Descrição de chapéu
Reinaldo Azevedo

Há 30 anos, estamos presos aos embates do segundo turno de 1989

Direita reacionária que muitos julgavam enterrada com o impeachment de Collor volta ao poder pelas mãos da Lava Jato e de Moro

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Parece que foi ontem, mas faz 30 anos nesta terça-feira (17). Tantos foram os eventos posteriores que poderiam ser 300. E, no entanto, de algum modo, estamos presos àqueles mesmos embates, reféns de atrasos opostos, porém combinados, que se esforçam para nos condenar à rabeira do mundo.

Vejam o desastre protagonizado por Ricardo Salles na COP 25 se querem uma dimensão da estupidez passadista no presente.
 
No dia 17 de dezembro de 1989, Lula teve a sorte de ser derrotado por Collor na primeira eleição direta para a Presidência depois do golpe de 1964. No segundo turno, 53,03% a 46,97% dos votos válidos: seis pontos percentuais de diferença —em certo sentido, três.
 
Sorte da derrota? Em 10 de agosto de 2010, o petista foi inequívoco: “Hoje eu agradeço a Deus por não ter ganho em 1989, porque eu era muito novo, muito mais radical do que eu era em 2002 e, portanto, eu poderia ter feito bobagem. Não bobagem porque eu quisesse fazer, mas pela impetuosidade, pela pressa de fazer as coisas”.

A Globo manipulou a edição do segundo debate. Mário Amato havia ameaçado o país com a diáspora de 800 mil empresários. Collor apelou à abjeção ao levar à propaganda eleitoral uma ex-namorada de Lula. É aborrecidamente óbvio, mas tenho de dizer: a vontade do eleitorado está sempre sujeita às vicissitudes da realidade, onde campeia também a mentira. É preciso enfrentá-la. E punir o que for crime.
 
A dita “herança maldita” que a gestão Lula colou a FHC para demonizar a única força que julgava potencialmente capaz de vencer o petismo não foi uma tentativa de manipulação mais honesta do que todas aquelas de que o PT foi alvo. O partido cometeu o erro de achar que o tucanismo era uma espécie de limite possível do que chamava “direita”.

E houve naquele dezembro de 1989 o evento que entra como um emblema do passado que não quer passar. No dia 11 de dezembro, uma turma ligada ao MIR, grupo de extrema esquerda chileno, sequestrou o empresário Abílio Diniz. A polícia chegou aos criminosos e libertou o refém no dia 16, véspera da eleição.
 
No domingo, 17, com os eleitores caminhando para as urnas, lá estava a manchete de página do Estadão: “Fleury diz ter encontrado material do PT”. E, de fato, havia peças de propaganda de rua do partido com a turma. Um dos criminosos tinha uma agenda com os respectivos telefones de Eduardo Suplicy e Eduardo Greenhalgh. Alguma evidência de vínculo entre os sequestradores e o PT? Nenhuma! A imprensa cumpriu o seu papel: noticiou.
 
Pouco mais de três pontos percentuais do total dos votos válidos que estariam reservados a Lula mudaram rigorosamente de lado e disseram um “Ah, então vou de Collor”? Não se conta a história que não houve ou que não pode ser contada porque teria de escarafunchar milhões de subjetividades, mas é pouco provável.

O Lula “radical”, como se definiu, de 1989 nunca venceu. O PT que governou por 13 anos chegou a formar a aliança mais ampla pós-redemocratização a um custo —vai aqui matéria para polêmica— que pode ter rendido cadeia ao mais importante líder popular da história do país.
 
Trinta anos depois, a direita reacionária, liberticida e intolerante que muitos julgavam ter sido enterrada com o impeachment de Collor volta ao poder pelas mãos da Lava Jato e de Sergio Moro, que, não obstante, não teriam prosperado sem a fabulosa corrupção que lhes permitiu corroer instituições e destruir empresas sob o pretexto de moralizar o país.

Alguns liberais, mais uma vez, pegam carona na saga dos dinossauros na esperança de emplacar o que entendem ser a modernidade. Em 1989, o apresentador de televisão contra os extremos era Silvio Santos. Não chegou a disputar.
 
Volto ao Lula de 2010, que caminhava para a consagração ao fim de seu segundo mandato e estava prestes a fazer sua sucessora. A autocrítica no triunfo é filha da euforia; na derrota, é mãe da melancolia e, eventualmente, do ressentimento. Na vitória, as gerações mortas instruem o cérebro dos vivos, como fez com o do petista há nove anos; na derrota, podem oprimi-lo como um pesadelo.
 
Aí é preciso acordar.

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