Descrição de chapéu Legislativo Paulista

Em meio a brigas, deputados rivais de SP se unem por projetos e defesas mútuas

Clima de tapas e beijos na Assembleia Legislativa relativiza guerra que incluiu até mordida

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São Paulo

Nas primeiras semanas após a posse na Assembleia Legislativa de São Paulo, Heni Ozi Cukier (Novo), em seu primeiro mandato, recebeu uma demonstração de gentileza por parte de um colega rival na arena política.

Luiz Fernando Teixeira (PT) tirou seu broche de deputado e entregou a Heni, que havia perdido o dele. “Nem o conhecia e ele me deu o 'pin' reserva dele. Pensei: que cara simpático”, relembra o líder do Novo.

Menos de nove meses depois da cortesia, porém, o mesmo Luiz Fernando lhe deu uma mordida no ombro durante uma briga generalizada no plenário.

"Isso não é política", desabafou Heni. "Não entrei na política para brigar. Para isso, eu vou fazer o meu esporte na academia, não aqui. Eu acredito no diálogo."

Celebrizada até o momento como a mais conflituosa dos anos recentes, a atual legislatura da Casa também testemunha ocasiões de união, fraternidade e cooperação entre deputados de campos opostos.

A deputada Janaina Paschoal (PSL), artífice do impeachment de Dilma Rousseff (PT), se uniu a Beth Sahão (PT) e Leci Brandão (PC do B), para apresentar um projeto para universalizar o acesso das mulheres a absorventes higiênicos.

Edna Macedo (Republicanos) e Delegada Graciela (PL) também endossaram a proposta.

Carlos Giannazi (PSOL) e Daniel José (Novo), que batem de frente quando o assunto são políticas públicas de educação, protocolaram juntos um projeto para acabar com a exigência da gravata em plenário.

“Na Comissão de Educação, cada um defende com muita força suas ideias. Muita gente acha que a gente está brigando. Mas, apesar das ideias diferentes, nós dois somos bastante informais”, conta o deputado do Novo.

Douglas Garcia (PSL), expoente do bolsonarismo na Assembleia, é coautor ao lado da deputada Mônica da Bancada Ativista (PSOL), opositora ferrenha do governo federal, de um projeto de prestação de auxílio psicológico a PMs.

Na Comissão de Direitos Humanos, o PSL de Douglas e o PT da deputada Márcia Lia se uniram em uma moção de repúdio contra o então secretário-adjunto de Santos (SP) Adilson Durante Filho por causa de uma declaração racista.

Adriana Borgo (Pros), que milita na área de segurança pública, e Isa Penna (PSOL), vista com ressalvas pela bancada da bala, também já entraram em entendimento.

Isa disse, em discurso, que nem ela nem Adriana deveriam permitir que fossem jogadas "em uma falsa polêmica, uma falsa dicotomia".

"[Isso é] muito conveniente àqueles que hoje estão no poder: colocar de um lado aqueles que defendem os direitos humanos e, de outro, aqueles que defendem os policiais”, explicou.

Houve ainda recuos retóricos após polêmicas no plenário. “A minha intenção não é ofender nenhum de vocês”, disse Arthur do Val (sem partido) após falar que iria expor na internet "os vagabundos" que votarem a favor de projeto que beneficia fiscais de renda.

Apesar das desculpas, dadas após pedido do presidente Cauê Macris (PSDB) diante de protesto dos deputados, Arthur recebeu uma advertência verbal do Conselho de Ética por esse episódio.

A Professora Bebel (PT), que é presidente da Apeoesp (sindicato de professores), pediu perdão à deputada Valéria Bolsonaro (PSL) por ela ter sido xingada por uma pessoa do sindicato na Comissão de Educação.

E houve solidariedade de Erica Malunguinho (PSOL) a Carla Morando (PSDB) após o petista Luiz Fernando dizer que a tucana só ascendera na carreira política graças a seu marido, o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB).

Alvo da indignação de deputadas das mais variadas legendas, Luiz Fernando se desculpou pelo comentário.

Não foi a única vez que deputadas mulheres de diferentes partidos se uniram contra falas sexistas e obrigaram os deputados a retirarem suas palavras.

Também aconteceu quando Adalberto Freitas (PSL) insinuou que Márcia Lia (PT) seria apaixonada por Jair Bolsonaro e quando Ênio Tatto (PT) disse, usando uma expressão tida como inadequada, que Janaina Paschoal caíra no colo do governador João Doria (PSDB).

O embate político na Casa, registrado em duras confrontações entre deputados do PT e do PSL, ou entre PSDB e PSOL, ou entre novatos e veteranos, muitas vezes superou a oratória e descambou para a ofensa pessoal. 

Não raro foi necessário que Cauê suspendesse sessões “por conveniência da ordem”, até que os ânimos se acalmassem.

O número de denúncias ao Conselho de Ética por quebra de decoro, aliás, bateu recorde em 2019: foram 22 casos, ante nenhum em 2018, um em 2017 e dois em 2016.

No ringue em que se transformou a Assembleia, até deputados do mesmo partido brigaram com cara feia e dedo em riste, caso de Janaina e do líder do PSL, Gil Diniz.

A propensão a tretas foi detectada desde o início da legislatura, com uma parcela significativa (50 de 94) de deputados de primeiro mandato. Na visão de veteranos, uma ala dos estreantes prefere ser popular entre seus seguidores na internet a construir consensos no ambiente político.

Em seu oitavo mandato, Campos Machado (PTB) é um dos que se levantam contra o clima bélico. Em maio, ele disse antever que a atual legislatura seria a pior da história da Casa.

"Quase que teve aqui a guerra das estrelas. Aqui não é casa de ódio. Aqui nós temos que plantar semente de amor", apregoou na ocasião.

Outra veterana, Leci Brandão (PC do B), surgiu como figura apaziguadora, cobrando harmonia e civilidade no plenário.

“O simples pedido de desculpas faz com que as pessoas fiquem menos tensas. É difícil, mas tem que pedir perdão e dizer que errou", detalha ela.

"As pessoas acham que a campanha eleitoral continua, mas ela já acabou”, acrescenta.

Cauê, que frequenta a Assembleia desde a infância por conta do pai parlamentar (Vanderlei Macris, hoje deputado federal), diz que as brigas são um reflexo do que acontece na sociedade.

O tucano, que a cada polêmica gastou horas tentando pacificar deputados inflamados, afirma ver uma luz no fim do túnel, apesar de tudo.

"Os deputados estão amadurecendo e compreendendo que o Parlamento é o jogo do entendimento, é construção conjunta de maioria para aprovar os projetos", diz.

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