Gestão Crivella barra repórteres do jornal O Globo em entrevista no Rio

Prefeito do Rio já havia anunciado um boicote da administração ao jornal

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Rio de Janeiro

A Prefeitura do Rio de Janeiro impediu a entrada de dois profissionais do jornal O Globo em entrevista coletiva na manhã desta terça-feira (3) sobre a festa de Réveillon em Copacabana. 

Na entrada do evento, um repórter e uma repórter-fotográfica foram abordados por dois assessores de imprensa da prefeitura. Esses disseram que O Globo não poderia participar da entrevista porque não havia sido convidado.

Em reportagem sobre o ocorrido, o jornal disse que seu compromisso é com os leitores e que não deixará de publicar informações sobre as festas de Réveillon. 

Já a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), em nota, falou em "afronta ao princípio de publicidade da administração pública e à liberdade de expressão". "De forma patética, o prefeito do Rio decidiu representar o papel de simulacro do simulacro", disse o presidente Paulo Jerônimo de Sousa. 

O caso desta terça-feira aconteceu um dia após o prefeito Marcelo Crivella (PRB) ofender repórteres do jornal e ameaçar processá-los por "infâmia, calúnia e difamação". 

A declaração foi dada nas redes sociais, na segunda-feira (2), após o jornal publicar reportagem em que revelou que o Ministério Público do Rio de Janeiro apura um esquema de corrupção na prefeitura, com base na colaboração premiada de um doleiro.

"Pela primeira vez, vou processar, sim, os jornalistas que me acusam, indevidamente, pois os limites já se excederam há tempos", escreveu Crivella.

Em um vídeo no qual aparece cercado por cinco assessores, o prefeito disse que os jornalistas fizeram "papel de canalha" ao construir uma história sem pé nem cabeça. "Quando o sujeito não tem caráter, passam-se os anos e ele continua o mesmo patife", afirmou, em referência a um dos repórteres.

"Mais uma vez a Rede Globo tenta manchar a minha honra e a integridade da minha gestão, fabricando notícias facciosas, na clara intenção de que nos curvemos aos seus caprichos", escreveu. 

No domingo, Crivella afirmou que não irá mais responder a solicitações de informação feitas pelo jornal, a pedido de seus assessores.

"O sistema de comunicação da prefeitura me fez um pedido que eu compreendi. Eles estão indignados com O Globo, que não é jornal, não faz mais jornalismo. É um panfleto político, fazendo militância, tentando de todas as formas, através de ameaças e chantagens, que a prefeitura ceda às suas ambições de publicidade", disse Crivella em publicação nas redes sociais.

“Lamentavelmente, o prefeito age de forma pouco transparente ao vetar que a prefeitura forneça respostas a O Globo. A prefeitura é estrutura pública e, nesta condição, teria o dever de prestar contas para a sociedade. Com a recusa, perde oportunidade de fornecer seu contraponto e oferecer explicações", afirmou o presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Marcelo Rech. 

Em nota, o jornal O Globo disse lamentar a decisão do prefeito.

"O Globo lamenta a decisão do prefeito Marcelo Crivella de, a partir de agora, ignorar os pedidos de informação feitos pelo jornal. Medida, diga-se, tomada na véspera de o jornal publicar reportagem revelando que o prefeito é alvo de investigação do Ministério Público do Rio. Ao não atender a essas demandas, o prefeito deixa de prestar esclarecimentos não ao jornal, mas à população do Rio de Janeiro, que o elegeu", afirmou. 

"O objetivo do Globo ao solicitar esclarecimentos a governos e governantes, quaisquer que sejam, é avaliar informações apuradas sobre a gestão pública e dar espaço ao contraditório, como determinam os princípios editoriais do Grupo Globo. Ao contrário do que sugere o prefeito, o Globo pratica jornalismo e não mistura a produção de conteúdo editorial com atividades publicitárias." 

A nota do jornal prossegue: "A despeito de decisão de Crivella, o jornal seguirá solicitando informações e dando espaço à prefeitura antes de publicar reportagens sobre a gestão municipal e suas autoridades —por respeito a nossos leitores, nossos princípios editoriais e ao bom jornalismo".

A ação de Crivella ocorre em meio a uma série de ataques e ameaças do presidente Jair Bolsonaro a veículos de imprensa. Ele coleciona episódios, em especial contra a Folha.

Na semana passada, a Presidência da República excluiu o jornal de uma licitação sem informar o critério técnico que embasou a decisão, e o presidente afirmou que boicota produtos de anunciantes da Folha.

Em agosto, Bolsonaro ironizou o jornal Valor Econômico após assinar medida provisória que acaba com a obrigatoriedade de empresas publicarem balanços em diários impressos. A TV Globo também foi alvo do presidente, que ameaçou não renovar a concessão da emissora após reportagem que o citou na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco.

Abaixo, na íntegra, a nota da ABI sobre a atitude de Crivella:

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) considera que a decisão do prefeito do Rio de Janeiro, o bispo licenciado Marcelo Crivella, de não fornecer informações ao jornal O Globo representa uma afronta ao princípio da publicidade da administração pública, à liberdade de expressão e ao direito dos cariocas em terem acesso às informações sobre a gestão municipal.

De forma patética, o prefeito do Rio decidiu representar o papel de simulacro do simulacro. Primeiro, o presidente da República imita Donald Trump, perseguindo jornalistas e veículos de comunicação; agora, Crivella resolveu ir pelo mesmo caminho do desrespeito à imprensa.

É de se lamentar, ainda, o comportamento do Subsecretário de Comunicação Governamental, que decidiu abandonar os princípios básicos da profissão e, de forma subserviente, apoiar a sonegação de informações ao Globo e esconder da população os resultados do desgoverno de uma péssima gestão.

Ao mesmo tempo, a ABI saúda os repórteres do G1, CBN e TV Globo que, numa demonstração de respeito à Ética e ao bom jornalismo, se recusaram a participar de uma entrevista coletiva da Prefeitura sobre o Revéillon, em que jornalistas do Globo foram impedidos de participar.

Paulo Jeronimo de Sousa, presidente da ABI

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