Após injetar R$ 83 mi, Oi cobra R$ 7 mi de empresa de filho de Lula por empréstimo

Tele que financiou firma quando petista era presidente da República agora trava disputa judicial em meio às investigações da Lava Jato

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São Paulo

​​Cercada de controvérsia, a relação entre a companhia de telefonia Oi e Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, hoje investigada na Lava Jato, atingiu uma fase de disputa entre as partes.

A tele cobra da Gamecorp S.A., que tem o filho do petista como principal administrador, o pagamento de R$ 6,8 milhões com origem em empréstimos feitos entre 2006 e 2007 e nunca ressarcidos.

Por meio de notificação extrajudicial, a Oi, que está em recuperação judicial desde 2016, informou, em duas ocasiões, entre 2018 e 2019, que o pagamento deveria ser feito, sob pena de a empresa "tomar as providências judiciais cabíveis". O ofício mais recente é de setembro do ano passado. 

 
Visita do ex-presidente à sede do Grupo Gol, em 2011. Da esqueda para a direita: Lula, Kalil Bittar, Fernando Bittar (ao fundo), Lulinha e Jonas Suassuna.
Visita do ex-presidente à sede do Grupo Gol, em 2011. Da esqueda para a direita: Lula, Kalil Bittar, Fernando Bittar (ao fundo), Lulinha e Jonas Suassuna. - Divulgação

Ambas as comunicações foram apreendidas pela Polícia Federal durante a fase Mapa da Mina da Lava Jato, que foi deflagrada em dezembro passado e apura se dinheiro repassado pela tele a sócios do filho de Lula foi usado para comprar o sítio de Atibaia (SP).

A propriedade rural era frequentada pelo petista e foi reformada pelas empreiteiras OAS e Odebrecht.

A Oi injetou na Gamecorp, de 2004 a 2016, em valores não atualizados, um total de R$ 82,8 milhões (valores não corrigidos), e possuía participação societária de 35%.

A força-tarefa da operação suspeita que esses recursos, também repassados a outras empresas associadas e a firmas de sócios de Fábio Luís, tivessem sido propina. A Receita Federal, por exemplo, já afirmou que a Gamecorp não possuía a mão-de-obra e ativos necessários para produzir os serviços vendidos.

A empresa era responsável pelo canal de televisão paga PlayTV, com programação musical e de jogos.

Os empréstimos que motivaram a cobrança foram feitos por meio de contratos, à época, para "permitir o desenvolvimento de suas operações financeiras". Originalmente, os cinco empréstimos somavam R$ 1,65 milhão. A tele informou no ano passado que o cálculo atual incluía juros e multa.

A iniciativa de pedir o ressarcimento ocorre muitos anos depois do vencimento. Em relatório anexado à investigação, analista da Polícia Federal ressalta o fato de que, "não obstante o vencimento destes contratos ter ocorrido nos anos de 2007 e 2008", nenhum deles foi efetivamente pago pela Gamecorp. 

Os papéis apreendidos, porém, mostram que, em outro braço da relação Oi-Fábio Luís, o filho do ex-presidente é reconhecido como credor da empresa. Em documento assinado em 2017, o filho do petista e representantes da companhia de telefonia reconhecem que a Gamecorp tinha R$ 1,2 milhão a receber.

Além da cobrança extrajudicial, os papéis apreendidos também mostram que a tele, por ocasião do pedido de recuperação judicial, pediu para encerrar contratos que tinham sido firmados anos antes com a Gamecorp.

Há documentos da Oi manifestando a intenção de romper os acordos em três deles, relativos à operação do canal Oi TV e licenciamento de produtos pela firma administrada pelo filho do ex-presidente.

A recuperação judicial da Oi, pedida em junho de 2016, foi considerada a maior da história do país, diante da dívida estimada à época em R$ 65 bilhões.

A recuperação judicial é um recurso pedido por empresas que não conseguem pagar suas dívidas, para evitar que credores peçam a falência delas.

Em 2017, assembleia de credores aprovou um acordo de recuperação da empresa, posteriormente aceito também pela Justiça do Rio, onde corre o processo.

Os elos entre o filho do ex-presidente com a tele foram investigados pelo Ministério Público Federal em São Paulo, mas a apuração acabou arquivada.

No âmbito da Lava Jato no Paraná, a relação entre as empresas voltou ao foco de investigadores em decorrência da suposta ligação com o caso do sítio de Atibaia, que já originou um dos processos em que Lula foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

Conforme a Folha mostrou na semana passada, um dos elementos da investigação sobre a Oi e o filho de Lula são materiais do ex-empreiteiro Otávio Marques de Azevedo. Ex-presidente da holding Andrade Gutierrez e atuante no setor de telecomunicações, ele se tornou delator da Lava Jato em 2016, mas voltou a ser alvo de mandados de busca em dezembro passado.

A reportagem procurou a Oi para comentar o assunto, mas a companhia não se manifestou especificamente sobre a questão. A respeito da investigação, disse que "não tem medido esforços para assegurar que quaisquer ações que eventualmente possam ter prejudicado a companhia sejam integralmente apuradas". 

A Folha questionou também a defesa de Fábio Luís, que não comentou especificamente a questão dos empréstimos. Disse, por meio de nota, que a vida de seu cliente e atividades de suas empresas foram "devassadas por anos a fio e nenhuma irregularidade foi encontrada". 

"Essa nova safra de suspeitas e ilações vazadas sugere uma estratégia clara da força-tarefa para requentar um caso encerrado, a fim de tentar fixar artificialmente sua competência para conduzir uma nova investigação. Há quase um mês, papéis apreendidos em endereços de sócios de Fábio Luís estão sendo vazados seletivamente, quase todos os dias."

 
 

EMAILS DA OI TRATAM REPASSES A SÓCIO COMO PROJETO POLÍTICO

O material recolhido na fase Mapa da Mina da Lava Jato também inclui mensagens interceptadas que mostram que pagamentos para um dos sócios de Fábio Luís eram tratados dentro da Oi como "um projeto político", fora "da prestação de serviços tradicional".

Relatório da PF anexado aos autos traz emails trocados entre 2011 e 2012 sobre a parceria da tele com a Gol Mobile, uma das empresas de Jonas Suassuna, sócio de Fábio Luís na Gamecorp e um dos compradores do sítio de Atibaia frequentado por Lula. 

Em janeiro de 2012, o executivo Francisco Santanna, que diz ser indicado para fazer o relacionamento da tele com Suassuna, afirma a um colega: "Até clientes (no caso a Prefeitura do Rio) estão nos cobrando que a gente pague ao parceiro, por mais absurdo que isso pareça".

Dias depois, Santanna é questionado em mensagem ainda sobre a formalização desses pagamentos por meio de contratos e afirma: "Foram projetos políticos com o governo, fechados verbalmente com a diretoria antiga da Oi".

Ele também acrescenta: "O parceiro fez a venda ao cliente final e a Oi foi o canal de faturamento, não é uma prestação de serviços tradicional".

O analista da polícia, responsável pelo documento sobre a troca de emails, afirma que o teor reforça a tese de que houve um "direcionamento político para a subcontratação" da Gol Mobile.

A Gol Mobile, de Suassuna, foi subcontratada à época pela Oi e pela Contax (ligada à companhia de telefonia) para executar o serviço de queixas 1746, da Prefeitura do Rio.

Os investigadores da Lava Jato suspeitam da origem do dinheiro usado para adquirir o sítio de Atibaia, em 2010, que teve Suassuna como um dos compradores. 

A defesa de Fábio Luís disse que ele não é sócio da Gol Mobile e que, portanto "não tem qualquer relação com os negócios celebrados" por essa firma. Também criticou a liberação desse material nos autos da operação.

O ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (DEM) e o ex-presidente Lula têm negado qualquer conduta irregular envolvendo os negócios da Oi. O deputado federal Pedro Paulo (DEM), que foi secretário municipal naquela época, afirmou em dezembro que quem define eventual subcontratação são as empresas que vencem as concorrências.

A reportagem procurou a defesa de Jonas Suassuna, mas não obteve resposta.

Os sócios Kalil Bittar, Jonas Suassuna e Fábio Luís Lula da Silva em imagem anexada em relatório da Polícia Federal
Os sócios Kalil Bittar, Jonas Suassuna e Fábio Luís Lula da Silva em imagem anexada em relatório da Polícia Federal - Reprodução

Entenda a relação da Oi com o filho de Lula

Qual a suspeita dos investigadores?
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal suspeitam que diversos repasses feitos pela Oi a empresas ligadas a Fábio Luís, o Lulinha, e a seu sócio Jonas Suassuna foram realizados sem lógica econômica, apenas para beneficiar familiares do ex-presidente Lula. Contratos comerciais de fachada teriam sido firmados para dar aparência legal às transferências. Os investigadores apontam o fato de que vários produtos não obtiveram resultado comercial relevante

Qual o papel da Gamecorp?
A empresa de Lulinha com seu sócio Jonas Suassuna recebeu R$ 82,8 milhões da Oi no período que vai de 2004 a 2016. A tele também possuía 35% de participação societária na Gamecorp. A Lava Jato suspeita que esses recursos tenham sido propina

Qual a ligação de Suassuna com o sítio de Atibaia?
Suassuna é dono de um dos dois terrenos que compõem o sítio em Atibaia (SP) frequentado por Lula. A Procuradoria aponta que ele e Fernando Bittar, outro proprietário, adquiriram o sítio usando parte de recursos injustificados das empresas que administravam em conjunto com Fábio Luís

Por que a Oi repassou todo esse valor, segundo a PF?
A PF e a Procuradoria vinculam o período em que os repasses às empresas de Suassuna são feitos (2008 a 2014) com mudanças societárias na empresa de telefonia que dependiam de decisões políticas ao alcance de Lula

Quais foram as decisões que beneficiaram a empresa?
Um exemplo: a legislação proibia que uma empresa de telefonia fixa comprasse outra em área diferente, o que impedia a compra da Oi pela Brasil Telecom. A alteração na norma era discutida pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e se tornou viável após Lula assinar um decreto que pôs fim à proibição

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