'Não vamos mais falar com a imprensa, pode esquecer', afirma Bolsonaro

Presidente adota fala contra jornalistas em live; antes, na Fiesp, sugeriu a empresários que publiquem balanços em veículos pró-governo

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São Paulo e Brasília

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira (5) que não vai mais falar com a imprensa enquanto esta, segundo ele, "não divulgar a verdade".

Em sua live semanal, o presidente ainda disse que a imprensa não deveria mais comparecer toda manhã ao Palácio do Alvorada.

"Você tá cansado de ver por aqui a imprensa dizendo que eu ataco a imprensa todo dia. Vamos supor que você vai trabalhar e passa num local, né, e todo dia é assaltado. O que você faz? Você pega outro caminho, não vai ficar sendo assaltado, apanhando no mesmo lugar. Se a imprensa diz que eu ofendo todo dia, o que estão fazendo todo dia ali (Alvorada)? Enquanto não começar a divulgar a verdade, não vamos mais falar com a imprensa, pode esquecer", disse.

Jair Bolsonaro com o humorista Carioca fantasiado de presidente para debochar da cara dos jornalistas foi no Palácio do Alvorada
Jair Bolsonaro com o humorista Carioca fantasiado de presidente para debochar da cara dos jornalistas foi no Palácio do Alvorada - Jair Bolsonaro no Twitter

Bolsonaro também reclamou da repercussão do resultado do PIB (Produto Interno Bruto) do ano passado, apresentado na quarta-feira (4) pelo IBGE, com alta de 1,1%. O dado é menor do que o projetado inicialmente pelo mercado e consolidou 2019 como o terceiro ano seguido de fraco crescimento da economia brasileira.

"A gente vê a imprensa, por outro lado, criticando, né. Falando mal do PIB. O pibinho, pibinho, não sei o quê. Se a imprensa produzisse verdade, o Brasil estaria muito melhor, com toda a certeza. Mas não produz verdade. Eu estou há quase duas semanas sem falar com a imprensa. O que acontece, quando você fala, eles deturpam. Quando você não fala, eles inventam", afirmou.

Bolsonaro atacou ainda a manchete da Folha desta quinta, que citou o episódio envolvendo o humorista Márvio Lúcio dos Santos Lourenço, da TV Record.

Na quarta (4), o humorista apareceu fantasiado de presidente no Alvorada para falar com os jornalistas. Bolsonaro pediu que ele respondesse os questionamentos dos repórteres. "PIB? PIB? O que que é PIB? Pergunta o que que é PIB ", disse o presidente a Lourenço, conhecido por interpretar o personagem Carioca.

Na live desta quinta, ele criticou a notícia dada pela Folha. "Manchete na Folha de S.Paulo: PIB cai e Bolsonaro faz piada. Piada é a Folha de S.Paulo. Tem gente ainda que anuncia nesse lixo chamado Folha de S.Paulo. É impressionante, tá certo? Não tem espírito de humor esportivo e falam besteira", afirmou Bolsonaro.

No fim da transmissão, o presidente voltou a fazer críticas gerais à imprensa. "Torço para que a imprensa aí tenha um choque de realidade e comece a ter manchetes e matérias verdadeiras para dizer para onde o Brasil está indo", disse.

As declarações ocorreram no mesmo dia de uma reunião na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), em que Bolsonaro orientou empresários a anunciarem seus balanços em veículos de imprensa condizentes com o que eles acreditam, ou seja, que demonstrem otimismo com o país e sejam mais alinhados ao governo federal.

Na quinta-feira passada (27), em sua live nas redes sociais, o presidente já havia afirmado que pediria aos empresários que não anunciassem em veículos que mentem e trabalham contra o governo.

Na Fiesp, o encontro foi fechado aos jornalistas. Segundo a Folha apurou com participantes, o assunto sobre a imprensa foi provocado pelos empresários e girou em torno da obrigação de publicar balanços financeiros nos jornais.

Bolsonaro chegou a editar uma medida provisória, de número 892, que desobrigava empresas de publicarem suas demonstrações financeiras no Diário Oficial e em jornais de grande circulação, mas ela perdeu a validade em dezembro passado por não ter sido votada pelo Congresso.

Jair Bolsonaro durante reunião com empresários do Conselho Superior Diálogo pelo Brasil na Fiesp - Alan Santos/PR

reunião desta quinta-feira em São Paulo com cerca de 40 empresários, que marcou a fundação do "Conselho Superior Diálogo pelo Brasil", teve um tom positivo com os rumos do país, com dirigentes dos principais grupos empresariais fazendo elogios à condução econômica pelo governo Bolsonaro.

Nesse sentido, Bolsonaro sugeriu que os empresários anunciassem em veículos que compartilhem dessa visão otimista. Ele afirmou que há jornais e jornais, e que os empresários deveriam, portanto, escolher os de grande circulação mais alinhados ao governo para publicarem seus balancetes.

Também indicou que os empresários escolhessem os que cobram menos pelos anúncios dos balancetes. Bolsonaro disse aos empresários, segundo a Folha apurou, que eles reduziriam custos com a medida provisória 892, que desobriga a publicação dos balanços em jornais e que acabou caducando.

O presidente indicou na reunião que essa obrigação de publicar os balanços nos jornais é uma medida obsoleta e que existia uma maneira, por meio da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), para evitar as multas que incidiriam sobre as empresas que não publicassem.

Segundo relatos de participantes, o presidente criticou a cobertura geral da imprensa, que considera crítica demais.

Os empresários também reclamaram de desalinhamento da imprensa com o governo, mencionando que existe espécie de bullying por parte da mídia. Bolsonaro concordou e afirmou que uma das razões para o conflito, segundo ele, era o governo ter reduzido o financiamento da imprensa por meio de anúncios.  

 

Em pronunciamento nas redes sociais na semana passada, Bolsonaro defendeu que empresas não anunciem em veículos de comunicação que "só mentem o tempo todo" e "trabalham contra o governo".

Ele disse na ocasião que o empresário que divulga anúncio em veículos críticos "ajuda o Brasil a afundar". As declarações foram dadas na live em meio às explicações dele sobre a crise política que ele mesmo criou ao ter compartilhado um vídeo em apoio a um protesto convocado para 15 de março contra o Congresso.

Em outros momentos do governo, Bolsonaro já havia tratado de anunciantes de jornais, ameaçando cortar anúncios e boicotar produtos de anunciantes.

Na Fiesp, sempre segundo presentes ao encontro, Bolsonaro não fez menção a veículos específicos, a não ser quando citou o jornal O Globo para dar um exemplo, mas não para criticá-lo especificamente.

O presidente também fez um apelo para que os empresários se posicionem publicamente para demonstrar as boas expectativas com o governo, pois esses também são formadores de opinião pública.

Bolsonaro não chegou a fazer um pedido explícito de defesa do governo, mas sugeriu que os empresários falassem sobre a realidade política e econômica que eles enxergam, e que, na opinião do presidente, não é a que está refletida nas reportagens da imprensa.

De forma mais explícita que Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também fez esse apelo para que que os empresários se posicionem.

 
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