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STF só resolve problema que ele mesmo criou ao liberar repasse de dados

Dúvida sobre decisão envolvendo informações da Receita e do antigo Coaf chega ao fim legando à comunidade um certo tom de perplexidade

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Rubens Glezer Luiza Pavan Ferraro

O Supremo Tribunal Federal quitou sua dívida com as investigações e processos paralisados, nos quais pairava a dúvida se o Coaf (atual UIF, Unidade de Inteligência Financeira) poderia compartilhar dados financeiros sigilosos com órgãos de investigação, sem a autorização de um juiz.

Depois de cinco sessões de julgamento, o STF decidiu que esses dados podem ser amplamente compartilhados sem autorização judicial, desde que cumpridos os requisitos e as formalidades legais.

Compreender por que tais processos permaneceram paralisados por quase seis meses exige um aprofundamento em certos detalhes de processo constitucional.

Ministros do STF durante sessão plenária desta quarta (4), que discutiu, entre outros temas, o repasse de dados sigilosos ao Ministério Público e à polícia em investigações
Ministros do STF durante sessão plenária desta quarta (4), que discutiu, entre outros temas, o repasse de dados sigilosos ao Ministério Público e à polícia em investigações - Divulgação/STF

O STF realiza diferentes funções e uma delas é servir como última instância de recurso para todos os casos do Judiciário que tenham uma relevância extraordinária ou, em termos técnicos, “repercussão geral”. Quando o Supremo diz que irá julgar um determinado caso pela sua relevância, todos os processos semelhantes devem ser paralisados, ou em termos técnicos, “suspensos”.

A ideia é que os tribunais só voltem a julgar aquele tipo de processo uma vez que o Supremo tenha dado uma resposta definitiva sobre a questão. Isso evitaria que cada tribunal decidisse os casos de maneira diferente, só para que todos fossem uniformizados apenas quando chegassem ao Supremo.

Foi exatamente isso que ocorreu em julho deste ano, quando o ministro Dias Toffoli determinou a paralisação de todas as investigações baseadas em dados fornecidos pelo então Coaf às instituições de investigação, como o Ministério Público, sem autorização judicial.

Essa decisão, porém, foi alvo de intensa controvérsia. Isso porque o ministro decidiu por suspender processos que não eram claramente semelhantes àqueles que foram suspensos em razão do recurso extraordinário que estava sob seus cuidados, ou em termos técnicos, sob sua relatoria.

A discussão original envolvia a dúvida sobre o compartilhamento de dados bancários e fiscais obtidos pela Receita Federal com o Ministério Público, sem autorização judicial, nos casos em que há fundada suspeita de crime por parte de determinado contribuinte.

Apesar de ser uma decisão sobre compartilhamento de dados sigilosos com órgãos de investigação, o recurso não tratava em nada sobre o Coaf. O fato de a suspensão ter sido pleiteada pelo senador Flávio Bolsonaro, durante o plantão judicial de Toffoli, aumentou a controvérsia. Foram diversas as ilações sobre como tal medida beneficiava politicamente o presidente Jair Bolsonaro e, de alguma maneira, enfraquecia a Lava Jato e outras operações contra a corrupção no país.

Esse incômodo foi manifestado por 6 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal durante as sessões de julgamento do caso. Contudo, mesmo essa porção crítica à extensão do caso para suspender investigações semelhantes à que corria contra Flávio Bolsonaro optou por decidir tal questão definitivamente.

Ao final, o STF decidiu, por ampla maioria, que esse tipo de compartilhamento de dados sigilosos não fere os direitos constitucionais à privacidade e sigilo de dados. Segundo os ministros, qualquer violação irregular ao sigilo fiscal e bancário deve ser controlado posteriormente em processo judicial específico.

Com essa decisão, a dúvida chega ao fim legando à comunidade um certo tom de perplexidade. Em razão de uma decisão monocrática de Toffoli, o STF atraiu para si mais polêmicas e críticas apenas para que, seis meses depois, a maioria dos ministros considerasse a ampliação das suspensões inadequadas e a maioria considerasse, ao final, que tais práticas de compartilhamento são claramente constitucionais.

A notoriedade do caso de Flávio, a proximidade política entre Toffoli e o presidente Bolsonaro e a persistente notoriedade das decisões que envolvem o combate à corrupção fez com que a medida trouxesse um custo reputacional relevante ao STF. A decisão que favorece os órgãos de investigação e combate à corrupção não parece ter em nada aliviado esse custo, mas apenas não o aprofundou.

No fim do dia, a impressão que fica não é exatamente de um STF comprometido com o combate à corrupção, mas de que o Supremo nada mais fez do que resolver um problema que ele próprio criou.

Rubens Glezer é coordenador e Luíza Pavan Ferraro é pesquisadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta da FGV-Direito SP

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