Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

'Talkey show' de Bolsonaro reúne ex-petistas, padres e youtubers no Alvorada

Hábito do presidente de falar na portaria do Alvorada atrai apoiadores e curiosos

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Brasília

O aposentado Sérgio Rabelo, 66, programava desde julho uma viagem à capital federal para tentar conversar com Jair Bolsonaro. O plano surgiu quando o mineiro soube pelos veículos de imprensa que o presidente cumprimentava quem o aguarda na entrada do Palácio da Alvorada.

No dia 14 deste mês, o aposentado pediu um empréstimo consignado de R$ 2.000, comprou uma passagem de ônibus e gastou 13 horas em um trajeto de 765 km entre Nova Serrana (MG) e Brasília. “E não consegui dormir”, disse.

Com uma mochila nas costas e uma mala nas mãos, chegou às pressas às 8h30 da quarta-feira (15). Na hora em que descia do táxi, no entanto, o presidente já havia falado com um grupo de eleitores e deixava a residência oficial.

A tentativa do aposentado não é uma exceção. Desde junho, quando Bolsonaro começou a dar entrevistas na saída do palácio, brasileiros e estrangeiros iniciariam visitas diárias ao Alvorada, em um esforço para fazer uma fotografia ou solicitar um favor ao presidente.

E, na maioria das vezes, como constatou a Folha nas últimas semanas, só conseguem chegar perto dele depois de mais de uma tentativa, já que o cumprimento depende do humor do político, que se irrita facilmente com pedidos de ajuda e com o noticiário.

“Só pelo bafo não vai ter emprego”, disse Bolsonaro em setembro, ao ser abordado por um simpatizante que se ofereceu para ajudá-lo com uma política de estímulo ao turismo.

Conhecido pelo estilo personalista, o presidente assumiu o papel de porta-voz de seu governo e adotou como hábito conceder entrevistas diárias na saída da residência oficial, onde dá recados a aliados e adversários, comenta acontecimentos nacionais e internacionais e hostiliza, com agressões verbais, repórteres e cinegrafistas. 

Na semana passada, mandou, na frente dos simpatizantes, uma repórter da Folha “calar a boca”. Bolsonaro estava irritado com as perguntas sobre o conflito de interesses envolvendo o chefe da Secom (Secretaria de Comunicação), Fabio Wajngarten, sócio de uma empresa que tem clientes contratados pelo governo.

O discurso diário de Bolsonaro no Alvorada, que é aplaudido pelos simpatizantes presentes, foi apelidado por assessores palacianos de talk show e adaptado para “talkey show”, devido ao vício de linguagem dele, de terminar frases com a pergunta “tá ok?”.

As aparições ocorrem pela manhã e à tarde, durante o deslocamento do presidente ao Planalto para a rotina de despachos, e se desenrolam sob a sombra de uma mangueira, plantada na portaria principal do Alvorada no fim da década de 1950, durante o governo Juscelino Kubitschek.

Nos governos passados, raramente simpatizantes esperavam o presidente nesse local. A exceção, segundo seguranças presidenciais, foi o ex-presidente Lula (PT), que, no início do mandato, chegou a parar algumas vezes para cumprimentar eleitores.

“Nunca vocês tiveram um presidente que conversasse tanto com vocês. Nunca. E, quando conversavam, era só ensaboar”, disse Bolsonaro a um grupo no início deste mês.

Um detector de metais foi instalado para evitar riscos à segurança, além de um cercado exclusivo para seguidores do presidente, que costumam vaiar os jornalistas presentes diante de perguntas incômodas a Bolsonaro.

Nas últimas semanas, passaram pelo espaço reservado estrangeiros, blogueiros, religiosos e até mesmo ex-eleitores do PT, como é o caso do vigilante piauiense Valdinar Ferreira, 48.

“Eu já votei no Lula e votei na Dilma. Não me arrependi do voto, mas, cada ano que passa, temos de identificar quem vai resolver nosso problema. Então, votei no Bolsonaro porque ele pode melhorar o país”, disse.

O agricultor paraense Jorge Souza Castro, 77, também votou no passado em Dilma, e optou por Bolsonaro na última eleição porque acredita que ele poderá ajudá-lo a obter o título de propriedade de um terreno onde mora em Santarém (PA).

“Eu já vim aqui antes, mas não tinha conseguido vê-lo. Eu votei nele porque ele foi militar e pode me ajudar a obter a minha terra”, afirmou.

Eventualmente turistas estrangeiros que visitam Brasília passam pelo Alvorada e aproveitam para tirar fotos.

Foi o caso de Michele Monique, aposentada francesa de 75 anos. Ela fazia parte de um grupo de oito compatriotas que estava de passagem quando o presidente iria chegar.

“Ele perguntou sobre as coisas que nos incomodam no nosso país. Falamos das greves, manifestações, questões de aposentadoria”, disse.

Segundo Michele, o presidente brincou com a divergência entre ele e o mandatário francês, Emanuel Macron, sobre a Amazônia. A conversa foi traduzida pelo guia de turismo Juan Hermida, que costuma levar turistas estrangeiros para conhecer pontos turísticos de Brasília.

“Às vezes, quando chegamos, coincide de o presidente estar saindo ou entrando e pergunto se eles gostariam de ficar para ver”, disse.

Inicialmente, o capitão da reserva Winston Rodrigues Lima, 58, também marcava presença na entrada do Alvorada para interagir com Bolsonaro. Ele, no entanto, se irritou com a cobertura da imprensa e decidiu criar seu próprio canal de comunicação.

O Cafezinho com Pimenta, criado em abril, tem atualmente 4.200 inscritos no YouTube e acompanha quase diariamente, em tempo real, as aparições do presidente para cumprimentar os grupos de eleitores sob a mangueira.

“A gente resolveu criar o Cafezinho com Pimenta para que possamos dar o contraponto”, afirmou. “Nós percebemos que a maior parte da mídia tem ideologia.”

Em outubro, o canal criou uma saia justa para o presidente. Flagrou o momento em que Bolsonaro criticou o PSL e o dirigente nacional da sigla, Luciano Bivar. O episódio teve como desfecho a saída do presidente da legenda e a formação de um novo partido, a Aliança pelo Brasil.

Entre os visitantes há aqueles que levam pedidos para Bolsonaro, como a motorista de aplicativo Gódiva Félix.

Ela tentou em vão uma agenda com a primeira-dama no Ministério da Cidadania. Voluntária de um projeto na Sol Nascente (comunidade no entorno de Brasília), Gódiva queria que Michelle Bolsonaro ajudasse a divulgar as ações sociais que oferece para um grupo de 600 pessoas.

Depois de deixar um passageiro no Alvorada, ela foi pessoalmente pedir ao presidente uma ajuda para falar com a esposa dele. “Ele disse que nem ele tem visto a primeira-dama. Eu entendo. A agenda dela é muito cheia.”

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