Em grampo, desembargador relata interferência para salvar mandato de deputado

Parlamentar era acusado de usar a máquina pública para fazer propaganda eleitoral irregular em Minas Gerais

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Brasília

Em telefonema interceptado pela Polícia Federal, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho diz que interferiu no TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral) de Minas Gerais para evitar a cassação do mandato de um deputado federal acusado de usar a máquina pública para fazer propaganda eleitoral irregular. Carvalho é vice-presidente do tribunal.

O desembargador do TJ-MG Alexandre Victor de Carvalho
O desembargador do TJ-MG Alexandre Victor de Carvalho - Cláudia Ramos/CCS/TRE-MG

Na ligação, de 16 de setembro de 2015, ele conta a um advogado que recebeu um telefonema do então vice-presidente da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), Mateus de Moura Lima Gomes, pedindo ajuda em processo para o atual líder na Câmara e presidente nacional do Avante, Luís Tibé (MG).

Em novembro do ano passado, Mateus foi preso na Operação Capitu, sob suspeita de lavar recursos de propinas da JBS para políticos do MDB. Durante a ação, segundo a PF, ele tentou esconder R$ 3.000 em notas num vaso sanitário. Ele nega ilegalidades.

"Ontem consegui um negócio, para você eu posso contar. O Tibé ia ser cassado. Ia ser cassado, e Mateus me ligou da Cemig", contou o desembargador, no telefonema grampeado.

Ele relatou que, na sequência, intercedeu perante o então presidente do TRE, desembargador Paulo Cézar Dias, que deu voto favorável e decisivo ao congressista no julgamento do caso. "Fui no Paulo com esse trem todo, e o Tibé não foi cassado", afirmou, acrescentando: "O Paulo deu o voto de minerva. O Paulo falou assim: 'Dei o voto por você e para você'", prosseguiu.

Na ocasião, Tibé e uma candidata ao cargo de deputado estadual eram acusados pelo Ministério Público de se aliar a uma supervisora de escola pública, a qual teria ordenado a professores que inserissem gibis com propaganda eleitoral nas agendas de crianças da instituição, em Frutal (MG).

As agendas são a forma de comunicação entre os professores e os pais. Por isso, a estratégia, usada em 2014, às vésperas do pleito, foi interpretada pela Promotoria como uma tentativa indevida de influenciar eleitores.

Uma medida de busca e apreensão foi autorizada. O material —impresso às expensas do PT do B, então partido comandado pelo deputado— foi encontrado num depósito da escola, dentro de mochilas e dos cadernos com anotações dos professores para os responsáveis pelos alunos.

Segundo o Ministério Público, computadores do colégio também foram usados na campanha.

O TRE iniciou o julgamento em 8 de setembro de 2015. Naquele dia, o placar ficou empatado em três votos pela cassação e três contra. Foi quando o presidente do TRE pediu vista do caso.

A sessão que concluiu a apreciação do processo se deu na semana seguinte, véspera do telefonema gravado pela PF. O então presidente da corte desempatou a votação, julgando improcedente o pedido de perda dos mandatos.

"Não obstante ter sido demonstrada nos autos a existência de revistas nas mochilas das crianças, as circunstâncias em que ocorreram os fatos não foram devidamente esclarecidas, não se podendo afirmar que as revistas foram distribuídas por servidores da instituição, a mando ou com a anuência da supervisora da escola, com o objetivo de beneficiar os candidatos representados", escreveu, entre outros argumentos.

O Ministério Público recorreu, mas a decisão foi confirmada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Carvalho foi um dos desembargadores grampeados na Operação Abside, que apura desde 2015 possíveis crimes e desvios de conduta de magistrados mineiros. O caso corre em segredo de Justiça no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

No caso do vice-presidente do TRE, as escutas apontaram condutas diversas, como o suposto uso de influência para empregar parentes como fantasmas em cargos públicos.

Em parecer sobre a situação dele, a PGR (Procuradoria-Geral da República) entendeu que "há violações de deveres inerentes à magistratura". Mas ponderou que não há "repercussão criminal que justifique o acionamento de medidas mais contundentes [como ações de busca e apreensão], sendo suficientes, no futuro, a colheita de depoimentos".

Como mostrou a Folha no domingo (15), uma das escutas sugere que o hoje ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes atuou informalmente como advogado de Carvalho em novembro de 2015, mesmo período em que era secretário da Segurança Pública de São Paulo.

Na conversa, Moraes fala com o magistrado sobre sua defesa e detalha o lobby a ser feito com os então ministros do Supremo fora de seus gabinetes.

Por lei, o exercício da advocacia é incompatível com a chefia de órgãos públicos, cabendo, em caso de descumprimento da regra, a abertura de procedimento disciplinar na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e de processo criminal por exercício irregular da profissão.

Nunca houve interferência, diz desembargador

Em nota, Alexandre Victor de Carvalho, vice-presidente do TRE, sustentou que, de sua parte, "nunca houve qualquer tipo de atuação ou interferência" em favor "do deputado Luís Tibé".

Ele argumentou que à época do julgamento nem "sequer exercia qualquer função no TRE de Minas".

O desembargador afirmou que o inquérito da Operação Abside "tem como objeto fatos absolutamente estranhos e alheios" à sua pessoa.

"Os diálogos novamente vazados de forma criminosa foram fortuitamente captados há quase cinco anos e já foram avaliados pelo Conselho Nacional de Justiça, que deu pela inexistência de ilícito disciplinar, e pela Procuradoria-Geral da República, que também não identificou a prática de qualquer crime."

Também por escrito, o desembargador Cézar Dias afirmou que, como os "fatos narrados" são de 2015, não pode afirmar se Carvalho lhe fez algum pedido atinente ao processo de Tibé, parlamentar que, segundo ele, não conhece.

"Jamais proferi voto por influência ou acatando pedido de quem quer que seja, mesmo que de um colega do Tribunal de Justiça. Se o meu voto de desempate foi favorável ao parlamentar, posso afirmar que procedi de acordo com minha consciência e não para acatar qualquer pedido."

Dias acrescentou ter 36 anos de magistratura e que não iria, "por um simples pedido, manchar" seu nome.

Tibé, em nota, disse não ter solicitado a nenhuma pessoa "ajuda no processo do qual foi absolvido no TRE-MG em 2015, absolvição esta que foi confirmada posteriormente pelo TSE".

Procurado, por meio de seu escritório, Mateus Moura não retornou ao contato da Folha.

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