Entenda a morte de miliciano ligado a Flávio Bolsonaro e veja perguntas sem resposta

Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro de 2020, teve parentes empregados no gabinete do hoje senador

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São Paulo

Foragido havia um ano, o ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega era acusado de comandar a mais antiga milícia do Rio e tinha um histórico de ligações com Flávio Bolsonaro, senador e filho do presidente da República.

Ele foi morto em fevereiro de 2020, no município de Esplanada (BA), ao ser alvo de operação que envolveu as polícias baiana e fluminense. Já nesta segunda-feira (12), o corpo do miliciano foi exumado e passará por novos exames periciais para saber as circunstâncias de sua morte.

Apontado como chefe de uma milícia do Rio, Nóbrega tinha ligações com a família do presidente da República e foi citado na investigação que apura a prática conhecida como "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Quem era Adriano da Nóbrega?
Era um ex-capitão do Bope, elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Era suspeito de comandar uma milícia na zona oeste do Rio e de integrar um grupo de assassinos profissionais. Já foi preso e solto três vezes, por um assassinato e uma tentativa de assassinato, mas foi inocentado dos crimes. Foi expulso da PM em 2014 por ter ligação com bicheiros e estava foragido há cerca de um ano, após operação deflagrada pelo Ministério Público do Rio para prender integrantes da milícia de Rio das Pedras.

Em que circunstâncias ele foi morto?
Em uma operação conjunta das polícias da Bahia e do Rio de Janeiro. Ele foi encontrado em Esplanada, interior da Bahia. Segundo a polícia baiana, Adriano estava dentro de uma casa, que foi invadida por policiais. O ex-PM teria reagido e atirado nos agentes, que revidaram. Adriano foi baleado e, de acordo com a versão oficial, foi levado a um hospital da região, mas não resistiu. Uma funcionária do hospital, porém, disse à Folha que ele já chegou morto.

Onde Adriano estava? 
O ex-PM foi encontrado em um sítio do vereador do PSL de Esplanada, Gilson Batista Lima Neto, conhecido como Gilsinho de Dedé. Ele diz que a propriedade estava vazia e que não tinha nenhuma relação com Adriano. Antes, o ex-PM ficou escondido em uma fazenda a cerca de 8 km dali, pertencente ao empresário e pecuarista Leandro Abreu Guimarães.

A polícia apreendeu quatro armas e 13 celulares na casa onde ele foi morto —dois não pertenciam a Adriano e foram devolvidos aos seus respectivos donos.

Qual era a relação de Leandro com Adriano? 
O pecuarista, que foi preso durante a operação por porte ilegal de arma, disse em depoimento à polícia que conhecia o ex-PM do circuito de vaquejadas e que achava que ele era criador de cavalos. Também afirmou que Adriano chegou a Esplanada no fim de 2019 e que disse estar à procura de fazendas para comprar na região.

Leandro, que negou ter conhecimento do envolvimento do ex-PM com crimes, disse ainda que, na noite anterior à morte de Adriano, foi ameaçado por ele e forçado a levá-lo para o sítio de Gilson. A polícia duvida dessa versão, já que Leandro chegou a ser arrolado como testemunha de defesa de Adriano na ação penal em que o ex-PM é acusado de chefiar a milícia de Rio das Pedras.

Como a polícia chegou ao esconderijo de Adriano?
Leandro não informou o novo esconderijo à polícia. Os policiais identificaram o local a partir de testemunhos de moradores da região, que identificaram uma movimentação estranha no local.

Qual a ligação de Adriano com Flávio Bolsonaro?
O ex-policial foi citado na investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro que apura se houve "rachadinha" no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual. Segundo o MP-RJ, contas de Adriano foram usadas para transferir dinheiro a Fabrício Queiroz, então assessor de Flávio e suspeito de comandar o esquema de devolução de salários.

Queiroz e Adriano trabalharam juntos no 18º Batalhão da PM. Foi por meio de Queiroz que familiares de Adriano foram contratados como assessores no gabinete de Flávio: a mulher do ex-capitão, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, de 2007 até novembro de 2018, e a mãe dele, Raimunda Veras Magalhães, de abril de 2016 a novembro de 2018.

Há outras ligações entre os Bolsonaro e Adriano?
Em 2005, enquanto estava preso preventivamente pelo homicídio de um guardador de carros, Adriano foi condecorado por Flávio com a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Assembleia Legislativa do Rio. Flávio já havia homenageado o ex-policial dois anos antes. O então deputado estadual apresentou uma moção de louvor em favor de Adriano.

Bolsonaro afirmou que ao filho que condecorasse o ex-capitão, que, segundo ele, à época era um herói.

Adriano também foi defendido por Bolsonaro, então deputado federal, em discurso na Câmara dos Deputados, em 2005, por ocasião da condenação por homicídio. O ex-capitão seria absolvido depois em novo julgamento.

Bolsonaro disse que conheceu Adriano pessoalmente em 2005, mas que não teve contato com ele depois disso.

Qual a ligação de Adriano com o caso Marielle?
Os acusados pelo Ministério Público pela morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, são o policial reformado Ronnie Lessa (suspeito de ser o autor dos disparos) e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz (suspeito de dirigir o carro). A polícia investiga se há relação de Lessa com uma quadrilha de matadores da qual Adriano é suspeito de fazer parte.

Há suspeita de "queima de arquivo"?
O advogado de Adriano, Paulo Emilio Catta Preta, disse que seu cliente temia ser morto como "queima de arquivo". Dias antes da morte, a polícia dos dois estados já haviam tentado prendê-lo em um condomínio de luxo na Costa do Sauipe, mas ele fugiu. Depois disso, ligou para o advogado dizendo que estaria morto se a polícia o encontrasse ou caso se entregasse. Contrariando a polícia, a família diz que ele estava em condições precárias de fuga e não estava armado ao ser preso.

Laudo da polícia técnica baiana apontou que Adriano foi morto com dois tiros no peito. O escudo utilizado pelos PMs na ação tem sinais de impacto, e uma perícia avaliará se o equipamento foi alvo de balas.

A revista Veja obteve fotos do corpo do ex-PM após passar por autópsia e pediu que legistas analisassem as imagens. Os médicos fizeram ressalvas de que estavam avaliando apenas fotos, e não o corpo, mas disseram que há sinais de que os tiros que o atingiram podem ter sido disparados de distâncias muito curtas.

O miliciano estava sozinho em um terreno cercado. Moradores disseram à Folha que a operação foi rápida, com barulho de tiros por pouco tempo. A reportagem foi ao local da morte e identificou apenas uma marca de bala dentro da casa, em uma janela de madeira, seguindo a trajetória de dentro para fora.

O que ele poderia esclarecer?
Adriano poderia esclarecer se houve e como funcionava o esquema da "rachadinha" de Flávio Bolsonaro.
Também poderia explicar de onde vinha sua relação com o hoje senador Flávio, a ponto de ter sido homenageado por ele, e se essa relação significa um elo mais amplo entre os Bolsonaro e as milícias do Rio.

O ex-PM poderia ainda esclarecer eventual envolvimento da milícia na morte de Marielle, bem como fornecer informações à polícia sobre a operação e o alcance dos milicianos no Rio de Janeiro.

Contudo, nenhum comparsa do ex-PM, ou os acusados na morte da vereadora, demonstraram desejo de fornecer informações —o que leva investigadores a crer que Adriano também não colaboraria.

De que crimes Adriano já foi acusado?
Ele foi expulso da PM em 2014 pela ligação com jogo de máquinas caça-níqueis, mas esteve preso três vezes como policial. A primeira prisão foi em 2004 pelo homicídio do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, 24. Ele chegou a ser condenado em 2005, mas recorreu e terminou absolvido em 2007.

No ano seguinte, foi preso pela tentativa de assassinato do pecuarista Rogério Mesquita, mas foi solto após o fim do prazo da prisão temporária. Em 2011, voltou a ser preso e solto por esse crime. Acabou inocentado por falta de provas.

Perguntas sem resposta

  • Por que Adriano estava escondido na Bahia?
  • Por que Leandro Guimarães deu abrigo a Adriano em sua fazenda?
  • Por que Adriano deixou a fazenda de Leandro para se esconder no sítio de Gilsinho? Ele ficou sabendo que a polícia planejava uma operação? Se sim, como?
  • A casa onde Adriano foi morto tinha um colchonete, alguns móveis e alimentos, sinais de que pode ter sido preparada para receber alguém. Alguém ajudou Adriano a se esconder?
  • Se Adriano estava em um terreno cercado e com chances mínimas de fuga, por que a polícia, em vez de invadir a casa, não fez um cerco, reduzindo as chances de confronto e morte?
  • Se a Secretaria de Segurança Pública da Bahia vai investigar as circunstâncias da morte, ​por que o local onde Adriano foi morto não foi protegido ou isolado, evitando contaminação?
  • Qual a real extensão do relacionamento entre Adriano e a família Bolsonaro?
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