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Bolsonaro mantém ministros e secretários tóxicos em um governo fora do normal

Integrantes do primeiro escalão não dependem de votos e tampouco podem ser removidos pelo Congresso

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Rafael Mafei Rabelo Queiroz

O conflito de interesses no caso Wajngarten não é difícil de enxergar: com uma mão, o chefe da Secom libera verba publicitária para emissoras de TV; com a outra, recebe dividendos dessas mesmas emissoras, que contratam sua empresa.

A lei quer que agentes públicos guardem distância segura de atividades econômicas impactadas por seu cargo, não bastando a perda de poderes de administração. No passado recente, agentes políticos tiveram de encarar a escolha da qual Wajngarten será poupado: ou a empresa, ou o cargo.

O presidente Bolsonaro poderia ter afastado seu subordinado, mas deu de ombros. Contou com a leniência da Comissão de Ética Pública da Presidência, mais tolerante que as antecessoras na matéria.

O caso chama a atenção para a governança (in)existente sobre ministros de Estado e secretários de governo, que parecem voar abaixo do radar. Não temem os eleitores, pois não dependem de votos. Ao contrário do que previam Constituições brasileiras anteriores, já não podem ser removidos pelo Congresso, como até o presidente pode.

Até há previsão de impeachment e outras ações para seu afastamento judicial, mas elas caminham no tempo da Justiça, e não da política. De mais a mais, a indicação para tais cargos é exemplo didático de ato puramente político, que cabe só ao presidente (a obstrução à posse de Lula como ministro em 2016 integra rol das nossas aberrações jurídicas recentes).

O principal mecanismo de responsabilização de ministros e secretários é o chamado “accountability político”.

Por serem demissíveis a qualquer tempo, e porque o presidente e seu partido são responsivos à opinião pública, há incentivos para que essas figuras sejam afastadas quando se tornam tóxicas: manter gente suspeita de malfeitos no cargo traz danos reputacionais ao governo, consome energia política e tem efeitos paralisantes. Mas essa lógica pressupõe um governo normal, não o governo Bolsonaro. 

Um governo normal quer elevar sua imagem a padrões vistosos de moralidade política, e por isso afasta-se da autoridade que se desviou da boa ética.

Mas o governo Bolsonaro agride essa mesma moralidade por princípio: o que é um secretário de juízo ético atrofiado diante dos espetáculos de escatologia política orgulhosamente promovidos pelo próprio presidente?

Contra esse pano de fundo, um conflito de interesses não faz cócegas. A permanente afronta de Bolsonaro à civilidade nos dessensibiliza um pouco a cada dia, e o que seria grave em outros contextos já não gera tração na opinião pública.

Em segundo lugar, o medo da paralisia governamental pressupõe que o desejo de fazer andar as coisas seja maior do que a estratégia de governar para atiçar a turba.

Mas Bolsonaro, ao que parece, delegou aos outros as mais importantes tarefas do Executivo e guardou para si apenas a promoção das confusões que viralizam entre os seus: prefere ser “mito!” a ser presidente.

Se o afastamento pelo Judiciário beira o impossível, há controle judicial sobre políticas públicas específicas, por meio de ações civis públicas, ações populares e de improbidade, que podem gerar responsabilização individual.

Mas não substituem eficazmente a vigilância confiada pela Constituição ao presidente sobre seus subordinados. Não por acaso, deixar de responsabilizar ministros e secretários por atos contrários à lei e à Constituição é crime de responsabilidade presidencial, passível de impeachment.

Rafael Mafei Rabelo Queiroz

Professor da Faculdade de Direito da USP

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