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Governo Doria descumpre regras de transparência sobre emendas a deputados

Deputados do PT acionaram Justiça para pressionar por liberação; gestão diz que aperfeiçoará sistema

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São Paulo

O governo João Doria (PSDB) descumpriu regras de transparência sobre o pagamento de emendas parlamentares dos deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo. Em 2019, pela primeira vez, a execução das emendas foi obrigatória, mas o ano terminou sem um balanço do que foi pago de fato.

Além disso, líderes de diferentes partidos, inclusive da base do governo, admitem em caráter reservado que nem todos os parlamentares foram contemplados com as verbas previstas, ao contrário do que determina a Constituição estadual, e que o percentual de liberação foi baixo.

As emendas são verbas do Orçamento que os deputados podem destinar para demandas específicas das regiões que representam, como compra de ambulâncias e pavimentação de vias.

Os serviços e obras que deveriam ter avançado ao longo de 2019 foram apresentados pelos parlamentares em 2018, último ano da legislatura anterior da Assembleia. No pleito daquele ano, 77 dos 94 deputados tentaram reeleição, mas só 42 tiveram o mandato renovado.

Sem um sistema unificado com informações sobre a situação por emenda, acompanhar o ritmo dos repasses virou tarefa trabalhosa para atuais e antigos legisladores. Para o cidadão, é algo quase inviável.

A gestão Doria nega o problema e diz que implantará nas próximas semanas um canal exclusivo no portal do governo para deixar mais transparente a visualização desses dados (leia mais abaixo).

O governador João Doria (PSDB) e o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Cauê Macris (PSDB)
O governador João Doria (PSDB) e o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Cauê Macris (PSDB), em cerimônia na Casa - Carol Jacob e José Antonio Teixeira/Assembleia Legislativa de São Paulo

O mecanismo de distribuição de emendas costuma ser usado pelo Poder Executivo como moeda de troca para aprovação de projetos de seu interesse no Legislativo.

Para evitar toma lá, dá cá, a Constituição paulista foi alterada em 2017 para obrigar o governo a transferir, durante o ano, todos os recursos indicados pelos parlamentares no ano anterior.

O montante destinado às chamadas emendas impositivas é de 0,3% da receita corrente líquida anual. Cada um dos 94 deputados teve direito a repassar cerca de R$ 4,9 milhões a projetos de sua preferência em 2019 —metade do valor tem que ir para a área da saúde. Ao todo, eles sugeriram 2.840 emendas.

A Folha tenta desde janeiro obter um balanço atualizado sobre o cumprimento dos repasses. A solicitação foi feita diretamente à assessoria de imprensa do Palácio dos Bandeirantes e também via LAI (Lei de Acesso à Informação).

O mesmo pedido foi direcionado à presidência da Assembleia, ocupada pelo deputado Cauê Macris (PSDB), e ao gabinete do líder do governo na Casa, Carlão Pignatari (PSDB).

Após ser procurada pela reportagem, a Casa Civil atualizou em 27 de janeiro uma página no Portal da Transparência dedicada ao assunto, mas os dados estão incompletos.

A questão das emendas impositivas também é debatida em Brasília e está no centro da crise entre a administração Jair Bolsonaro (sem partido) e o Congresso. Governo e parlamentares vêm travando uma luta pela partilha do Orçamento. Um acordo foi fechado na quarta-feira (4).

Diferentemente do que ocorre em São Paulo, a Câmara dos Deputados e o Senado oferecem em seus sites sistemas atualizados com detalhes da execução das emendas, com dados por autor, partido e projeto.

No mês passado, deputados estaduais do PT, que fazem oposição a Doria, entraram com uma ação contra ele no Tribunal de Justiça de São Paulo. Os seis autores do processo, todos reeleitos na eleição passada, dizem que o governo deixou de pagar 50%, em média, das emendas apresentadas por eles para 2019.

O deputado Teonilio Barba, líder da bancada, informou que, do total de R$ 4,9 milhões a que teria direito para suas emendas, R$ 3,2 milhões foram retidos. José Américo, Luiz Fernando Teixeira e Marcia Lia, cobram, cada um, o repasse de R$ 2,9 milhões.

Questionada, a assessoria do governo enviou à reportagem uma lista de emendas processadas por deputado. Segundo o levantamento, o valor ainda devido aos petistas é menor do que eles alegam.

Em decisão de 28 de fevereiro, o desembargador Beretta da Silveira rejeitou o pedido de liminar dos petistas para que o Executivo se comprometesse a pagar imediatamente os recursos faltantes e ainda publicasse relatórios sobre a execução das emendas de todos os parlamentares.

O magistrado afirmou que o aval ao pedido de liminar "implicaria indevida e afoita análise do próprio mérito" do caso. Ao justificar a negativa, ele disse ser necessário garantir a Doria "o sensato e indispensável direito de apresentar" suas explicações. O mérito do processo ainda será julgado.

Os petistas encaminharam ainda uma representação ao Ministério Público do Estado de São Paulo, pedindo a investigação do governador sob suspeita de improbidade administrativa. O pedido de apuração está sendo analisado pelo órgão, que pediu ao governo mais informações.

O PT sustenta que a gestão Doria descumpriu uma série de previsões legais, a começar pelo artigo da Constituição que estabelece a obrigatoriedade do pagamento das emendas impositivas.

No capítulo transparência, dois problemas foram relatados à Justiça e ao Ministério Público. O primeiro é a inexistência de um "sistema próprio de acompanhamento" das emendas, como determina a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

O segundo aspecto diz respeito a uma lei de 2011 que obriga o Poder Executivo a enviar à Assembleia, 30 dias após o encerramento de cada semestre, um relatório sobre o pagamento das emendas, identificando os autores, os beneficiários e os valores.

O governo Doria, no entanto, não disponibilizou sistema de acompanhamento específico nem divulgou um balanço de convênios pagos. Essas informações tampouco estão disponíveis ao público. A pesquisa é possível no site da Secretaria da Fazenda, mas apenas pelo número da emenda, e não de forma geral.

OUTRO LADO

O governo afirma que não houve baixa execução das emendas do PT. "Foram pagas ou autorizadas, no ano passado, 232 emendas impositivas do Partido dos Trabalhadores, que somaram R$ 28 milhões. Aos seis deputados autores da representação, foram pagas 89 emendas, somando R$ 10,8 milhões", diz.

Ainda de acordo com o governo, algumas emendas não foram pagas por estarem "impedidas tecnicamente por erros em sua elaboração" e "grande parte está em fase de instrução dos convênios nas secretarias".

O governo afirma que foi notificado sobre a representação dos petistas e responderá ao Ministério Público no prazo legal.

Em consultas feitas pela Folha desde o fim de 2019, a administração estadual negou que houvesse contingenciamento de emendas impositivas e informou que o pagamento seguia o fluxo normal.
 
O governo afirma ainda que implantará um canal em seu site para tornar o acompanhamento dos convênios mais transparente. "O ano de 2020 será o primeiro ano da gestão 100% digital na relação de convênios de municípios com o Estado de São Paulo, que inclui também as indicações parlamentares."

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