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Coronavírus leva incerteza a advogados autônomos mas amplia demanda de grandes escritórios

Há ampliação de consultorias empresariais, enquanto suspensão de prazos afeta quem atende população de baixa renda em convênio com Defensoria Pública

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São Paulo

A suspensão dos prazos processuais e a criação do sistema de plantão no Judiciário em razão da pandemia do coronavírus colocam em risco a renda de milhares de advogados autônomos e de pequenos escritórios. Esses não têm contratos fixos e dependem da conclusão dos casos para receber os pagamentos.

Uns dos potenciais afetados são os 47 mil advogados paulistas que atuam na defesa de pessoas de baixa renda, por meio de convênio com a Defensoria Pública estadual. Grande parte desse contingente depende dessa remuneração mensal, mas os valores só são pagos depois do julgamento dos processos.

Já para os grandes escritórios a crise gerada pelo coronavírus tem trazido uma grande demanda de trabalho de consultoria em algumas áreas. Eles chegam a contar com centenas de pessoas, entre sócios e funcionários, mas podem atuar em sistema de trabalho remoto e têm mais estabilidade financeira.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) suspendeu na semana passada, devido à crise do coronavírus, todos os prazos processuais do país (exceto em ações que envolvam a preservação de direitos e de natureza urgente) e instituiu um regime de plantão no Judiciário até 30 de abril —prazo que pode ser prorrogado.

O setor mais comprometido pela crise envolve a assistência jurídica pública gratuita para pessoas que não têm renda suficiente para arcar com as despesas de advogados e custas processuais.

Em São Paulo, essa tarefa primordialmente cabe à Defensoria Pública, instituição que recebe recursos do tesouro estadual, tem autonomia administrativa e funcional e conta com 777 defensores públicos.

Porém esse número não é suficiente para atender à demanda do estado, e por isso a instituição mantém um convênio com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo para que 47 mil advogados possam trabalhar nas causas defendendo as pessoas de baixa renda.

Como a Defensoria só remunera os advogados depois do julgamento dos processos, Luiz Eugênio Marques de Souza, da Comissão de Assistência Judiciária da OAB-SP, estima que a suspensão de atividades no Judiciário por um mês pode impedir pagamentos de até R$ 15 milhões aos advogados vinculados aos convênio.

O cálculo dele tem por base os valores mais recentes de repasses. “O maior problema é que não sabemos por quanto tempo isso ainda vai durar”, afirmou Souza.

Os advogados autônomos e pequenos escritórios não vinculados ao convênio, principalmente aqueles que atuam em áreas do direito não atendidas pela Defensoria, como a trabalhista e a previdênciária, também sentem a ameaça da queda na remuneração.

Só no estado de São Paulo, das 32 mil sociedades de advogados, quase 15 mil são de profissionais que atuam individualmente, segundo a seção de São Paulo da OAB.

Além de não terem condições de dar qualquer previsão para seus atuais clientes, eles consideram que, durante a crise, também cairá a quantidade de novos casos.

A advogada autônoma Daniele Monteiro, que mora em Campinas (SP) e atua em casos trabalhistas e previdenciários, não sabe como vai manter a renda nos próximos meses. “Para quem é advogado de pequeno escritório é complicado, não tenho fundo de reserva, só tenho ações de trabalhadores, só recebo quando os trabalhadores recebem”, disse.

Ela conta que parte das audiências que foram canceladas estavam marcadas havia mais de seis meses. “Meus clientes estão preocupados, me perguntam como vai ficar diante de todos os cancelamentos. É uma angústia dizer que não tenho uma resposta agora, eles têm na gente uma esperança, mas temos que aguardar até uma segunda ordem”, afirmou.

O impacto na entrada de novos processos também já está sendo sentido nos escritórios. “Estamos bem preocupadas, embora a gente tenha uma pequena reserva. Alguns clientes já ligaram pedindo para não fazer pagamentos ou para pagar menos”, conta Bruna Sillos, que tem um escritório com mais uma sócia em São Paulo. “Todos estão inseguros, ninguém consegue assinar nada novo, ninguém quer entrar com nenhuma ação.”

O Conselho Federal da OAB na última semana anunciou que criará um fundo emergencial para receber doações voltadas a advogados em crise financeira. OABs estaduais podem prorrogar prazos de pagamento das anuidades da ordem dos meses de março a maio.

O presidente da OAB de São Paulo, Caio Augusto Silva dos Santos, disse que a entidade está debatendo medidas de apoio financeiro à classe. “Vamos levar essa discussão para os governos específicos no sentido de priorizar linhas de crédito para profissionais da advocacia”, afirmou.

Se por um lado o trabalho está minguando para os pequenos escritórios, nas grandes bancas jurídicas a procura dos clientes por informação sobre como proceder frente à crise se intensificou. Clientes com questões sobre proteção de dados digitais e trabalho remoto (home office, em inglês), revisões contratuais, dúvidas trabalhistas e tributárias são alguns dos exemplos.

O escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof, especializado em direito digital, teve um aumento de trabalho de 40% na área de proteção de dados, segundo o sócio-fundador Renato Opice Blum.

“A área tecnológica está com uma demanda forte. Há questões sobre dados pessoais que podem sofrer vulnerabilidades em função do aumento no número de conexões, sobre a mudança ou implementação de novas medidas para dar mais segurança e sobre a questão mais atual, de dados de saúde”, disse o sócio.

O advogado Flávio Pereira Lima, do escritório Mattos Filho, conta que no momento a preocupação tem sido mapear os possíveis cenários e analisar o efeito da pandemia em cada contrato. Segundo ele, é preciso identificar maneiras de seus clientes cumprirem os contratos, ainda que de forma diferente do que tiver sido inicialmente acordado.

“Em um cenário extremo como esse é preciso mudar a forma de resolução desses conflitos, encontrar soluções em que todos percam menos, negociando com todos os envolvidos nessas cadeias”, afirmou.

O escritório Demarest, por exemplo, criou uma plataforma com conteúdos jurídicos sobre as medidas que vêm sendo tomadas frente à crise e sobre suas repercussões jurídicas. De acordo com a advogada e sócia do escritório Maria Helena Bragaglia, é preciso cuidado na hora de rever um contrato.

“Muita gente já está querendo usar o coronavírus como caso de força maior, para minimizar obrigações, mas isso não é automático”, afirmou Bragaglia.

Já o escritório Lobo de Rizzo organizou uma série de webinars para empresários. Entre os temas abordados estão, além dos impactos trabalhistas e contratuais, também as repercussões no direito de ir e vir das pessoas.

O contato com clientes via palestras online também foi adotado pela banca jurídica Souto Correa. Na manhã de sexta-feira (20), advogados da firma, todos em home office, se revezaram para aconselhar e tirar dúvidas de clientes. Segundo assessoria do escritório, cerca de 300 pessoas acompanharam a webinar no Brasil e no exterior.

Entre os advogados autônomos, Daniele Monteiro também diz estar recebendo dúvidas dos seus clientes sobre quais são seus direitos diante da pandemia e sobre o que os empregadores devem ou não fazer. No entanto, ela não sabe como transformar esse tipo de consulta em renda.

“Como eu vou cobrar por informações que eu envio pelo WhatsApp? Eu não posso pedir para eles irem ao escritório, porque eu mesma não estou indo”, disse Monteiro.

Apesar da incerteza econômica, ela acredita que manter o Judiciário funcionando normalmente não é uma boa opção. Advogados previdenciários que atendem pessoas mais velhas ou sem acesso à internet não teriam opção de se comunicar virtualmente com seus clientes, forçando ambos ao contato social, afirmou.

Maira Machado, que é autônoma e atua em causas de direito criminal e de família, conta que, até 16 de março, ainda tinha audiências, na mesma semana, que ela não sabia se seriam ou não canceladas. Ela conta que até receber a confirmação do cancelamento viveu um impasse.

“Eu tinha quatro testemunhas de defesa para levar, e uma delas era filho de uma enfermeira. Comecei a me preocupar por ter que escolher entre exercer uma defesa efetiva e colocar a saúde das pessoas em risco”, disse.

Para além das testemunhas, a advogada Caroline Marchi, do escritório Machado Meyer, aponta que mesmo dar andamento aos processos eletrônicos pode ser complicado. Ela explica que, com as medidas que estão sendo adotadas pelas empresas, que podem ir desde home office até férias coletivas e individuais, nem sempre é possível ter acesso a documentos ou até mesmo realizar os pagamentos exigidos durante o processo.

Para lidar com a nova rotina, enquanto a crise persistir, cada um tem criado estratégias distintas. A advogada Amanda Claro, que tem um escritório em São Paulo com outras duas advogadas, conta que tem feito reuniões virtuais diárias, sempre no mesmo horário. “Estamos tentando levar o trabalho como se não houvesse suspensão, manter sensação de normalidade, e tentar passar essa tranquilidade para os clientes”, relatou.

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