Após resistências, acordo com Bolsonaro por verbas do Orçamento volta ao Congresso

Congressistas devem retomar nesta quarta-feira (4) votação de vetos do presidente

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Brasília

Para evitar retaliações futuras em propostas de interesse do governo, como as reformas tributária e administrativa, o presidente Jair Bolsonaro cedeu e enviou ao Congresso projetos de lei que regulamentam o Orçamento impositivo e deixam com parlamentares a palavra final sobre R$ 15 bilhões.

O envio dos textos faz parte da tentativa de um novo acordo que começou a ser costurado por articuladores do governo e líderes partidários na noite de segunda-feira (2). 

As negociações se estenderam até esta terça (3), mas, à noite, os congressistas decidiram adiar a votação sobre os vetos do presidente para esta quarta (4) e sobre os projetos que detalham a distribuição dos recursos apenas para a semana que vem.

O presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), explica aos deputados e senadores o acordo feito entre Senado e Câmara para adiar a análise do veto presidencial ao Orçamento - Pedro Ladeira/Folhapress

Apesar do entendimento firmado entre a cúpula do Congresso e o governo, uma ala de parlamentares expressou descontentamento com os textos enviados por Bolsonaro. 

A concessão feita pelo presidente também desagradou apoiadores dele, que passaram a disparar mensagens criticando um possível acerto. 

Uma das imagens que circulou trazia a frase "Inacreditável —Bolsonaro dá uma banana para os movimentos de rua e faz acordo com o Congresso". 

Numa postagem em que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou o acordo, apoiadores do presidente também repudiaram a negociação. 

Em resposta à pressão de parte de sua base, Bolsonaro negou ter feito qualquer negociação com o Congresso. "A proposta orçamentária original do governo foi 100% mantida", escreveu em uma rede social.

Os projetos enviados ao Congresso são uma tentativa de destravar um impasse com o Legislativo que já dura duas semanas e envolve o controle de R$ 30,1 bilhões de recursos deste ano. 

O governo encaminhou três textos que regulamentam o Orçamento impositivo, instrumento criado em 2015 para obrigar o Executivo a pagar emendas de parlamentares —e que virou alvo de disputa neste ano após a tentativa de congressistas de gerir mais verbas.

De acordo com cálculos de técnicos do Congresso, a proposta de Bolsonaro mantém nas mãos dos parlamentares os R$ 15 bilhões realocados do Orçamento e devolve ao Planalto a execução do restante, outros cerca de R$ 15 bilhões. 

Os textos dão ao governo autonomia para contingenciar o valor nas mãos do Parlamento, conforme a necessidade fiscal. Na prática, porém, o Executivo pode controlar o ritmo de liberação dos recursos, mas não alterar sua destinação, como transferir para outros ministérios.

Esse ponto é uma das principais mudanças em relação ao trato que havia sido construído com o Congresso antes do Carnaval e que foi duramente criticado por auxiliares de Bolsonaro. 

A nova tentativa de acordo ocorreu após o governo perceber que a manutenção do veto poderia levar a uma reação do chamado centrão --que reúne partidos como MDB, PP, DEM, Republicanos, Solidariedade e PL--, afetar a tramitação de reformas e ainda provocar retaliação em projetos de interesse do Executivo.

Chegou ao governo a informação de que congressistas inclusive poderiam levar adiante processos contra os filhos do presidente —o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ).

Na Câmara, o Conselho de Ética marcou para esta quarta-feira (4) a apreciação de uma representação contra Eduardo. Ele é acusado pelo próprio PSL de quebra de decoro por ter feito críticas ao partido.

A intenção dos congressistas que aceitaram o acordo é deixar o governo definir as regras de execução para anular a narrativa de que o Congresso chantageia o Palácio do Planalto, como externou o general Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

A declaração estimulou apoiadores a convocarem para o próximo dia 15 atos contra o Congresso e em defesa de Bolsonaro. 

Durante o Carnaval, o presidente chegou a compartilhar com amigos e aliados um vídeo convocando para as manifestações. A atitude elevou a tensão entre Executivo e Legislativo e congelou a discussão sobre o Orçamento.

O governo queria evitar que os congressistas ficassem responsáveis pela alocação dos R$ 30,1 bilhões. Quase metade desse montante é de gastos básicos dos ministérios. A outra metade são investimentos.

Pelo novo trato fechado, dos R$ 15 bilhões que ficarão nas mãos do Congresso, a Câmara controlaria R$ 10 bilhões e o Senado ficaria com os R$ 5 bilhões restantes.

Após o envio dos projetos pelo governo, Alcolumbre e Maia chegaram juntos ao Congresso, mas apenas o presidente do Senado falou. 

O senador, que foi o principal fiador do novo entendimento, defendeu que o gesto do Executivo dava "ao Parlamento também a tranquilidade de manter o veto do governo".

Ele rebateu ainda críticas de que o Congresso fomenta um "parlamentarismo branco" no país. 

"Ao contrário, queremos fortalecer o Executivo, fortalecer o Judiciário, fortalecer o Parlamento. Isso eu tenho pregado sempre, o fortalecimento das instituições é o fortalecimento da democracia."

O silêncio de Maia foi interpretado por parlamentares como a forma de o presidente da Câmara expressar seu descontentamento com a condução do acordo.

No Senado, o MDB, maior bancada da Casa, com 14 parlamentares, decidiu por unanimidade apoiar a manutenção dos vetos.

Alguns emedebistas, como o senador Renan Calheiros (AL), levaram em conta questões locais. 

Renan não quer que um de seus principais adversários em Alagoas, o líder do PP na Câmara, Arthur Lira, tenha ingerência sobre tantos recursos por causa de sua influência junto ao relator, o deputado Domingos Neto (PSD-CE).

O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), deu sinais de distensionamento ainda pela manhã, quando articulou para que seu projeto que define uma nova política de valorização do salário mínimo fosse retirado da pauta da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos).

A matéria é vista como uma pauta-bomba pois altera a proposta do governo de corrigir o mínimo apenas pela inflação. 

O texto de Braga propõe que o reajuste do salário mínimo seja feito com base na expectativa de inflação anual estabelecida na LDO mais a taxa de crescimento do PIB per capita. 

O relator da matéria na comissão, senador Confúcio Moura (MDB-RO), pediu mais tempo para a votação sob o argumento de que precisava analisar as emendas recebidas.

Ainda no Senado, os integrantes do grupo chamado "Muda, Senado!", com 22 senadores que se declaram independentes, criticaram o acordo e defenderam que os R$ 30,1 bilhões ficassem com o Executivo. Na Câmara, o clima ainda era mais hostil ao trato. 

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