Justiça inocenta vereador por compartilhar montagem que comparou Doria a Hitler

Órgão derrubou sentença de 1ª instância que obrigava Camilo Cristófaro a pagar indenização de R$ 50 mil; cabe recurso

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), teve uma derrota no processo que move contra o vereador da capital Camilo Cristófaro (PSB) por causa de um vídeo compartilhado pelo parlamentar que retrata o tucano como Adolf Hitler. A montagem foi divulgada em redes sociais durante a campanha eleitoral de 2018.

Na última quarta-feira (12), desembargadores do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) resolveram derrubar uma decisão de primeira instância que dava ganho de causa a Doria e obrigava Cristófaro a publicar retratação e a pagar R$ 50 mil de indenização por dano moral.

Por 3 a 0, os membros da 5ª Câmara de Direito Privado declararam improcedente o pedido de reparação feito pelo governador e consideraram que o vereador apenas exerceu o direito à liberdade de expressão, sem praticar ofensa. A defesa do tucano diz que entrará com recurso.

O vídeo é uma montagem feita sobre uma cena do filme "A Queda! As Últimas Horas de Hitler" que costuma ser usada em memes por causa da reação enfurecida do protagonista. No trecho, falado em alemão, legendas em português foram inseridas para criticar Doria, que na época disputava o governo paulista.

Mensagens colocadas na tela sugerem se tratar de uma "reunião de urgência" no escritório do tucano. Quando o ator que interpreta Hitler surge, ele é identificado como "Doria Jr.". A logomarca do PSDB aparece na parede, e um mapa manuseado pelos atores exibe nomes de cidades paulistas.

Outros dois personagens são apresentados na tela como Rodrigo Garcia (DEM), então candidato a vice-governador, e o ex-ministro e ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), aliado da chapa. Na cena original, os homens são oficiais alemães que alertam Hitler sobre a iminente derrota na Segunda Guerra Mundial.

Na versão falsa, de 1min1s, Doria é descrito como mentiroso e informado que "um dos seus apelidos é Pinóquio". O texto também diz que o então postulante ao Palácio dos Bandeirantes está sendo xingado em redes sociais e chamado de "prefake" —ele deixou a prefeitura para disputar o governo.

Na primeira instância, a juíza Leila Hassem da Ponte, da 25ª Vara Cível da capital, concordou em agosto de 2018 com o argumento do tucano de que o teor foi ofensivo a ele. Ela avaliou que o vídeo comparou Doria ao ditador nazista e que isso poderia acarretar a ele prejuízos irreparáveis.

A magistrada determinou que Cristófaro apagasse o conteúdo de sua página no Facebook, o que foi feito. Também mandou o vereador postar em sua página a íntegra da sentença em que foi condenado, além de pagar a indenização. O governador tinha a intenção de doar os R$ 50 mil.

Trecho de vídeo com montagem que retrata o governador João Doria (PSDB) como Adolf Hitler. Vereador Camilo Cristófaro foi condenado em primeira instância por postar conteúdo, mas inocentado na segunda.
Trecho de vídeo com montagem que retrata Doria como Hitler; logomarca do PSDB foi inserida na imagem - Reprodução

A defesa do vereador, então, entrou com recurso e conseguiu êxito na segunda instância. O acórdão diz que não houve intenção de macular a figura de ​Doria e que o filme "não causou danos à honra e à imagem" dele "nem lhe acarretou prejuízos eleitorais, já que venceu as eleições".

Para os desembargadores, "embora de gosto duvidoso", a gravação não atrela a imagem de Doria "à figura do ditador Hitler, mas apenas representa uma sátira à campanha eleitoral, fazendo críticas bem-humoradas a respeito do que, na opinião do autor [Cristófaro], reflete a posição do eleitorado".

Eles consideraram ainda que o vídeo não atribui ao tucano "as mesmas práticas do ditador", como "as indescritíveis atrocidades e crimes", apenas faz críticas "à sua campanha eleitoral em tom jocoso". Afirmaram também que quem entra na carreira política está mais vulnerável à exposição pública.

Ao reformar a sentença, os membros do colegiado recomendaram que o vereador não poste o material novamente, "pois as eleições se encerraram há muito tempo, e o direito à liberdade de expressão do pensamento já foi suficientemente exercido no momento da postagem do vídeo".

À Folha Cristófaro disse que a decisão de agora mostra que "o Tribunal de Justiça de São Paulo não se enverga diante de ninguém" e negou a autoria da montagem.

"O tribunal só cumpriu a lei. Eu não comparei ele [Doria] a Hitler, eu simplesmente repostei um material que estava mundialmente espalhado nas redes sociais", afirmou.

O vereador da capital Camilo Cristófaro (PSB-SP), que é detrator de Doria e virou alvo de processos do tucano - Karime Xavier - 5.out.2016/Folhapress

Renato Opice Blum, advogado de Doria, disse que a defesa recorrerá ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). "A vinculação a um ditador é uma ofensa grave. O ponto crucial aqui é que se trata de Hitler. Não pode ser algo visto como jocoso ou mero exercício de liberdade de expressão."

Segundo Blum, "é curioso" que a segunda instância do TJ-SP tenha entendido não haver problema na conduta de Crisófaro, mas ao mesmo tempo recomendado que ele evite publicar o vídeo de novo. "O caso enseja um debate mais aprofundado, por isso vamos às cortes superiores."

Detrator do tucano, o vereador é processado por Doria por causa de outros ataques. Em uma das ações, foi condenado em 2018 a indenizar o adversário em R$ 90 mil por se referir a ele na internet com termos como "mentiroso", "aproveitador", "crápula", "carreirista", "oportunista", "enganador", "fanfarrão" e "corrupto".

Cristófaro teve o mandato cassado pela Câmara Municipal de São Paulo em março do ano passado, após decisão da Justiça Eleitoral. O parlamentar, no entanto, reassumiu o cargo um dia depois, após obter liminar favorável do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Ele quase perdeu a cadeira porque foi denunciado, em junho de 2018, por fraude eleitoral na captação de recursos de campanha. O vereador nega as acusações.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.