Em novo capítulo de crise, Aras avalia pedir auditoria do TCU em escola do Ministério Público

Após destituir conselheiros e receber críticas, procurador-geral identifica 'aparentes desvios' na entidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O racha no Ministério Público evidenciado na Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) na semana passada, quando o procurador-geral da República, Augusto Aras, destituiu conselheiros e coordenadores de ensino, ganhou um novo capítulo nesta semana.

A atual administração pediu a Aras que solicite ao TCU (Tribunal de Contas da União) uma auditoria nos gastos da escola realizados na gestão anterior, da ex-procuradora-geral Raquel Dodge.

"Eu recebi ofício da diretoria para pedir ao TCU uma tomada de contas especial, em razão de assimetria dos dados encontrados, sonegação de informações, e estou analisando o assunto", disse Aras à Folha.

A ESMPU é a escola de formação e aperfeiçoamento dos procuradores dos quatro ramos do MPU: Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal.

O procurador-geral da República comanda o MPF e também, administrativamente, o MPU como um todo.

Um relatório encaminhado a Aras afirma que a nova sede foi inaugurada às pressas para prestigiar a gestão de Dodge. O prédio foi inaugurado em setembro de 2019, às vésperas de ela deixar a PGR.

O documento aponta que, para não atrapalhar a inauguração, foi preciso transferir o canteiro de obras da frente do imóvel para a área do fundo. Isso gerou um gasto extra de R$ 152.824,07 —valor que não seria pago se o evento esperasse o término da construção.

Houve também mudanças no projeto de paisagismo, que custava inicialmente R$ 8.219,40 e acabou saindo por R$ 264.684,70. A diferença foi de 3.220%, de acordo com o relatório.

O levantamento diz que ao menos 30 procuradores receberam, ainda em 2019, pagamentos antecipados de diárias para atividades que seriam realizadas de fevereiro a junho deste ano —o que foi visto pela nova gestão como uma forma de amarrá-la à programação definida pela anterior.

As antecipações, conforme o relatório, foram de R$ 21.134,92 para diárias e de mais R$ 21.238,36 para passagens aéreas, valores que a PGR quer ver ressarcidos.

A determinação tem potencial para ampliar a discórdia entre os procuradores.

"Estamos com dificuldade de acesso à informação, as mesmas fontes dão uma informação, na sequência, dão outra", afirmou Marcos Vinicius Ribeiro, secretário de Planejamento e Projetos da escola.

"Para isso, formalizei nesta semana um pedido de auditoria. Fato é que os pagamentos [de diárias] eram feitos com bastante antecedência. Nós temos cursos que haviam sido programados para março, abril, maio, junho e as bolsas já estavam pagas. Obviamente, quando nós suspendemos esses cursos, nós pedimos para emitir Darf [documento de arrecadação] para recolher os valores de volta."

No último dia 4, como a Folha noticiou, Aras interrompeu os mandatos de 16 conselheiros e coordenadores de ensino da ESMPU e nomeou novos.

Inédito, o ato do procurador-geral gerou críticas de procuradores, que classificaram a decisão de autoritária.

Questionado, Aras disse que os mandatos foram criados em agosto de 2019 por meio de portaria, um ato administrativo de Dodge. Por isso, no entendimento do procurador-geral, podiam ser revogados por meio de um novo ato administrativo.

Para mudar os conselheiros e coordenadores da escola, Aras alterou também o estatuto da instituição, que historicamente previa mandatos.

Um dos fatores que motivou as mudanças foi a linha de ensino da ESMPU.

Ribeiro, o secretário de Planejamento e Projetos, suspendeu 11 atividades acadêmicas, entre elas Estratégias Judiciais e Extrajudiciais na Atuação em Defesa dos Direitos Indígenas, Violência de Gênero e Política de Drogas na América Latina e Direitos Humanos e Trabalho.

Outras nove atividades foram canceladas, como O MPU e a Diversidade Sociocultural e Reforma Trabalhista e Atuação do Ministério Público do Trabalho.

As atividades têm partes presenciais e partes em EAD (educação a distância). Materiais já gravados para EAD serão mantidos, segundo Ribeiro.

"O problema mais sério é que a carta de cursos oferecidos era toda alinhada em um sentido. Não há problema em se ter cursos voltados a direitos humanos, 'ideologia de gênero'. O problema é que, por ser escola, a gente tem de permitir a multiplicidade de opiniões. Quando eu dou um curso num sentido, eu tenho de permitir que outros falem o justo oposto ou outras opiniões sobre o mesmo tema", disse o secretário.

Dodge tinha como uma das bandeiras de sua gestão a questão dos direitos humanos e das minorias.

"Questões hipersensíveis em matéria jurídica não estão entre os cursos da escola. Por exemplo: sobre o pacote anticrime, que tem pelo menos seis pontos que impactam a atuação do Ministério Público, a escola não fez nada. Lei de abuso de autoridade, nada", criticou Ribeiro.

A lei de abuso de autoridade é de setembro de 2019, e o pacote anticrime, de dezembro.

Ribeiro negou que a escola esteja passando por uma mudança ideológica.

"O que estamos fazendo é uma revisão para voltar a escola para o direito de Estado. O aluno vai ter curso de processo civil, de processo penal, de econômico, de tributário, de constitucional. Sem descurar de nenhum aspecto", disse.

Outro lado

João Akira, ex-diretor da ESMPU na gestão de Dodge, negou quaisquer irregularidades nas contas da instituição e afirmou que os gastos com a transferência do canteiro de obras e com o paisagismo da nova sede estão bem explicados nos processos internos.

Ele se disse surpreso com os questionamentos.

Segundo Akira, as obras da sede foram aceleradas a pedido da própria PGR, que tinha urgência em desocupar o prédio antigo da escola, até janeiro de 2020, para instalar nele um dos anexos do órgão.

Além disso, segundo o ex-diretor, era preciso concluir a obra para que não ficassem restos a pagar para 2020, o que comprometeria o limite financeiro deste ano.

Akira afirmou que o contrato para a construção da sede foi firmado por cerca de R$ 18 milhões, abaixo dos R$ 24,5 milhões previstos no projeto, e custou efetivamente cerca de R$ 21 milhões com todos os aditivos.

"O cronograma resultou em enorme economia", disse.

Quanto ao paisagismo, o ex-diretor afirmou que o projeto foi aprovado por equipes técnicas e foi necessário porque se usou um substrato de isopor, mais caro, nos jardins. Os espaços, segundo ele, não puderam ser preenchidos somente com terra para não comprometer a estrutura do prédio.

Akira disse ainda que os planos de atividades da ESMPU são sempre herdados do ano anterior.

"Você não começa o ano pensando no que vai fazer", afirmou, acrescentando que, quando assumiu a diretoria, em 2018, executou o planejamento recebido da gestão anterior (sob Rodrigo Janot), de 2017. "Há uma continuidade."

Akira afirmou desconhecer pagamentos de diárias, efetuados em 2019, relativas a atividades acadêmicas que ocorrerão em maio e junho deste ano.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.