Em entrevista à Folha, Mourão aponta falta de coordenação em ações finais contra coronavírus

Para vice-presidente, autoridades do país devem deixar individualismo de lado e buscar consenso na pandemia

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Brasília

O vice-presidente, general Hamilton Mourão, 66, diz que é hora de as autoridades deixarem o individualismo de lado no combate ao coronavírus no Brasil e defende um consenso frente à pandemia.

"O fulano está pensando só nisso porque é de direita e o outro só aquilo porque é de esquerda. Não, nós temos de buscar um meio-termo e a igualdade", disse.

"Acho que está havendo uma falta de coordenação das ações no final", declarou sobre a crise entre os governadores e o presidente Jair Bolsonaro.

O general recebeu a Folha em seu gabinete no Palácio do Planalto na sexta-feira (27). Segundo ele, é preciso encontrar um modelo de isolamento que não seja "oito ou oitenta".

Questionado sobre a decisão de Bolsonaro de não mostrar o exame negativo para o vírus, respondeu: "Acho que tem de confiar na palavra do presidente. Seria o pior dos mundos o presidente chegar e declarar que testou e deu negativo e depois aparecer que deu positivo".

O vice-presidente, general Hamilton Mourão, em entrevista à Folha
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, em entrevista à Folha - Romério Cunha/Vice-Presidência

O coronavírus é uma doença séria ou uma gripezinha?
Ele [o vírus] é sério. O presidente, quando fala de gripezinha, é o linguajar dele. Busca passar certo grau de confiança para a população. Aí a turma fica com raiva e quer pular na jugular dele.

O senhor falou que o presidente foi mal interpretado no pronunciamento de terça (24). Ele não é irresponsável em falar em gripezinha, resfriadinho, pedir todos na rua, atacar a mídia?
Sobre a questão da briga do presidente com a mídia e da mídia com o presidente, já houve um momento em que deixou de haver a crítica, sinceramente. Às vezes, vejo jornalistas renomados falando, principalmente na televisão, com raiva. Pelo amor de Deus, não vamos ter raiva.

Como o senhor avalia o papel da mídia na cobertura da pandemia?
A mídia está fazendo o papel dela e está informando.

Por que o senhor diz que o presidente foi mal interpretado?
Porque ele quis explicar as consequências de um "lockdown" drástico e o que ia acontecer na economia. Então apresentou aquela preocupação.

O presidente não deveria ser mais cuidadoso em suas falas?
O presidente tem o jeito dele. Sou vice-presidente do Jair Bolsonaro. Ando na ala dele. Não estou aqui para dizer: "Presidente, muda seu jeito de ser". Não adianta. Ele tem 65 anos.

Bolsonaro foi questionado sobre a avaliação feita pelo senhor do pronunciamento e respondeu que o presidente é ele. O senhor se incomodou?
Em absoluto, ele é o presidente. Falo isso para ele sempre.

O pronunciamento foi discutido com os filhos do presidente. Não incomoda à ala militar a participação deles em reuniões no Planalto sobre a crise? O Carlos é vereador, não tem nenhuma atribuição federal.
É uma família unida, que atravessou problemas ao longo de sua evolução do núcleo familiar e o presidente tem muita confiança nas opiniões deles.

Mas o Carlos sentou à mesa de reunião...
Sentou, mas não abriu a boca. Ele sabe também que não vai abrir a boca porque não tem nenhum papel no governo.

Como tem se protegido contra a doença? Chegou a realizar o teste?
Não fiz o teste porque não tenho sintoma. Estou cumprindo o protocolo do Ministério da Saúde: se tem algum sintoma, faz o teste. Não vou gastar teste comigo se não tenho sintoma.

O presidente não deveria, como fizeram outras autoridades, mostrar o teste dele que diz ter dado negativo, já que é informação de interesse nacional?
Acho que tem de confiar na palavra do presidente. Porque aí seria uma coisa muito, vamos dizer assim, acho que seria o pior dos mundos o presidente chegar e declarar que testou e deu negativo e depois de alguma maneira aparecer o teste dizendo que deu positivo. Isso aí, para mim, seria o pior dos mundos.

Parto do princípio, e isso é uma coisa que é muito cara para nós que viemos do meio militar, a questão que sua palavra tem fé de ofício. A gente só trabalha no meio militar assim. Se eu falei A, é porque é A. A partir do momento em que vou estabelecer uma desconfiança com o subordinado ou com um superior, morre o relacionamento. Acho que, se o presidente disse que deu negativo, OK. Deu negativo.

O senhor mostraria se estivesse no lugar dele?
Acho que é inócuo. A minha palavra vale.

A crise criou um tensionamento maior na relação entre Executivo e Legislativo, pedidos de impeachment. O governo passa pelo seu pior momento?
O relacionamento sempre se pautou de forma distinta de governos anteriores. O governo nunca construiu base. Então tem havido essa rusga e fricção. Aí é óbvio que, agora, nessa questão do coronavírus, todo mundo quer ter seu protagonismo e apresentar-se como "bom, eu fui o cara que contribuí para a solução". Aí, tem de deixar um pouco o individualismo de lado e buscar mais uma vez construir o consenso.

O governo lançou uma campanha publicitária "O Brasil não pode parar". O senhor concorda?
Concordo que o Brasil não pode parar. Talvez agora chegue o momento de, em uma conversa entre a área técnica da medicina e a econômica, buscar posição onde determinadas atividades possam de forma progressiva retomar. Temos um temor de que muita gente desempregada e subempregada de uma hora para a outra fique sem recurso.

Não chegamos ainda ao pico da doença. Neste momento o que é mais importante: proteger a população ou não prejudicar a atividade econômica?
A questão está mal colocada porque está muito no oito ou oitenta. Não é oito ou oitenta. Uma coisa é certa: temos de proteger a população. Em nenhum momento o governo deixou de destacar isso. Mas é óbvio que as características do Brasil são diferentes das de outros países. E isso não pode ser discutido com paixão política. Esse é o problema. O fulano está pensando só nisso porque é de direita e o outro só aquilo porque é de esquerda. Nós temos de buscar um meio-termo e a igualdade.

A paixão política está nos dois lados, não? Como o senhor viu na discussão do presidente com o governador João Doria (São Paulo). Essa paixão também não tem que ser reduzida pelo próprio presidente?
O presidente é atacado duramente. É um conjunto do sistema político dentro do país onde todo mundo coloca que ele está totalmente errado e é um tosco. Não é isso. Ele tem a visão dele e se expressa, vamos colocar assim, de forma clara.

Por que o senhor balançou a cabeça em sinal negativo durante o bate-boca entre Bolsonaro e Doria?
Eu considerei que era totalmente inoportuna aquela discussão. Considerei inoportuno o governador se aproveitar ali para fazer crítica ao presidente. Critica abertamente pela imprensa, mas naquele momento, frente a frente, ele sabia que haveria uma reação. É óbvio que o presidente reage da maneira que ele sabe fazer.

Esse clima de beligerância está prejudicando o enfrentamento da doença?
Acho que está havendo uma falta de coordenação das ações no final. Vamos lembrar que somos uma federação. Aquilo que é do município é do município. Se extrapola o município, aí é do estado. Se extrapola do estado, é da União. Nossos governadores têm de entender os limites e buscar uma coordenação com o governo federal.

Pela sua experiência na área militar, qual é a melhor forma de combater a pandemia?
São três coisas. Primeiro, tem de ter planejamento centralizado e determinar objetivos. E, a partir daí, na execução, ter clareza para todo mundo entender o que está sendo feito. Um trabalho de coordenação é paciente. Numa estrutura militar, dou ordem e a turma obedece. Em uma estrutura política, isso não funciona desse jeito. A coordenação é muito mais no sistema do consenso, na busca do entendimento e na busca dos melhores propósitos.

Após recomendação do Ministério da Saúde, as pessoas se fecharam em casa. O presidente depois adotou o discurso defendendo apenas o isolamento do grupo de risco. O senhor é a favor disso?
A questão do isolamento vertical tem uma lógica no momento em que se busca que as atividades econômicas voltem a funcionar. É óbvio que não é simples em um país das dimensões do Brasil, cinco países em um. Volta e meia vejo a turma comparar com a Holanda. Se somar Alagoas e Sergipe, dá uma Holanda. São países pequenos, com populações distintas.

O presidente defende a abertura das escolas. As crianças vão para as escolas, voltam para casa, circulam na rua. Não é arriscado neste momento abri-las?
Em áreas pobres, as crianças que vão à escola estão concentradas em casa e não têm acesso à alimentação que tinham na escola.

Não se corre o risco de errar como na Itália, de fazer uma abertura e depois se arrepender?
A Itália é diferente. A epidemia começou no norte do país. Ali, eles tinham uma ligação direta com a China. Comparar com a Itália é meio complicado.

O Governo de São Paulo afirmou que o confinamento tem segurado a curva de contágio. Não é uma contradição com o discurso de Bolsonaro?
Passaram os 15 dias de confinamento, vamos reavaliar. Acho que é isso que tem de ser feito. Onde está concentrada a epidemia? Os outros que não estão tendo problema vamos deixar circular. Agora, pega cidades de 80 mil ou 100 mil habitantes. Basta impedir aglomeração. Não vai ter festa e baile.

Mas pequenas cidades têm muitas igrejas. O presidente liberou cultos. Não vai na contramão do desestímulo à aglomeração?
Vai da sensibilidade de cada pessoa. Está liberada a igreja, mas preciso ir?

Os especialistas veem o isolamento social como principal medida. Não é ruim para a imagem do Brasil ir na contramão?
A gente não sabe ainda como o vírus vai se comportar em um clima quente como o do Brasil. O ministério disse que vamos conviver com três epidemias. Todo ano temos o problema da gripe, que mata velhinhos direto, e o da dengue. E ainda tem o coronavírus por fora. Quais mortes serão atribuídas ao coronavírus? Caso da senhora que faleceu em Goiás, era cardiopata, diabética, tinha insuficiência respiratória aguda, tinha tido dengue e ela morreu de coronavírus?

Sim, o coronavírus potencializa.
A pessoa que tem problema cardíaco tem problema respiratório, e o coronavírus é síndrome respiratória grave e ataca o pulmão de forma diferente da gripe.

O vice-presidente, general Hamilton Mourão, em entrevista à Folha
O vice-presidente Hamilton Mourão, em entrevista à Folha, em Brasília - Romério Cunha/Vice-Presidência

A sensação é de que o governo está tentando transferir responsabilidade aos governadores e à mídia pela falta de eficiência na economia.
O governo já colocou o pacote de R$ 147 bilhões. Tem esse de mais R$ 88 bilhões para estados e municípios. Está votado os famosos R$ 600 para os autônomos.

Estamos chegando no dia 31 de março, data importante para as Forças Armadas. O senhor mesmo se envolveu em polêmicas sobre isso. Que mensagem deveria ser passada na data do golpe de 1964 em meio a essa crise?
É um fato histórico, que pertence à história do Brasil e lá vai ficar. Não pode ser apagado com borracha. Então, eu acho que isso aí fica na história. E, em tempos de coronavírus, passará em branco.

A crise pode afetar a questão amazônica?
Lógico, cadê o recurso? Está todo voltado para o coronavírus. Temos de nos preparar, porque vai terminar o coronavírus. Aí, quando acordar, está lá o problema na Amazônia.

Hamilton Mourão, 66

General quatro estrelas da reserva, formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras. Cumpriu missão de paz em Angola, atuou como adido militar na Embaixada do Brasil na Venezuela e foi comandante militar do Sul. Em 2018, filiou-se ao PRTB e ingressou na carreira política

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