Justiça condena Geddel por pressionar ministro de Temer a favorecê-lo em negócio privado

Defesa do ex-ministro, que está preso desde 2017 devido a outro processo, afirmou que vai recorrer

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Brasília

A Justiça Federal em Brasília condenou nesta terça-feira (31) o ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB) à perda de função pública e à suspensão de seus direitos políticos por cinco anos.

A decisão se deu em ação civil de improbidade administrativa ajuizada após a Folha noticiar, em novembro de 2016, que o então chefe da Secretaria-Geral de Governo na gestão de Michel Temer (MDB) pressionou, pessoalmente e por meio de terceiros, o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, a produzir parecer técnico favorável a seus interesses privados em um negócio imobiliário.

A defesa informou que recorrerá.

Geddel está preso desde 2017 devido a outro processo, de natureza penal, que trata de seu envolvimento em supostos casos de desvio e ocultação de recursos públicos. Atualmente, ele está recolhido em uma unidade prisional de Salvador.

Então ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima se reúne com indígenas no anexo do Palácio do Planalto - Alan Marques - 23.nov.2016/Folhapress

A defesa do ex-ministro requereu sua liberação por ter 61 anos e integrar grupo com maior risco de contrair o novo coronavírus, mas o pedido foi negado pela Justiça.

Em outubro do ano passado, a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) condenou Geddel a 14 anos e 10 meses de prisão, além de determinar pagamento de multa de cerca de R$ 1,6 milhão, por lavagem de dinheiro e associação criminosa.

O colegiado entendeu que ele fez investimentos de dinheiro ilícito em uma construtora, além de ter ocultado R$ 51 milhões em um bunker descoberto pela Polícia Federal.

A ação de improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público Federal, tratou do caso denunciado pelo então ministro da Cultura.

Calero afirmou em entrevista à Folha que o então articulador político do governo Temer o procurara pelo menos cinco vezes —por telefone e pessoalmente— para que o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão subordinado à Cultura, aprovasse o projeto imobiliário La Vue Ladeira da Barra, nos arredores de uma área tombada em Salvador.

Nas palavras de Calero, Geddel disse nas conversas possuir um apartamento em andar alto do empreendimento, que dependia de autorização federal para sair do papel.

Na ocasião, o Iphan ainda decidiria se o número de pavimentos do prédio deveria ser reduzido, para atender ao regramento de proteção ao patrimônio histórico e artístico. Isso acabou ocorrendo.

Após a decisão, segundo Calero, os pleitos sobre o caso aumentaram e passaram a vir de outros integrantes do governo, como o então ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (MDB), e o então subchefe de Assuntos Jurídicos da pasta, Gustavo do Valle Rocha, que tratavam de recurso à decisão contrária a Geddel.

Rocha integra atualmente a Comissão de Ética Pública da Presidência da República e, na condição de relator, votou recentemente para que processo envolvendo possível conflito de interesses na atuação do chefe da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República), Fabio Wajngarten, fosse arquivado sem investigação.

Wajngarten é sócio majoritário de empresa que recebe dinheiro de TVs e agências contratadas pela própria Secom, outros órgãos do governo e estatais.

Calero, hoje deputado federal pelo Cidadania-RJ, gravou parte das conversas com os interlocutores, que foram periciadas pela PF e serviram como provas no processo.

“A narrativa inicial dos fatos pela testemunha Marcelo Calero é corroborada nos autos pelas provas pré-processuais e processuais produzidas, as quais permitem concluir que houve a prática de conduta ímproba pelo acusado [Geddel]”, escreveu em sua decisão a juíza substituta Diana Wanderlei, da 5ª Vara Federal Cível em Brasília.

“As provas dos autos são fartas e suficientes para comprovar que o então ministro Geddel Quadros Vieira Lima pressionou de forma desproporcional e ilícita, pessoalmente e por meio de terceiros, o então ministro Marcelo Calero Farias Garcia a fim de que este solucionasse favoravelmente ao acusado o caso do Edifício La Vue, no qual possuía apartamento”, concluiu ela.

A magistrada afirmou não ser plausível que Eliseu Padilha e Gustavo Rocha, “que possuíam agendas lotadas e várias atribuições inerentes ao cargo que ocupavam, tivessem dispendido tanto tempo em questões estranhas às suas pastas”.

“Exsurge inconteste dos autos que, em verdade, tal interesse se justificava exclusivamente por conta dos interesses pessoais do então ministro Geddel Vieira Lima em obter solução que lhe favorecesse pessoalmente, ou seja, a liberação da construção nos moldes do projeto original do edifício”, continuou.

A juíza aplicou multa a Geddel no valor de dez vezes o salário recebido quando ministro. Também o proibiu de fazer contratos ou receber benefícios do poder público, seja como pessoa física ou sócio majoritário de empresa.

Não foram aplicadas sanções a Eliseu Padilha e Gustavo Rocha. Os dois não são réus na ação.

O advogado de Geddel, Gamil Föppel, afirmou em nota que vai recorrer ao TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) "a fim de buscar a reforma da referida sentença condenatória, uma vez que é manifestamente contrária à prova dos autos e aos princípios comezinhos de direito".

"Com efeito, a instrução processual demonstrou a inexistência de qualquer ato de improbidade administrativa praticado por Geddel, o que, inclusive, foi reconhecido pelo Ministério Público Federal, autor da ação, que, ao final, pediu que a ação fosse julgada improcedente, reconhecendo inexistência de violação a qualquer princípio da administração pública", escreveu. "A condenação é, de fato, um desatino jurídico, que haverá de ser reformada."

A Folha procurou Gustavo Rocha, por meio de telefonema e mensagem em seu celular, mas ele não respondeu até a publicação deste texto.

Eliseu Padilha não foi localizado.

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