É cedo para apontar crime de responsabilidade a Bolsonaro, diz chefe do Ministério Público de SP

Mas para Gianpaolo Poggio Smanio, procurador-geral de Justiça do estado, a conduta do presidente é prejudicial ao país

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São Paulo

A notícia de que o presidente Jair Bolsonaro compartilhou em um grupo de aliados um vídeo que convoca a população a ir às ruas no dia 15 de março para defendê-lo gerou uma série de manifestações de repúdio, inclusive de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Além de apoiar o presidente, os organizadores da manifestação carregam bandeiras contra o Legislativo e o Judiciário e a favor das Forças Armadas. Nas redes sociais, usuários compartilharam convocações com mensagens autoritárias, pedindo, por exemplo, intervenção militar. 

​Gianpaolo Poggio Smanio, procurador-geral de Justiça de São Paulo, considera a atitude de Bolsonaro prejudicial ao país, mas diz que não vê claramente um crime de responsabilidade. "Evidente que qualquer um que atente contra uma instituição da democracia é passível da criminalização, mas isso precisa ficar caracterizado. Eu acho que ainda é cedo para fazer esse tipo de afirmação."

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O chefe do Ministério Público de São Paulo, procurador-geral de Justiça Gianpaolo Smanio - Reinaldo Canato-16.abr.18/Folhapress

Smanio chefia o Ministério Público do Estado de São Paulo há quase quatro anos. É ele que tem poder para investigar deputados estaduais, secretários de estado e até o próprio governador, João Doria (PSDB).

A respeito do procurador-geral da República, Augusto Aras, que mantém silêncio sobre o caso de Bolsonaro até agora, Smanio considera que o colega adota uma postura cautelosa. "Ele deve estar se resguardando para uma eventual manifestação formal", diz.

O presidente Jair Bolsonaro divulgou por WhatsApp um vídeo convocando aliados para uma manifestação contra instituições da República, como Congresso e STF. O presidente cometeu alguma irregularidade com esse ato? A tipificação do ato cabe ao Congresso Nacional, que vai analisar se isso dá impeachment ou não, se é um crime de responsabilidade ou não. Não é minha atribuição fazer essa análise. É uma mensagem pessoal dele, mas endossando uma convocação que também diz que é contra instituições. O mais importante é dizer que o país tem problemas muito graves para resolver hoje e que nós precisamos resolver esses problemas dentro do regime democrático.

Os Poderes, as instituições, devem ter sempre abertos canais de diálogo, de respeito, para que a gente encontre os caminhos que o país precisa dentro desse princípio democrático. Então toda manifestação que for contra instituições do Estado é, neste momento, prejudicial para o país.

Nós podemos criticar decisões do Supremo, podemos criticar decisões do Congresso, legislação, decisões do Ministério Público, decisões do próprio presidente da República. Agora, o que a gente não pode é confundir a crítica da decisão com a crítica à instituição. A gente não pode, por discordar de uma decisão do Supremo, fazer uma manifestação contra a existência do Supremo. Porque o Supremo é fundamental no regime democrático. Mesma coisa o Congresso.

O ministro Celso de Mello cogitou que pode ter havido crime de responsabilidade. O senhor concorda? Todos estão aventando em tese, porque na verdade falta uma definição clara das posições, daquilo que pensa. Os generais estão desautorizando o uso da imagem [deles em convocações para protestos contra Congresso e STF], a própria conduta do presidente está na esfera particular dele —a remessa do vídeo. É preciso ainda ter cautela para fazer uma afirmação dessa.

Evidente que qualquer um que atente contra uma instituição da democracia é passível da criminalização, mas isso precisa ficar caracterizado. Eu acho que ainda é cedo para fazer esse tipo de afirmação. Não é minha atribuição. Isso vai ser objeto do Congresso, que faz uma análise jurídico-política, né?

Tem um conteúdo político na decisão do Congresso Nacional. Eles fazem uma análise que não é estritamente jurídica. Então, nem adianta a gente fazer uma análise que sai do padrão de decisão do próprio Congresso.

Até que ponto um presidente da República pode incitar protestos contra outros Poderes? Não deve, né? Incitar protestos contra outros Poderes ninguém deve fazer. Evidentemente que o protesto tem que ser colocado dentro daquilo que a democracia permite.

Os protestos são livres, as pessoas têm liberdade de ir às ruas, falar sobre decisões dos órgãos. Agora, jamais uma manifestação contra Poderes da República. Porque aí sim você deflagra um conflito que a ninguém interessa. 

Como o senhor vê o silêncio do procurador-geral da República, Augusto Aras, neste caso? Acho que é porque ele está muito perto da esfera de atribuição dele. Portanto ele deve estar se resguardando para uma eventual manifestação formal. Então como ele é que tem atribuições em muitos aspectos dessa área, ele com certeza está adotando uma cautela para, se for o caso, se manifestar formalmente em autos. Então acho natural que ele se resguarde.

Bolsonaro já fez vários ataques ao Ministério Público do Rio por conta das investigações envolvendo seu filho Flávio, investigado no caso das 'rachadinhas' na Assembleia fluminense. Como o senhor vê esses ataques partindo da Presidência? O Ministério Público exerce a sua função dentro desses padrões de autonomia e de independência. E todas as pessoas que acabam investigadas, de uma maneira ou de outra, se rebelam contra essa atuação do Ministério Público. Isso de uma maneira geral. Quase todos os que são réus ou sujeitos de investigação do Ministério Público acabam se rebelando contra a investigação. Isso faz parte do dia a dia.

A gente sempre diz que é indevido porque a instituição do Ministério Público atua com imparcialidade, com autonomia, com profissionalismo, então as pessoas não devem confundir isso com atuação irregular de quem quer que seja, de cada promotor. Mas são atitudes que nós, hoje, infelizmente, estamos acostumados a ver. Quase todos os políticos que são investigados pelo Ministério Público acabam se referindo ao Ministério Público dessa mesma maneira.

Mas não preocupa? Sempre preocupa. Toda vez que a autoridade constituída, sobretudo o presidente da República, faz uma manifestação dessa, preocupa. E a gente sempre deve responder que a instituição continua exercendo seu papel com tranquilidade, com serenidade, mas com imparcialidade e firmeza. De novo, não dá para confundir a atuação específica com a atuação da instituição. A instituição precisa ser preservada.

Há risco para a democracia? Eu acho hoje que não. Eu acho que as instituições estão fortes, eu acho que a reação que está havendo a essa passeata demonstra bem isso, todas as instituições estão fortes, estão se manifestando e estão atuando. Então eu não vejo hoje nenhum risco para a democracia. 

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