Presidente e relatora da CPI das fake news reagem a ataques a jornalista da Folha

Testemunha mentiu a comissão parlamentar, e Eduardo Bolsonaro difundiu ofensas e fez insinuações

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Brasília

As duas principais autoridades da CPMI (comissão parlamentar mista de inquérito) das fake news reagiram nesta terça-feira (11) às acusações e mentiras de um ex-funcionário da Yacows, agência de disparos em massa pelo WhatsApp, contra a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha.

Em depoimento concedido na condição de testemunha aos membros da CPMI, Hans River do Rio Nascimento acusou Patrícia de ter usado falsas alegações para obter informações sobre a atuação da empresa, além de ter feito outros ataques à jornalista.

Ex-funcionário de empresa de disparos em massa, Hans Nascimento (à dir.) presta depoimento nesta terça (11) na CPMI das Fake News
Ex-funcionário de empresa de disparos em massa, Hans Nascimento (à dir.) presta depoimento nesta terça (11) na CPMI das Fake News - Jane de Araújo/Agência Senado

Questionado após a sessão sobre as mentiras envolvendo Patrícia, o presidente da CPMI, senador Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que as acusações de Nascimento serão verificadas. "Se ele precisar ser indiciado, eu não tenho dúvida que, na relatoria, vai ter a sugestão de indiciamento para que o Ministério Público possa, com isso, abrir processo ou não”.

Ele criticou ainda a testemunha por ter feito as declarações sem a presença da jornalista. “Acusar alguém quando esse alguém não está presente não é um ato de coragem, é um ato de covardia”, afirmou.

A relatora da CPMI, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), viu incoerências e falhas no depoimento de Hans, como o fato de ele não se lembrar do período em que trabalhou na Yacows e a afirmação de que teria trabalhado na campanha do deputado Rui Falcão (PT-SP).

“Depois, fez ataques inaceitáveis à jornalista Patrícia, e de baixo nível, que eu fui obrigada a me referir porque não posso aceitar esse tipo de tratamento no que diz respeito às mulheres”, criticou.

“Acho que ele mostrou como trabalhava lá...tem a afirmação que estava na matéria de Patrícia [sobre uso de CPFs por empresas que faziam disparo em massa pelo WhatsApp] e que ele confirmou. Então ele confirma o centro da denúncia, que é contra a empresa e que está na Folha de S.Paulo, dado escrito por Patrícia, e depois tenta desqualificá-la em todo o resto”, afirmou a relatora. 

“Utilizando como se todos os problemas que ele enfrentasse hoje foi porque deu essa entrevista, num posicionamento dessa natureza”.

Autor do requerimento que convocou Hans, o deputado Rui Falcão afirmou que o ex-funcionário da Yacows foi "industriado" à CPMI. "Deu um depoimento falando inclusive que fez campanha para deputado em SP que é vereador e não foi candidato", criticou. 

No depoimento, Hans mentiu e insultou a repórter da Folha, uma das autoras da reportagem.

"Quando eu cheguei na Folha de S.Paulo, quando ela [repórter] escutou a negativa, o destrato que eu dei e deixei claro que não fazia parte do meu interesse, a pessoa querer um determinado tipo de matéria a troco de sexo, que não era a minha intenção, que a minha intenção era ser ouvido a respeito do meu livro, entendeu?", disse Hans.

Ele trabalhou para a Yacows, empresa especializada em marketing digital, durante a campanha eleitoral de 2018. 

Em dezembro daquele ano, reportagem da Folha, baseada em documentos da Justiça do Trabalho e em relatos de Hans, mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.

Na ocasião, a Folha falou diversas vezes com Hans, que também era autor da ação trabalhista. Nas primeiras conversas, ocorridas a partir de 19 de novembro e gravadas, ele disse que não sabia quais campanhas se valeram da fraude, mas reafirmou o conteúdo dos autos e respondeu a perguntas feitas pela reportagem.

No dia 25, ele mudou de ideia após fazer acordo com a antiga empregadora, o que foi registrado no processo no dia 27. "Pensei melhor, estou pedindo pra você retirar tudo que falei até agora, não contem mais comigo", disse, em mensagem de texto à reportagem. Dias antes, a Folha havia procurado a Yacows para solicitar esclarecimentos sobre o caso.

Hans foi convocado pelo deputado Rui Falcão (PT-SP) a prestar depoimento na comissão parlamentar mista de inquérito do Congresso, formada por deputados e senadores, que investiga a disseminação de notícias falsas na eleição.

Nesta terça, ele deu informações falsas à CPI e insultou Patrícia Campos Mello, uma das autoras da reportagem sobre o uso fraudulento de nomes e CPFs para permitir o disparo de mensagens.

"Quando eu cheguei na Folha de S.Paulo, quando ela [repórter] escutou a negativa, o distrato que eu dei e deixei claro que não fazia parte do meu interesse, a pessoa querer um determinado tipo de matéria a troco de sexo, que não era a minha intenção, que a minha intenção era ser ouvido a respeito do meu livro, entendeu?", disse Hans no Congresso.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, aproveitou a fala de Hans para difundir ofensas e fazer insinuações contra a repórter da Folha, tanto no Congresso como em suas redes sociais. 

"Eu não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro. Ou seja, é o que a Dilma Rousseff falava: fazer o diabo pelo poder", afirmou Eduardo.

Celulares usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa - Reprodução

O Código Penal estipula que fazer afirmação falsa como testemunha em processo judicial ou inquérito é crime, com pena prevista de dois a quatro anos de reclusão, além de multa. Na condição de testemunha, Hans se comprometeu em falar a verdade à comissão. O regimento do Senado diz que a inquirição de testemunhas em CPIs segue o estabelecido na legislação processual penal.

"Acusar alguém quando esse alguém não está presente não é um ato de coragem, é um ato de covardia", afirmou o senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI das Fake News, após as declarações de Hans.

"Comprovando que houve mentira, nós podemos indicar o seu indiciamento, uma abertura de inquérito, porque mentira numa CPMI é crime. Ele teve diversas incoerências", disse Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da CPMI das Fake News. 

Em nota, a Folha rebateu os ataques a seu jornalismo na CPMI das Fake News. 

“A Folha repudia as mentiras e os insultos direcionados à jornalista Patrícia Campos Mello na chamada CPMI das Fake News. O jornal está publicando documentos que mais uma vez comprovam a correção das reportagens sobre o uso ilegal de disparos de redes sociais na campanha de 2018. Causam estupefação, ainda, o Congresso Nacional servir de palco ao baixo nível e as insinuações ultrajantes do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)." ​

"A ilação de que a jornalista teria sugerido a troca de matéria por sexo causa danos a ela, não apenas porque se trataria de um desvio de natureza ética da profissão como também por atingir sua condição feminina", disse Taís Gasparian, advogada da Folha. "Na medida em que provoca danos, cabe a reparação."

Em nota, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) criticou Eduardo Bolsonaro. "É assustador que um agente público use seu canal de comunicação para atacar jornalistas cujas reportagens trazem informações que o desagradam, sobretudo apelando ao machismo e à misoginia."

Colaborou Angela Boldrini

 
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