Pesquisador do uso político de redes sociais relata ameaça e deixa o Brasil

Professor brasileiro que mora nos EUA suspeita da ação de grupos bolsonaristas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Eduardo Militão
Brasília | UOL

Um pesquisador brasileiro que vive nos Estados Unidos estudando o uso do aplicativo WhatsApp por grupos políticos afirma que recebeu uma ameaça em São Paulo e que teve que deixar o país às pressas.

David Nemer, professor do departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos EUA, esteve na capital paulista na semana passada.

Ele afirma ter recebido, na manhã de sábado passado (14), um email anônimo dizendo que sabiam onde ele estava e recomendando que tivesse "cuidado". Em anexo, enviaram uma fotografia do professor no parque que ele havia frequentado dias antes.

O UOL obteve a imagem, mas não a divulga para preservar as investigações da polícia. Foi o quarto email com ameaças em quatro meses, segundo o pesquisador.

"Sabemos que voce esta em Sao Paulo- e melhor voce ter cuidado [sic]", afirmou a mensagem enviada às 5h da manhã de sábado por meio de um serviço de envio anônimo de correio eletrônico.
 
Para Nemer, a principal suspeita é que o autor das ameaças faça parte de grupos bolsonaristas estudados por ele. "Eu venho pesquisando e monitorando a rede de fake news pró-Bolsonaro. Essa rede é mantida por um grupo chamado de MAV, Movimento Ativista Virtual, ou milícia virtual", afirmou.

O pesquisador registrou, no mesmo sábado, um boletim de ocorrência na Polícia Civil de São Paulo, que não informou se começou a investigação. Na noite do mesmo dia, tomou um avião para o exterior, antecipando seus planos de viagem e mudando de destino. O professor conversou com o UOL na tarde de segunda-feira (16) de um país que prefere não revelar.

Nemer estuda a ação de grupos de WhatsApp de apoio a políticos de esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita e extrema-direita. Eles atuam em favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), do PT, do PSOL, de Ciro Gomes (PDT) ou de autoridades como Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.

Nemer pesquisa o uso de robôs, discursos de ódio e fake news na rede.

Desde agosto, o professor diz ter recebido quatro emails anônimos com ameaças. Em 24 de agosto, uma mensagem questionava se o professor estava "a salvo" fora do Brasil. "Vc acha que ta salvo ai nos EUA.... Eduardo Bolsonaro, o nosso 03, vai ser o nosso embaixador e voce ta fudido [sic]." O texto menciona a frustrada tentativa, em andamento em agosto, de indicação do filho do presidente da República como diplomata brasileiro em Washington.

Agora, a nova mensagem de intimidação trouxe, segundo Nemer, uma fotografia como prova das ameaças. Ou seja, alguém deveria saber que o professor estava em visita a São Paulo, teria conseguido localizá-lo, além de segui-lo até o parque para fazer a foto.

Apesar de pesquisar grupos políticos de um amplo espectro partidário e ideológico, os principais "achados" dos estudos do professor se relacionam à extrema direita, que apoia Bolsonaro. Foi lá que ele viu distribuição em massa de boatos e chamadas pelo fechamento do Congresso Nacional ou do STF (Supremo Tribunal Federal).

Nemer identificou grupos de neonazistas e de pedofilia. Também reuniu mensagens em que ex-apoiadores admitem que recebiam de R$ 400 a R$ 600 por semana para produzirem informações falsas e distribuírem pelo WhatsApp durante as eleições, em favor de Bolsonaro.

Na avaliação do professor, alguns de seus estudos podem ter irritado os bolsonaristas, como o que mostra a reação de usuários do Twitter a uma live do presidente da República. "Muita gente acha que fake news é brincadeira. Mas não é. É milícia mesmo", afirmou.

O professor faz uma ressalva. "Esses achados da pesquisa não significam que todos os eleitores de Bolsonaro sejam neonazistas, pedófilos, distribuidores de notícias falsas ou financiados com caixa dois de empresários, ou mesmo que o presidente da República participe dessas condutas [ou seja mandante das ameaças]."

As pesquisas de Nemer identificam casos objetivos. "São pessoas específicas que atuam dessa maneira e que se sentem empoderados a tomar tais atitudes devido o discurso extremista do presidente", disse ele.

A princípio, o boletim de ocorrência deve ser encaminhado ao DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil de São Paulo.

O UOL questionou a assessoria de imprensa da polícia se é possível associar os emails com ameaças à atuação do professor em suas pesquisas acadêmicas. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Doutor pela Universidade de Indiana (EUA), Nemer pesquisa o uso do WhatsApp na política desde março de 2018. Como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não puniu os responsáveis pela distribuição de desinformação nas eleições passadas, ele prevê que o método ilegítimo de propaganda vá ser usado por todos em 2020.

O professor entende que partidários de Bolsonaro usaram mais esse mecanismo nas últimas eleições, mas isso não excluiu os partidos de esquerda das ações ilegítimas. "Você vê que a maioria era para o Bolsonaro, mas também tinha pro [Fernando] Haddad [ex-candidato do PT nas últimas eleições]."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.