

O ex-juiz se esquivou do questionamento sobre possível candidatura a vice-presidente numa chapa à reeleição de Bolsonaro em 2022. Disse que a relação com o presidente está "ótima", mas admitiu divergências internas sobre o que chamou de "pontos específicos".

O sr. poderia destacar um ponto negativo e um ponto positivo deste primeiro ano como ministro? Estabelecemos focar no combate ao crime organizado, ao crime violento e à corrupção. Terminamos o ano com indicadores positivos. Até a última estatística, a gente teve uma diminuição de 22% de assassinatos em relação ao período do ano passado. Não é trivial. É um mérito compartilhado com os estados.

Da outra parte, embora tenhamos um avanço na pauta legislativa, com o projeto anticrime, levou mais tempo do que esperávamos. Fortalecemos a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, melhoramos o orçamento da pasta para o próximo ano, instituímos um programa relevante nas fronteiras. No combate ao crime organizado, intensificamos as transferências das lideranças para os presídios federais. 

Segundo o Datafolha, o sr. se consolidou como o ministro mais popular, com popularidade maior que a do presidente Bolsonaro. O sr. é uma ameaça eleitoral ao presidente? Não, de forma nenhuma. Já declarei que sou ministro do governo do presidente Bolsonaro. Existem méritos de coisas que estão sendo realizadas que também são méritos do governo. Ninguém trabalha buscando popularidade. É um reflexo da avaliação de que os resultados estão sendo satisfatórios. 

O sr. já disse que não pensa em eleição. Não mexe com sua vaidade ser uma peça até favorita para 2022? Não tenho esse tipo de ambição. Eu brinco que já tenho problemas suficientes para lidar. Como ministro do presidente seria absolutamente inconsistente eu não apoiar a reeleição dele em 2022.

O sr. nunca vai se filiar a um partido político? Não tenho nenhuma pretensão de seguir a política partidária. A perspectiva de ingressar no governo foi para consolidar o que vinha fazendo como juiz, principalmente no campo de enfrentamento à corrupção. 

O sr. descarta ser vice de Bolsonaro em 2022? O que temos é um vice-presidente que respeito muito, Hamilton Mourão. Um general consagrado que colocou em risco a carreira em um determinado momento para defender o que ele pensava. Acho que essa discussão não é apropriada no momento.

O sr. se considera 100% Bolsonaro hoje? O que significa isso?

Se o sr. está 100% com esse governo. Sou um ministro do governo do presidente. Evidentemente é possível dentro de um governo, entre ministros ou entre o ministro e o presidente, existirem divergências razoáveis sobre pontos específicos. 

Quais divergências? Isso são questões internas, que devem ser discutidas dentro do governo e não perante os jornais. 

Naquele episódio em agosto, sobre troca na PF, falava-se em um desgaste na relação com o presidente. O sr. pensou em sair do governo? Acho que houve um superdimensionamento de situações. Em Brasília existe muita fofoca e intriga. A relação tem sido constante e ótima. Houve um episódio, isso foi até reportado pelos jornais, de uma aparente tentativa fraudulenta de opor o presidente à PF, com base numa inserção fraudulenta de um deputado ligado ao presidente numa investigação do Rio. Tive conhecimento deste caso, fomos verificar.

Sobre as divergências, a gente percebe que o sr. evita alguns temas, como AI-5, por exemplo… O AI-5 não é tema do governo. Isso para mim é um delírio, uma fantasia. Não existe nenhuma perspectiva de medida autoritária.

Mas como o sr. vê colegas de governo defendendo? Ninguém defendeu isso.

O filho do presidente falou sobre isso e o Paulo Guedes O ministro Paulo Guedes faz uma declaração contra radicalismo e acabou sendo criticado exageradamente. A declaração dele é contra radicalismo. Qual risco à democracia existe? Não existe nenhum risco. A democracia brasileira está consolidada. 
 
O sr. garante a permanência do diretor-geral da PF, Mauricio Valeixo? Não cabe esse tipo de posição. Dentro dos vários quadros do ministério, a gente tem pessoas competentes fazendo seu trabalho. Quando as pessoas competentes fazem seu trabalho, não existe motivo para trocar. O presidente tem o poder de nomeação de alguns cargos. Então, isso cabe a ele. E no meu papel cabe indicar pessoas que entendemos mais apropriadas para esses cargos.

O pacote anticrime está passando no Congresso sem alguns pontos principais que o sr. defendia. Foi uma derrota para o sr.? O projeto tem medidas muito importantes. A execução imediata dos vereditos do tribunal do júri, que tem potencial para trazer mais brevemente justiça para casos de crime de sangue. Acredito piamente que reduzir a impunidade da criminalidade tem efeito na redução de crimes. E a gente está falando aqui de assassinatos.

Nós temos também previsão de atuação de policiais disfarçados. Um terceiro ponto é a norma que proíbe a concessão de benefícios prisionais para quem foi condenado por ser membro de organização criminosa e continua com vínculo com a organização. Apesar disso, algumas medidas que achávamos importantes não foram aprovadas. Buscamos convencer a Câmara, mas não foram, e aí, paciência, faz parte do jogo democrático. Só posso ver isso não numa perspectiva de vitória, mas de melhora.

O texto deixou de fora excludente de ilicitude. O sr. tem dito que se tivesse sido aprovado não teria implicação em casos como da morte da menina Ágatha, no Rio, e em Paraisópolis, em São Paulo, este até criticado pelo sr.. Mas a partir do momento que o dispositivo está na lei, poderia sim haver interpretação dessa forma pelo juiz nos dois casos, não? Não haveria nenhuma possibilidade. A proposta de excludente dizia respeito em uma situação em que alguém sofre uma agressão, reage em legítima defesa e age com excesso por conta de uma perturbação psíquica, é uma situação bem específica. No caso do Rio, pelo que li no jornal, aparentemente foi uma bala disparada a esmo, por equívoco, não existe uma situação passível de ser caracterizada de legítima defesa.

Cabe interpretação, não? Não, não cabe. É quando se reage a uma agressão e tem um excesso, e aí poderia invocar a norma que estávamos propondo. No caso da menina, não teve interpretação nenhuma, foi questão de fato.

Um dos pontos considerados ruins na pesquisa Datafolha é o combate à corrupção (segundo a pesquisa, 50% consideram péssima ou ruim a administração do governo nessa área). Como parte disso é ligado ao Ministério da Justiça, onde o sr. acha que está errando ou falhando? Respeitosamente o que acontece é uma percepção geral, e o que aconteceu nesse período para que essa percepção piorasse foi a revogação do precedente da segunda instância. Isso implicou a soltura de pessoas que estavam condenadas, inclusive por corrupção. Então, as pessoas às vezes têm uma percepção geral e atribuem ao governo. O governo está trabalhando, respeita essa decisão do Supremo, mas está trabalhando com afinco para o restabelecimento da prisão em segunda instância. 

Mas a mesma pesquisa mostra que a maior parte da população acha que é justa a soltura do ex-presidente [Lula] após a decisão do STF. Não é contraditório essa relação que o sr. faz? Veja, aí é a velha insistência do caso do ex-presidente. O ex-presidente foi condenado em várias instâncias, ficou provado que se corrompeu. O álibi da defesa é que foi tudo uma armação do juiz de primeira instância, mas a segunda instância condenou, a terceira condenou, em mais de um processo. Então, é uma questão de prova, ele foi condenado e por corrupção. É essa a situação do processo específico. O que levou as pessoas a fazer essa avaliação talvez seja o fato de entender que o período que ele cumpriu de pena já teria sido suficiente. Não ficou claro em que termos foi feita a indagação [da pesquisa].

Ainda sobre a questão de combate à corrupção, seu colega da Esplanada, ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, foi indiciado e denunciado por envolvimento no esquema de candidaturas de laranjas. Ele continua no cargo. Não é uma contradição à bandeira de combate à corrupção deste governo? Isso mostra que as instituições funcionam e que não existe nenhuma perspectiva de interferência política no trabalho das instituições de controle. A polícia fez seu trabalho, o Ministério Público fez seu trabalho, cabe à Justiça decidir o destino do ministro.

Sobre o assassinato de Marielle Franco no Rio. Por que o sr. defende a federalização da investigação? Não defendo mais. Defendi a federalização, houve a investigação [da Polícia Federal] há um bom tempo e o que foi constatado é que houve uma inserção de testemunha fraudulenta no processo. Isso permitiu que as investigações retomassem ao rumo correto.

Minha avaliação, e a avaliação da então procuradora-geral Raquel Dodge, era que seria melhor a federalização. Fiz declarações públicas nesse sentido e, no entanto, ouvi de familiares da vítima e de membros da oposição de que isso seria uma tentativa de obstruir as investigações. Nesse cenário, acho que é mais apropriado que fique então na Polícia Civil e no Ministério Público Estadual. Mas, com a ressalva, então, que não se venha depois cobrar o governo federal pela não resolução do caso.

Vamos falar das mensagens da Lava JatoA Folha não cansou dessa história?

É a oportunidade de o sr. falar na Folha sobre isso. Tem aquela história do soldado que estava marchando e o outro soldado que está marchando no passo errado. Talvez seja a Folha.

As mensagens mostram que o sr. teria sugerido um nota oficial à força-tarefa, orientado troca de fases, criticado o desempenho de procurador, que depois foi trocado, indicado testemunha. Não houve um atropelo do sr. das funções de juiz da Lava Jato? Vamos analisar os fatos específicos. A Lava Jato foi uma gigantesca investigação sobre casos de corrupção e lavagem de dinheiro. Envolveu pessoas muito poderosas, acusadas, condenadas, presas, cumprindo pena. Maiores empreiteiros do país, políticos poderosos, agentes da Petrobras que se envolveram em corrupção sistemática. A Polícia Federal fez trabalho de investigação, Ministério Público fazia seu trabalho e eu fazia o meu como juiz de primeira instância. Outros juízes fizeram também o seu trabalho.

A grande maioria das decisões foi mantida. Se fomos ver estatística, mais ou menos 20% dos acusados foram absolvidos. Indeferi número elevado de pedidos de prisão preventiva. Deferi provas e indeferi provas. Não existe em uma análise objetiva a possibilidade de qualquer alegação de falta de imparcialidade prosperar. O que existe nesse caso são supostas mensagens obtidas por meios criminosos, autenticidade que não foi comprovada e uma divulgação, e aqui com todo o respeito à Folha de S.Paulo, com absoluto sensacionalismo. A ponto de eu fazer uma palestra, doar o dinheiro que recebi para caridade e a Folha me acusar de conduta imprópria nessa ocasião. Há uma distorção do conteúdo dessas supostas mensagens.

No caso das palestras, o sr. não teria comunicado que fez. A história foi essa. Qual é o problema? De não ter consignado em um cadastro, que foi criado depois que eu fiz a palestra? Vários juízes, o pessoal também não cadastrou. É uma obrigação burocrática. A palestra que fiz foi pública, não foi escondida. Foi paga a entrada e a remuneração doada a entidade de assistência com pessoas com deficiência. Mesmo assim, a Folha, com absoluto sensacionalismo, fala isso, porque não foi informado em um cadastro. O que é isso?

O sr. não cometeu nenhum erro na Lava Jato? É fácil olhar retrospectivamente. Não foi um trabalho fácil, as pressões foram muito grandes. É fácil olhar para trás e apontar: por que não fez isso, por que não fez aquilo? Foi feito o que foi possível institucionalmente naqueles momentos e o resultado foi muito salutar. Nós mudamos um padrão que tínhamos de impunidade da grande corrupção. Nós temos muito a avançar, certamente. Precisamos muito recuperar a execução da condenação em segunda instância, mas avançamos bastante.

A Folha publicou duas reportagens recentemente sobre a divulgação de áudio entre Lula e Dilma em 2016. Uma que fala que o sr. não seguiu o padrão estabelecido na Lava Jato e outra mostra que diálogos de Lula naquele mesmo dia revelam que ele resistia ao convite para assumir a Casa Civil. Os dois episódios não contradizem a decisão do sr. da época? De forma nenhuma. Externei na minha decisão que havia sido captada uma possível tentativa de obstrução de Justiça, que havia sido finalizada a interceptação, que estávamos dando publicidade àqueles fatos para inclusive coibir a tentativa de obstrução, para que o público soubesse. Não precisamos esconder segredos sombrios de homens públicos. A transparência é fundamental.

A partir do momento que discute isso por mensagens, não passa a sensação que estavam tentando esconder? Isso partindo do pressuposto de que são lícitas e todas autênticas.

Mas o sr. nunca negou o conteúdo delas. Acho que não cabe nem negar, nem afirmar, porque eu não tenho mais essas mensagens, que eu troquei no passado e trocava com muitas pessoas, mas nenhuma delas revela espécie de fraude processual, alguém incriminado indevidamente.

O sr. disse que havia acabado o tempo de ministros da Justiça que são advogados de integrantes do governo. O sr. saiu, no entanto, em defesa do presidente no caso de uma planilha que sugeria que a campanha dele tenha sido abastecida com dinheiro de caixa dois. Defendo em absoluto o trabalho da Polícia Federal. 

Nesse caso, o sr. defendeu o presidente. Nesse caso, o que eu critiquei foi a manchete da Folha e não a investigação da polícia. A manchete distorcia a investigação da PF. A investigação da PF não falava em caixa dois da campanha do presidente.

Nem a manchete da Folha. A manchete jamais disse que a PF investigava. A Folha descobriu uma planilha e um depoimento da investigação que indicam isso. Não lembro o teor da manchete, a minha crítica foi à distorção do conteúdo da investigação pela Folha de S.Paulo, com todo respeito naquela ocasião.
 
O sr. defendeu a campanha do presidente. O sr. coloca a mão no fogo pela campanha dele? Acho que esse tipo de pergunta é totalmente inapropriado. Não participei da campanha.

Mas o sr. a defendeu e disse que foi a mais barata. Mas foi a mais barata.

Mas caixa dois está nas campanhas baratas por não ter o gasto declarado. Mas vocês estão partindo do pressuposto de que houve caixa dois na campanha, é isso que a Folha está afirmando?

Não. A reportagem mostrava que elementos da investigação apontavam a suspeita de caixa dois na campanha. Foi isso que a Folha falou. Se o delegado não quis investigar, é problema da polícia. Então vamos fazer o seguinte, encontrem uma declaração de algum órgão policial dizendo que eu interferi em alguma investigação e aí vocês podem fazer pergunta pra mim ou vir me acusar de alguma coisa. A forma como vocês estão colocando é ofensiva esse tipo de pergunta. A conclusão da Folha sobre a investigação foi equivocada. Eu jamais interferi e jamais interferiria em qualquer investigação.

Sergio Moro, 47

Ex-juiz federal, foi responsável pelos julgamentos da Operação Lava Jato em Curitiba até deixar a magistratura para assumir o Ministério de Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro. Formado em direito na UEM (Universidade Estadual de Maringá) e foi professor de direito processual penal na UFPR (Universidade Federal do Paraná), onde fez mestrado e doutorado. Além da Lava Jato, atuou no caso Banestado e foi juiz-instrutor no STF (Supremo Tribunal Federal)

ALTOS E BAIXOS DE MORO EM 2019

ATRITOS

  • A divulgação de mensagens trocadas entre o então juiz da Lava Jato e procuradores da operação colocou em dúvida a imparcialidade de Moro como magistrado
  • Por 6 votos a 5, STF voltou a barrar a prisão de condenados logo após a segunda instância, instrumento defendido por Moro. Decisão permitiu a soltura do ex-presidente Lula
  • Pacote anticrime de Moro foi desidratado e aprovado sem algumas de suas principais bandeiras, como o excludente de ilicitude e a prisão logo após segunda instância

FÔLEGO

  • Popularidade de Moro segue estável
  • Após decisão do STF, ministro tem liderado esforço no Congresso para nova legislação que permita a prisão de condenados em segunda instância
  • Manifestações de rua têm sido convocadas desde a metade do ano em todo o país para demonstrar apoio ao ex-juiz e à Lava Jato
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.