Deputados da CPI das Fake News mantêm grupos com notícias falsas e ataques

Teorias da conspiração e ataques contra o STF circulam nos grupos do WhatsApp que parlamentares administram

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Vinícius Segalla Aiuri Rebello
São Paulo | UOL

Os deputados federais Filipe Barros (PSL-PR) e Coronel Tadeu (PSL-SP) aparecem como administradores de grupos de WhatsApp onde são compartilhadas fake news e ataques contra integrantes do Congresso Nacional e do STF (Supremo Tribunal Federal).

Barros é integrante da CPI mista das fake news no Congresso. Tadeu participou da comissão até o final do ano passado, e ganhou notoriedade ao quebrar uma placa que trazia uma charge sobre violência policial em uma exposição na Câmara, no ano passado. O ato gerou revolta entre deputados da oposição.

Ambos fazem parte da "tropa de choque" do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na Câmara dos Deputados. Além disso, Barros é um dos coordenadores da equipe de coleta de assinaturas e apoios para a criação de um novo partido político, o Aliança para o Brasil, capitaneado pelo presidente.

Alvos constantes destes grupos são o próprio presidente da Casa onde atuam os parlamentares, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

Deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) em debate sobre pacote anticrime - Luis Macedo - 12.mar.2019/Câmara dos Deputados

Tanto Filipe Barros como Coronel Tadeu afirmam que não são os criadores dos grupos e não controlam quando são incluídos em algum como administradores.

Junto aos ataques e fake news, as mensagens compartilhadas trazem principalmente defesas e elogios a integrantes do governo federal e intensa campanha para coleta de assinaturas para a criação do novo partido político de Bolsonaro.

Também há espaço para teorias da conspiração sobre o surto de coronavírus que surgiu recentemente na China, mensagens religiosas, de autoajuda e conteúdo homofóbico.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), assim como lideranças do PT, além de ex-apoiadores de Bolsonaro, como a deputada federal Joice Hasselman (PSL-SP), são atacados com frequência.

Barros é um dos dois administradores do grupo de WhatsApp "Militantes Bolsonaristas 3". Após o início da apuração desta reportagem, o número 3 foi subtraído do nome. Na descrição do grupo, com 257 integrantes, um texto diz que "(...) somos direita conservadora e lutamos por Bolsonaro por bem do Brasil". A descrição do grupo sugeria uma ação organizada e que este é o terceiro de dez grupos com o mesmo nome.

A atividade ali é intensa e são compartilhadas centenas de mensagens por dia, a maioria de teor político. Durante a apuração desta reportagem, o deputado não fez nenhuma postagem no grupo.

A maioria das fake news são compartilhadas no formato de memes em arquivos de imagem. Clipes de vídeos com falas de políticos e personalidades diversas retiradas de outras mídias sociais também são comuns, assim como links de canais no YouTube e de sites especializados em fake news ou notícias partidárias.

"Isso tudo é orgânico. Muitas vezes me incluem como administrador de um grupo e eu nem sei", diz o deputado Filipe Barros (PSL-PR). "Veja, eu participo de mais de mil grupos de WhatsApp".

O deputado Filipe Barros (PSL-PR) durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
O deputado Filipe Barros (PSL-PR) durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara - Cleia Viana - 18.out.2019/Câmara dos Deputados

Sobre o grupo "Militantes Bolsonaristas 3", ele diz que não se recorda do grupo, não é seu criador e provavelmente nunca compartilhou uma mensagem. Além de Barros, apenas uma mulher aparece como administradora. Além de memes, fake news, ataques e links para canais de notícias partidárias, a administradora compartilha muito material de divulgação do mandato do deputado.

Apesar disso, Barros afirma que a mulher não é sua assessora e nem sabe quem ela é. Sobre o conteúdo compartilhado no grupo, o deputado diz que certamente avisaria o autor e removeria o conteúdo caso visse algo que vai além do que é legalmente permitido, como notícias falsas. "Já fiz isso até com a minha família", afirma.

Sobre os ataques a políticos e ministros do STF, Barros afirma que "chumbo trocado não dói".

"É engraçado, o STF pode chamar Jesus Cristo de gay, ofender os outros, mas se alguém chama eles não pode?", diz ele.

Para ele, um meme com este tipo de ataque não difere de palavras de ordem e cartazes em manifestações de rua. "O pessoal vai pra rua e puxa coro com xingamento, leva cartazes ofensivos e ninguém acha estranho. Na minha opinião é a mesma coisa, só que no ambiente virtual. Não podemos cercear o direito de manifestação das pessoas. Claro, desde que respeitada a lei. Já existem mecanismos legais que coíbem abusos."

Coronel Tadeu é um dos nove administradores (todos identificando-se como militares ou assessores de militares) do grupo de WhatsApp "Major Vitor Santos", com 80 integrantes, que aparentemente foi criado para promover a pré-candidatura do major nas eleições municipais deste ano.

"Todo dia estou em um grupo novo e não fico nem sabendo. Nem sei deste que vocês estão falando, estou em mais de 300 grupos de WhatsApp"

Deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) "Quando vejo em um deles algo inapropriado como fake news, sempre tento orientar mas é impossível, o povo não respeita", afirma Tadeu. Segundo ele, as fake news são uma praga que atacam qualquer área. "Faço parte de vários grupos de segurança pública e o que aparece de fake news ali sobre bandido, arma... É uma tristeza. Com a política acontece a mesma coisa", diz o deputado.

Após depor à CPI, em entrevista ao UOL em novembro, o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) listou o ideólogo Olavo de Carvalho, deputados e empresários como parte de uma rede bolsonarista de fake news.

Em depoimento na comissão, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) descreveu o funcionamento do que seria um "gabinete do ódio" que organiza estes grupos na internet.

De acordo com advogados especialistas em direito digital ouvidos pelo UOL, os administradores de grupos de WhatsApp que não agem para coibir o compartilhamento de fake news e ataques a pessoas e instituições podem ser responsabilizados civil e criminalmente.

"Quando alguém compartilha um ataque ou fake news sobre alguém, o administrador não necessariamente possui responsabilidade", afirma o advogado Renato Ópice Blum, especialista em direito digital. "Para responsabilizá-lo na Justiça Civil junto com o autor da postagem, é preciso provar que o administrador viu a mensagem em questão."

"Quando isso acontece de maneira repetida, no caso dos grupos onde esse tipo de material é compartilhado diariamente, às dezenas, os administradores são responsáveis assim como o autor, inclusive criminalmente. Já há até jurisprudência formada na Justiça para isso, é o que chamamos de dolo eventual", afirma Blum. "Fica mais fácil de mostrar a conivência do administrador com os insultos e até possíveis crimes que aconteçam ali dentro."

Nos grupos administrados pelos dois deputados, chama a atenção a quantidade de contas no aplicativo de mensagens que utilizam números estrangeiros de celular.

De acordo com especialistas em segurança da informação ouvidos pelo UOL, o uso de linhas estrangeiras dificulta a localização e identificação dos responsáveis pela disseminação de conteúdo falso e ataques, e não raro são operadas por robôs que fazem disparos em massa de mensagens.

No ano passado, o UOL mostrou que uma rede fake news com robôs pró-Bolsonaro utilizada na eleição de 2018 continuava com 80% das contas ativas.

Procurado pela reportagem, Rodrigo Maia preferiu não pronunciar-se sobre o caso.

Em nota, a assessoria de imprensa de Dias Toffoli afirma que o Supremo Tribunal Federal está comprometido com o combate às fake news.

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