PF apura suspeita de que delegado se infiltrou ilegalmente em universidade

Agente investigava esquema de fraudes em bolsas de estudos no interior de SP; ação exige aval da Justiça

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São Paulo

A Corregedoria da Polícia Federal em São Paulo apura a suspeita de que o delegado Cristiano Pádua da Silva infiltrou-se ilegalmente em uma universidade durante uma investigação criminal.

Segundo os registros da Universidade Brasil, o delegado assinou no dia 19 de fevereiro de 2019 um contrato de trabalho para atuar como professor auxiliar de direito constitucional no campus de Fernandópolis, no interior de São Paulo.

O delegado Cristiano Pádua da Silva, da Policia Federal de SP - Reprodução

O emprego, no entanto, seria um disfarce para que o delegado pudesse apurar in loco a suspeita de que estariam ocorrendo fraudes em bolsas de estudo no curso de medicina da instituição, objeto de um inquérito aberto 11 dias antes pelo próprio delegado.

O reitor Adib Abdouni, que enviou uma representação contra o delegado à Superintendência da PF em São Paulo, diz que a ação infiltrada foi feita sem a devida autorização judicial. “Houve uma arbitrariedade flagrante”, diz.

A investigação realizada pelo delegado resultou na operação Vagatomia, em setembro, por meio da qual foram presos o mantenedor José Fernando Pinto da Costa, seu filho e diretor-executivo, Sthefano Bruno Pinto da Costa, e outros dirigentes da instituição.

O nome Vagatomia foi utilizado pela PF em alusão ao termo “tomia”, que significa “corte” e faz referência a procedimentos cirúrgicos. A operação contou com a participação de 250 policiais federais.

A cúpula da instituição é acusada de promover um esquema de fraudes na concessão de financiamento estudantil do governo federal. De acordo com cálculos da PF, os prejuízos causados à União ultrapassam R$ 250 milhões.

Além disso, segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público à Justiça, a organização também negociaria vagas de transferências de alunos que cursavam medicina no exterior, sobretudo do Paraguai e da Bolívia.

O mantenedor da Universidade Brasil afirma ser inocente, e que a acusação é um “acinte”, pois “se funda em procedimento abusivo e provas falsas”. Diz que, antes mesmo do início da abertura do inquérito, procurou a polícia tão logo houve notícias sobre eventuais irregularidades.

“Desde sempre tive o interesse em descobrir quem, de soslaio, praticava crimes em meu nome e em nome da universidade”, afirmou em sua defesa no processo judicial.

O reitor Adib Abdouni, que assumiu o cargo após a operação da Polícia Federal, diz que descobriu que o delegado atuou como professor na instituição de ensino durante uma apuração interna.

Segundo o reitor, o delegado foi contratado pela diretora de graduação da universidade, Juliana da Costa e Silva, que fez acordo de colaboração premiada. Ele teria ficado cerca de 30 dias no cargo.

“Sobre sua atuação como professor infiltrado, é de se estranhar que o valor auferido como indenização trabalhista rescisória tenha sido creditado em sua conta-corrente pessoal”, diz o reitor. 

“Essa verba deveria, legal e eticamente, se a missão oficial tivesse sido autorizada, ser revertida em prol da pessoa jurídica da Polícia Federal.”

Se for confirmado que o delegado atuou infiltrado sem autorização judicial, toda a investigação pode ser anulada pela Justiça. O reitor pede também que o delegado seja afastado de suas funções em razão do que chama de “desvio funcional grave”.

A Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, estabelece que um agente policial pode, em uma investigação, se infiltrar numa organização criminosa com o objetivo de buscar provas. Mas o aval prévio e sigiloso da Justiça é um dos requisitos básicos para uma operação desse tipo. 

A legislação determina também que a infiltração somente será admitida se houver indícios de infração penal e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis. Um relatório deve ser apresentado ao juiz ao final da investigação.

Procurado pela Folha por meio da assessoria de imprensa da Polícia Federal em São Paulo, o delegado não respondeu aos questionamentos.

A Superintendência da Polícia Federal em São Paulo disse que a Corregedoria da instituição está apurando o caso com o “rigor de praxe”.

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