Justiça manda repor correntes destruídas por deputado em rodovia fechada por índios

Indígenas bloqueiam BR-174, entre Amazonas e Roraima, diariamente

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Ribeirão Preto

A Justiça Federal determinou que a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o governo federal recoloquem as correntes de controle de tráfego na BR-174 que foram retiradas por um deputado e que cortam a terra indígena vaimiri-atroari, entre Amazonas e Roraima.

Nesta sexta-feira (28), o deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR), quebrou e levou embora uma corrente usada pelos índios para controlar o acesso noturno à terra indígena. Ele usou uma motosserra, um alicate e gravou um vídeo dirigido ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Diariamente, às 18h30, índios da etnia vaimiri-atroari nos dois estados pegam correntes e interrompem o tráfego de veículos num trecho de 125 km da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista.

Caminhoneiros aguardam abertura de trecho da BR-174 em Rorainópolis (RR)
Caminhoneiros aguardam abertura de trecho da BR-174 em Rorainópolis (RR) - Danilo Verpa - 16.mar.17/Folhapress

O mecanismo foi criado na década de 1970 pelo Exército como forma de proteger motoristas de possíveis ataques dos indígenas. A prática se perpetuou e, com a conclusão do asfaltamento na década de 90, o controle das barreiras passou a ser feito pelos próprios índios, que fecham a rodovia por 11 horas diariamente.

O tráfego é proibido para caminhões e carros de passeio até as 5h30 do dia seguinte. Veículos com carga perecível passam até as 22h. Já os com carga viva, de emergência (ambulâncias) e ônibus não têm restrição.

“Essa corrente nunca mais vai deixar o meu Estado isolado. Presidente Bolsonaro, é por Roraima, é pelo Brasil. Não a favor dessas ONGs que maltratam meu estado”, disse o deputado, que serrou a base de madeira usada para prender a corrente.

Não foi esse o entendimento da decisão judicial, proferida pelo juiz federal Felipe Bouzada Flores Viana, da 2ª Vara Federal, no exercício da jurisdição na 1ª Vara.

Segundo ele, União e Funai também terão de adotar medidas para evitar atentados aos serviços de controle territorial no trecho que cruza a terra indígena vaimiri-atroari, incluindo os postos de vigilância utilizados pelos índios.

Determina, ainda, que servidores (agentes ou policiais) sejam destacados para “assegurar a manutenção da ordem tendente a impedir a prática de novos atos de usurpação da função jurisdicional no que diz respeito à permanência das correntes, pelo período que se mostrar necessário”.

Os indígenas já recolocaram correntes no local e fizeram um protesto neste sábado (29).

O deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR) serra o tronco e corta a corrente que bloqueava o acesso à BR-174
O deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR) serra o tronco e corta a corrente que bloqueava o acesso à BR-174 - Divulgação

EMBATE

O fechamento da rodovia é combatido por políticos de Roraima, caminhoneiros e produtores rurais, que buscam a abertura em tempo integral há muitos anos. Entidades indigenistas, porém, defendem a prática dos vaimiri-atroari, etnia que quase foi dizimada entre as décadas de 70 e 80.

Os índios defendem que o objetivo do fechamento diário é evitar atropelamentos de animais como onças, jacarés, queixadas, cobras, macacos, pacas, antas e tatus, entre outros, e permitir que possam caçar à noite.

Dados de associações indígenas apontam as mortes de, em média, 80 animais por mês atualmente no trecho rodoviário, que não tem acostamento e fica em meio a mata fechada. Há pedidos em placas para que motoristas não parem os carros, nem filmem ou fotografem.

Construída e controlada pelo Exército a partir dos anos 70, a BR-174 tem 780 km de extensão entre as duas capitais. Dos 125 km que cortam a terra indígena, pouco mais de 70 km ficam em Roraima e o restante, no Amazonas.

Os vaimiri-atroari são um povo indígena com mais de 2.000 pessoas, que vivem numa área de 2,58 milhões de hectares (3,61 milhões de campos de futebol padrão Fifa).

Dados do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) apontam para a existência de 3.000 índios à época da construção da estrada, número que caiu para 332 em 1983. A terra indígena foi homologada por decreto do ex-presidente José Sarney (MDB) em 1989, com exclusão da faixa de domínio da BR-174.

 

Reportagem da Folha na rodovia, em 2017

MASSACRE

Conforme o Cimi, o fechamento diário da rodovia contribui para o crescimento populacional da etnia e deve ser mantido, como forma de garantir segurança dos indígenas e proteger os animais.

Segundo entidades indigenistas, os índios não foram ouvidos quando a rodovia surgiu. O caso foi levado em 2014 à Comissão Nacional da Verdade por eles, que afirmaram que morreram famílias inteiras após serem atingidas por bombas lançadas de aviões e por incêndios em aldeias nos anos 70, à época da abertura da BR-174.

Ainda conforme a decisão judicial, o povo vaimiri-atroari deve ser notificado para que evite “a adoção de medidas mais enérgicas e, principalmente, para que não aumentem o período de bloqueio da BR-174”.

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