Expedição encontra novos vestígios dos minuanos, os indígenas do pampa

Exímios cavaleiros e criadores de gado, índios construíam cerritos que agora ajudam valorização do grupo desaparecido

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Porto Alegre

Uma caminhonete percorre estradas rurais entre extensas pastagens de gado e plantações de soja, na região de São Gabriel, a 300 km de Porto Alegre. Depois de horas de viagem, o veículo estaciona. De dentro, os pesquisadores avistam algo que, aos olhos de um leigo, pode ser apenas uma elevação no terreno.

Porém o discernimento de um arqueólogo e de dois historiadores indica que se trata de um “cerrito” dos indígenas minuanos, grupo de índios desaparecido e ainda pouco conhecido se comparados aos populares charruas e guaranis, que também habitaram o pampa.

Cerritos são montes formados pela ação dos minuanos, com vestígios das “toldarias”, suas habitações, que muitas vezes ficavam para trás quando mudavam suas aldeias, e podem guardar restos mortais. Os cerritos são um dos principais traços da cultura minuana.

O termo minuano possivelmente é mais conhecido por nomear um vento gélido típico do inverno do Sul do país, de origem polar e de orientação sudoeste. Mas o vento tem esse nome justamente por causa dos indígenas do sudoeste gaúcho, tidos como silenciosos e contemplativos.

A constatação de que o monte de terra avistado pelos pesquisadores era, na verdade, um cerrito ganhou força quando encontraram vestígios de pedras e cerâmicas no relevo durante uma expedição binacional com profissionais do Brasil e do Uruguai, realizada em abril.

“Quando encontraram o cerrito foi uma emoção porque estavam apreensivos. Tinham dados cartográficos do século 18, sabiam que aquela região era passagem de minuanos. Buscavam as toldarias do cacique minuano chamado Miguel Caraí”, relata João Vicente Ribas, professor de jornalismo da Universidade de Passo Fundo (UPF), que acompanhou e registrou a expedição.

A excursão científica contou com Luiz Carlos Tau Golin, professor do programa de pós-graduação em história da UPF, e dois pesquisadores uruguaios, o arqueólogo José López Mazz e o historiador Diego Bracco, da Universidad de La Republica. Juntos, encontraram quatro cerritos.

“Nossa preocupação é cartografar a territorialidade dos indígenas minuanos, onde viviam e como viviam. Os minuanos são indígenas do pampa e têm uma longa história. Calcula-se que seus ancestrais datam de 12 mil anos atrás. Eles sabiam tirar tudo do pampa: comida, animais e abrigo. Aproveitavam encostas de rios, lagos e banhados”, diz o historiador Luiz Carlos Tau Golin.

Estrada de terra na região de São Gabriel, a 300 km de Porto Alegre. Os minuanos habitavam a área que coincide com o bioma pampa, na metade sul do Rio Grande do Sul e leste do Uruguai - João Vicente Ribas/Divulgação

Antes de existirem fronteiras e Estados-nação, os minuanos habitavam a área que coincide com o bioma pampa, na metade sul do Rio Grande do Sul e leste do Uruguai.

Com a chegada dos espanhóis e portugueses, que trouxeram cavalos e gado para a América do Sul, tornaram-se exímios cavaleiros e pecuaristas, com grandes rebanhos. Eles erguiam as chamadas “toldarias”, onde viviam de maneira seminômade.

“Se fala pouco nos minuanos, por um lado, porque os mitos fundacionais do Uruguai são centrados nos charruas. Por outro lado, porque não se percebeu que tinham grande preponderância territorial porque os jesuítas [padres responsáveis pelas missões] os chamavam de ‘guenoas’. Recentemente se começou a ver como coincide essa preponderância com o espaço dos cerritos”, disse à Folha o historiador Diego Bracco.

Segundo Bracco, as principais documentações sobre os minuanos têm referências às guerras. Não existe, por exemplo, registros completos da língua falada pelo grupo.

“Os linguistas acreditam que os minuanos compartilhavam da mesma família linguística das outras nações indígenas da região, mas uma língua bastante diferente a ponto de fazer falta intérpretes para comunicação entre os grupos que interagiam”, diz.

Os minuanos tinham elaborado rituais sociais, afirma Tau Golin. Um deles era o fúnebre, que, de acordo com o professor, envolvia cortar as falanges dos dedos das mãos a cada parente que morria, embora nem todos adotassem a prática.

Pesquisadores Diego Bracco, José López Mazz e Luiz Carlos Tau Golin querem cartografar a territorialidade dos indígenas minuanos, onde viviam e como viviam - João Vicente Ribas/Divulgação - 20.dez.2019

Quanto às habitações das toldarias, explica Tau Golin, inicialmente eram feitas com junco e taquara, na forma de esteiras. “Carregavam e remontavam”, diz, sobre os deslocamentos “muito parecidos com os dos mongóis [etnia da Ásia Central]”. Depois, com a proliferação do gado, passaram a usar couro para revestir as estruturas.

É dos minuanos que vem parte importante da cultura gauchesca e crioula, afirma o arqueólogo López Mázz. Juntamente com Bracco, López Mazz escreveu o livro "Minuanos: Apuntes y Notas para la Historia y la arqueologia”.

E por que os minuanos desapareceram? “Os indígenas ficaram à sombra da cultura oficial, e os imigrantes tomaram suas terras”, explica López Mazz.

Os pesquisadores concordam que muitos dos homens morreram em combates, seja contra outros grupos indígenas ou atacados por portugueses e espanhóis. Mulheres e crianças acabavam incorporados às comunidades. “É do ventre da índia a origem da população da campanha do Rio Grande do Sul, que é mestiça”, conclui Tau Golin.

Quem foram os índios minuanos

  • Grupo indígena que viva na região do pampa do Rio Grande do Sul e parte do Uruguai
  • Seus antepassados datam de aproximadamente dez mil anos atrás
  • Entre os séculos 17 e 19 dominaram cavalos e gados, chegando a negociá-los
  • Viviam de modo seminômade, construindo toldarias e cerritos
  • Desapareceram após guerras e miscigenação
  • Estão na origem étnica e cultural do povo sulino
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