Congresso discute retaliação após conduta de Bolsonaro e ligação de isolamento a golpe

Parlamentares articulam mecanismos para remanejar verbas de órgãos da Presidência para reforçar combate ao coronavírus

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Brasília

Um dia após afrontar Legislativo e Judiciário ao engrossar manifestações em apoio ao governo e com ataques aos outros Poderes, o presidente Jair Bolsonaro se disse ameaçado pela cúpula do Congresso, afirmou estar em uma "luta de poder" e que o isolamento dele "seria um golpe".

Diante da escalada, ganha força entre parlamentares movimento para usar a narrativa do coronavírus como forma de retaliar o Executivo.

Jair Bolsonaro na portaria do Palácio da Alvorada nesta segunda-feira (16)
Jair Bolsonaro na portaria do Palácio da Alvorada nesta segunda-feira (16) - Adriano Machado/Reuters

Em meio à disputa, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, se reuniram na tarde desta segunda (16) sem Bolsonaro para discutir ações contra a doença —o governo federal foi representado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Bolsonaro deu entrevista por telefone à Rádio Bandeirantes, após ser criticado por Maia e Alcolumbre por ter participado de atos que atacaram o Congresso e o STF.

Ao apresentador José Luiz Datena, o presidente disse "viver ameaçado o tempo todo". "Seria um golpe isolar o chefe do Poder Executivo por interesses outros que não sejam os republicanos", afirmou.

Na avaliação dele, há motivação política nas críticas feitas por Maia e Alcolumbre à sua ida aos atos. O presidente contrariou recomendações do Ministério da Saúde para evitar aglomerações, manteve contato com apoiadores e chamou de "histeria" a reação contra o coronavírus.

"Não dá para querer jogar nas minhas costas uma possível disseminação do vírus", disse o presidente. "Se eu me contaminei, isso é responsabilidade minha, ninguém tem nada a ver com isso."

Bolsonaro ainda descartou haver base para a abertura de processo de impeachment por sua conduta. "Eu não abuso e não tenho qualquer envolvimento com corrupção. E terceiro: um impeachment só pode haver, no meu entender, se o povo estiver favorável a isso. Não existe nenhum ingrediente no tocante a isso daí."

O presidente disse também que, "se a economia afundar, afunda o Brasil". "E qual o interesse dessas lideranças políticas? Se acabar economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo. É uma luta de poder", completou.

Após as duras críticas a Bolsonaro, a cúpula do Congresso tomou a decisão de, publicamente, colocar panos quentes nos embates com o Executivo.

Maia, que no domingo (15) acusou o presidente de fazer pouco caso da pandemia, adotou tom conciliador nesta segunda; disse que era "olhar para o problema do povo".

Senador Davi Alcolumbre, o ministro Luiz Henrique Mandetta, o ministro Dias Toffoli e Rodrigo Maia, em encontro nesta segunda (16)
Senador Davi Alcolumbre, o ministro Luiz Henrique Mandetta, o ministro Dias Toffoli e Rodrigo Maia, em encontro nesta segunda (16) - Pedro Ladeira/Folhapress

No bastidor, porém, uma ala de congressistas já prepara uma reação, irritada com apoiadores do presidente que desejam destinar os fundos eleitoral e partidário para combater o coronavírus. O primeiro, para financiar campanhas políticas, foi alvo de disputa entre Executivo e Legislativo no início do ano.

Congressistas disseram ter identificado de imediato a estratégia de Bolsonaro. Para eles, o presidente começou a construir uma narrativa de que haveria um movimento para tirá-lo do cargo, uma maneira de se vitimizar.

A avaliação entre líderes no Congresso é que não se pode cair na armadilha de Bolsonaro, embora também considerem que não há clima para defender o impeachment.

A polarização persiste no país, e o chefe do Executivo poderia inflamar o discurso de que os que querem sua saída defendem a volta do PT.

Cientes desse movimento, que ocorre em ano eleitoral, deputados começaram a discutir com Maia mecanismos para propor, em contrarreação, um remanejamento de recursos de órgãos como a Secretaria de Comunicação Social, Defesa e até do cartão corporativo da Presidência.

O presidente da Câmara determinou que o corpo técnico do Legislativo estude como viabilizar a ideia. Uma decisão, porém, ainda não foi tomada.

Para líderes, é preciso definir um novo limite no relacionamento com o Executivo. Contudo, uma resposta mais enfática deveria vir após a crise do coronavírus.

Dirigentes partidários e congressistas têm dificuldade em interpretar as ações de Bolsonaro. Para eles, o presidente dobra a aposta no conflito para mais uma vez criar uma cortina de fumaça sobre os resultados negativos da economia, que será fortemente afetada pelo avanço da Covid-19.

O presidente tem minimizado o impacto do coronavírus no país. Segundo ele, a epidemia na China, considerada o epicentro da doença, está "praticamente acabando". O país asiático teve até agora 81 mil casos confirmados —3.204 pessoas morreram. No mundo, são 6.513 mortos.

"Foi surpreendente o que aconteceu na rua. Até com esse superdimensionamento [da doença]. Tudo bem que vai ter problema. Vai ter. Quem é idoso e está com problema ou deficiência. Mas não é isso tudo que dizem", afirmou.

Em outro sentido, Maia expressou preocupação em manter a Câmara funcionando o mais perto da normalidade possível, diante de restrições impostas pelo vírus.

Segundo interlocutores, o presidente da Casa não quer abrir espaço para que o Executivo governe via medida provisória —em razão de seu efeito imediato com força de lei. Maia sugeriu que acordos fossem pactuados por WhatsApp e que a votação em plenário ocorresse de forma simbólica.

A decisão teria respaldo de partidos de oposição, como o PT, que sinalizou que vai ajudar a dar apoio nas votações simbólicas para aprovar as medidas de consenso.

A legenda teria concordado em respaldar, por exemplo, projetos como a Lei das Falências e a proposta que amplia o limite para empréstimo consignado tomado por aposentados e pensionistas.

Em outra frente, congressistas buscam uma solução junto ao Ministério da Economia para tentar direcionar recursos ao combate do coronavírus.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), do Muda, Senado!, pediu, em reunião com o ministro Paulo Guedes, a reabertura da janela de remanejamento de emendas. "Tenho um estoque de R$ 16 milhões de emendas individuais, quero usar R$ 4 milhões para que o governo do estado [de Sergipe] tenha condições de combater o coronavírus."

Para ele, há no Congresso a tentativa de validar um discurso de necessidade de aprovação dos projetos de lei sobre coronavírus enviados pelo Executivo como contrapartida à manutenção de vetos presidenciais há duas semanas.

Os projetos fariam parte de um acordo segundo o qual o Congresso ficaria com R$ 15 bilhões dos R$ 30,8 bilhões em disputa com o Executivo.

"É falta de respeito com o cidadão brasileiro tentar informar que a votação vai conseguir resolver problema. Ninguém precisa votar nada correndo, o governo já enviou a medida provisória com a destinação do dinheiro para o coronavírus. É uma manobra política de baixo nível", diz Vieira.

Congressistas reclamam que Guedes não entende como funcionam as emendas de relator. Para eles, retirar todo o dinheiro das emendas e destiná-lo à saúde significaria deslocar recursos de outros ministérios e prefeituras.

As emendas de relator destinam, por exemplo, R$ 700 milhões ao Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) para a reconstrução de rodovias federais. Deputados lembram que enviar o recurso para a saúde significa deixar outras áreas descobertas.

Há entre os líderes do chamado centrão —bloco formado por partidos como PP, DEM, MDB, Solidariedade e PL— quem esteja descontente com a postura de Maia e do presidente do STF, Dias Toffoli, aos ataques de Bolsonaro ao Congresso. Eles falham ao dar uma resposta amena ao presidente, dizem.

Outros políticos defendem uma aproximação entre Executivo, Legislativo e Judiciário. "Agora não é hora de levantar bandeiras políticas ou muito menos acirrar disputas entre os Poderes", afirmou o presidente do DEM, o prefeito de Salvador, ACM Neto.

"O momento agora exige maturidade e união, o mínimo que dá para esperar do presidente. Obviamente não foi a postura que ele adotou no domingo, espero que mude e assuma a liderança de um ambiente de superação da crise."

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