CPMI busca rastrear rede que fez disparos em massa na eleição de 2018

Comissão que apura fake news mira empresas terceirizadas de marketing digital

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Integrantes da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News querem, a partir dos depoimentos dos sócios da Yacows nesta quarta-feira (19), rastrear a rede de empresas de marketing digital terceirizadas responsáveis por disparos em massa pelo WhatsApp nas eleições de 2018.

Os congressistas investigam como a Yacows obteve CPFs de idosos usados para registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.

Uma das linhas de investigação é de que a empresa faria parte de uma rede de terceirizadas contratadas pela AM4, que prestou serviços para a campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2018, para enviar as propagandas eleitorais pelo WhatsApp.

Sessão da CPMI das Fake News, no Senado
Sessão da CPMI das Fake News, no Senado - Pedro Ladeira - 4.dez.19/Folhapress

A Folha revelou, em outubro de 2018, que empresários usaram a Yacows e pelo menos outras três empresas para disseminar mensagens com conteúdos apócrifos contra campanha do então candidato petista Fernando Haddad.

Entre as táticas havia o uso de números de telefones estrangeiros para barrar limites impostos pelo aplicativo. O plano era ampliar esses serviços nas vésperas do segundo turno, no dia 28 de outubro daquele ano.

Até agora, a CPMI já identificou 24 números e centenas de endereços de IPs envolvidos na operação. As linhas telefônicas têm números registrados nos Estados Unidos, no Vietnã e na Inglaterra.

Segundo documento da comissão a que a Folha teve acesso, apesar de os números serem registrados no exterior, os disparos foram feitos no Brasil, conforme os IPs associados a cada linha.

A intenção da CPMI é que Flávia Alves e Lindolfo Alves Neto, sócios da Yacows, convocados a depor nesta quarta, esclareçam a participação da empresa nos envios de propaganda eleitoral pelo WhatsApp. 

Eles eram os chefes de Hans River do Rio Nascimento. Em depoimento na semana passada, o ex-funcionário confirmou o uso dos CPFs pela empresa e mentiu sobre a atuação da jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha.

No final de 2018, ele enviou à reportagem uma relação de 10 mil nomes de pessoas nascidas de 1932 a 1953 (de 65 a 86 anos), que, segundo ele, era distribuída pela Yacows aos operadores de disparos de mensagens.

A lei exige o cadastro de CPFs existentes para liberar o uso de um chip. 

Como o WhatsApp trava números que enviam grande volume de mensagens para barrar spam, as agências precisavam de chips suficientes para substituir os que fossem bloqueados e manter a operação.
Se os congressistas julgarem que as informações obtidas são insuficientes, cogitam pedir mandados de busca e apreensão nos endereços ligados à AM4. 

Um dos sócios da empresa, Marco Aurélio Carvalho, chegou a participar da equipe de transição do governo Bolsonaro, no fim de 2018. Ele ficou apenas um mês na função.

Com os mandados, dizem integrantes da CPMI, seria possível localizar os acordos feitos entre a AM4 e as outras empresas, além de buscar outras provas que ajudem a entender o esquema de disparos em massa. 

Na avaliação de integrantes da CPMI, saber como a empresa obteve o cadastro com os CPFs é fundamental na investigação sobre os disparos em massa pelo WhatsApp.

A equipe técnica da comissão avaliava que os responsáveis pela Yacows podem adotar narrativa semelhante à de Hans, que isentou as campanhas de Bolsonaro e do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de práticas ilegais nas eleições, enquanto afirmou que o PT fez uso dos serviços da empresa.

Ainda assim, a oposição e congressistas do centrão pretendem pressionar os sócios a revelar detalhes, por exemplo, da relação da empresa com a AM4. 

Eles querem saber como a empresa de marketing contratou a Yacows e quais os termos do acordo.

Flávia e Lindolfo, no entanto, devem ser blindados por aliados de Bolsonaro que integram a comissão. Hoje, na análise de técnicos, a maioria dos titulares da CPMI é governista: são 18 aliados, contra 14 da oposição. 

Nesta terça-feira (18), o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) requereu a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático ligados a Hans. 

O pedido não tem prazo para ser analisado e votado no colegiado.

Deputados e senadores ainda não fecharam acordo sobre os 88 requerimentos que estavam protocolados até o fim da tarde de terça.

A intenção do presidente da CPMI, senador Angelo Coronel (PSD-BA), é colocar em pauta em sessão deliberativa convocada para 3 de março, logo após o Carnaval.

Entre os nomes que podem ser convocados estão, além de Hans e Patrícia, o do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, dos ex-presidentes petistas Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva e de outros jornalistas.

Se aprovados, dificilmente haverá tempo hábil para que todos deponham na CPMI, que oficialmente termina em 13 de abril. 

No total, mais de 60 depoimentos ou convocações ainda foram analisados e aprovados pela comissão.

A relatora, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), pretende prorrogar os trabalhos por dois meses, mas com o objetivo de ganhar prazo para aguardar a autorização judicial de quebra de sigilos telefônicos e bancários de pessoas e empresas investigadas.

Hans é ex-funcionário da Yacows e, em depoimento à comissão na semana passada, mentiu e insinuou que Patrícia Campos Mello queria trocar informações por sexo.

O Código Penal estipula que fazer afirmação falsa como testemunha em processo judicial ou inquérito é crime, com pena prevista de 2 a 4 anos de reclusão, além de multa. 

Na condição de testemunha, Hans se comprometeu em falar a verdade à comissão.

O regimento do Senado diz que a inquirição de testemunhas em CPMIs segue o estabelecido na legislação processual penal.

Após o depoimento de Hans, Lídice já havia pedido ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a abertura de uma investigação contra Hans por falso testemunho no depoimento.

No pedido, a deputada diz que Hans cita informações que, posteriormente, "viriam a se mostrar inconsistentes ou inverídicas".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.