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Pandemia leva Judiciário a discutir soluções para ampliar videoconferências

Na quarentena, tribunal de SP faz sessão de julgamento remota e transmite no YouTube

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São Paulo

O avanço do novo coronavírus levou tribunais e órgãos da Justiça a discutirem soluções para ampliar o uso de videoconferências em audiências e sessões de julgamento.

Até o início da pandemia, o uso da ferramenta era comum em tribunais como o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), quando até os juízes podiam participar de sessões a distância. Mesmo julgamentos da Lava Jato, cujas decisões são revisadas pela corte, já foram feitos nesse molde.

Na maioria das cortes, no entanto, a videoconferência é mais usada por advogados que acham necessário fazer defesa oral de seus clientes para magistrados, mesmo remotamente ou em audiências de custódia que analisam a necessidade de uma prisão.

Neste mês, os cinco tribunais federais do país instituíram regras sobre como os trabalhos seriam feitos em meio à pandemia, e o TRF-4 foi o que mais abriu espaço para o uso da teleconferência para evitar cancelar os trabalhos do dia a dia.

Houve até a manutenção de uma sessão de julgamento da Lava Jato pela juíza Claudia Cristofani, após um advogado pedir o adiamento para evitar "grave risco de contágio pelo novo coronavírus", porque ela entendia que ele podia fazer a defesa por meio da videoconferência.

No entanto, na quinta-feira (19), o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) suspendeu os prazos de processos e as sessões de tribunais em todo o país e instituiu um plantão extraordinário para a Justiça até o fim de abril —nesse período, só serão julgados casos urgentes. Na mesma tarde, o TRF-4 também já havia decidido interromper as sessões por conta própria.

As medidas do CNJ não valem para a Justiça Eleitoral, mas foi justamente lá onde houve um evento considerado inovador. A sessão de julgamentos do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo, na última terça (24), aconteceu 100% por videoconferência.

Juízes, advogados, procurador eleitoral e duas servidoras da corte participaram de casa da sessão remota por meio de um aplicativo de reunião online.

Os julgamentos foram transmitidos pelo canal oficial do TRE-SP no YouTube. Mais de 80 pessoas acompanharam a audiência ao vivo. Segundo espectadores, aquela era uma sessão histórica pelo ineditismo.

“Foi uma excelente forma de realizar a sessão de julgamento neste momento e não interromper a atividade do tribunal. O áudio e vídeo foram simultâneos e em tempo real, garantindo o debate e participação de todos. Inclusive advogados e o procurador eleitoral sustentaram oralmente de suas casas”, diz a advogada Danyelle Galvão, cuja dissertação de mestrado tratou de videoconferências na Justiça.

Para ela, a solução adotada foi a mais perto do ideal. “Ser transmitido possibilitou a publicidade do julgamento. A Constituição diz que todos os julgamentos serão públicos", diz.

"A partir do momento em que você possibilita que as partes apresentem seus argumentos oralmente e os votos possam ser acompanhados pelas partes e por terceiros (que assistiram a transmissão pelo YouTube), é como se as pessoas estivessem na plateia do tribunal.”

Sessão do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) por videoconferência
Sessão do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) por videoconferência - Reprodução

O advogado Ricardo Penteado, que trabalhou para campanhas presidenciais, diz que a experiência foi boa, mas deve ser restrita ao momento de crise.

“Criar esse sistema em massa acaba exigindo alguns recursos tecnológicos que se pode imaginar que nem todos advogados tenham, como uma conexão razoável pela internet, que é necessária para fazer [videoconferência]”, diz Penteado.

Penteado usa o mesmo raciocínio da necessidade de uma conexão razoável para dizer que isso pode ser uma barreira para o acompanhamento do público. "As sessões presenciais públicas, que é uma regra, a rigor não foram acessíveis a qualquer pessoa do povo, porque é preciso de um equipamento para poder acompanhar", afirma.

"Então, eu não concordaria com a continuação desse sistema, uma vez superados os problemas com o coronavírus. Mas estamos vivendo um momento em que a jurisdição não pode parar.”

A discussão sobre a possibilidade de aumentar o uso de videoconferência após o período de plantão judicial tem sido forte entre juízes, advogados e procuradores, já que não se sabe quanto tempo a pandemia vai colocar pessoas em risco.

"Cada Justiça tem uma realidade em relação a isso e nem sempre vai ser possível fazer audiência por videoconferência", diz Fernando Mendes, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).

Mas ele lembra que, apesar disso, essa pode ser uma solução para audiências urgentes, como em casos de réus presos, que estão "quase impossíveis pela dificuldade de locomoção e restrição".

Coordenadora da Lava Jato no Ministério Público Federal em São Paulo, a procuradora Janice Ascari tem levantado o debate. A Justiça Federal do estado faz parte da 3ª Região, que inclui Mato Grosso do Sul.

"O TRF-3 terá que bolar uma solução ou desenvolver algum mecanismo para a realização das sessões de forma remota, com as atuais restrições de locomoção de todos", diz Janice, acrescentando que a videoconferência é muito comum na primeira instância, mas não na segunda.

"O tribunal tem feito há muito tempo, por videoconferência, sustentações orais de advogados que estão em outras cidades. O advogado vai até a Justiça Federal e fala de lá. Deve ser requerida com antecedência, por causa dos links de conexão."

Caso as restrições de locomoção e contato continuem, um problema é a necessidade de o advogado ou a pessoa que deseje participar de uma sessão ter de ir a um espaço da Justiça Federal para participar da videoconferência. Segundo especialistas, essa é uma questão que as cortes precisam regulamentar internamente.

Criminalistas consultados pela reportagem também defendem o uso de videoconferência, mas para situações emergenciais.

"Em matérias urgentes, com réu preso, por exemplo, se não vai ter sessão e o habeas corpus ficar um mês sem ser levado a julgamento, prejudica a defesa. Se a videoconferência for a solução para mitigar esse problema, me parece razoável", diz o advogado Fábio Tofic Simantob. Ele é contrário, no entanto, ao uso da ferramenta para questões que não sejam emergenciais.

O presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito a Defesa), o advogado Hugo Leonardo, acha que a possibilidade de usar a videoconferência tem que partir das partes. "Isso é um direito, jamais um tribunal pode exigir que isso seja feito dessa forma", afirma.

Já na Justiça do Trabalho, para suprir a demanda dos casos urgentes durante a crise, desde o dia 25 de março, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho passou a recomendar que os juízes busquem utilizar videoconferências e aplicativos para conciliação e mediação de conflitos envolvendo o coronavírus.

De acordo com Noemia Porto, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), a generalização do uso da ferramenta digital só está ocorrendo para tentar atender a uma situação de excepcionalidade. "É preciso lembrar que a inclusão digital não é uniforme em todo o país, ainda mais quando se trata dos trabalhadores", afirmou.

Apesar de não haver uma regulamentação para uso de videoconferências na Justiça do Trabalho, em audiências de conciliação as partes do processo já poderiam solicitar seu uso por meio do aplicativo, o JTe.

No entanto, segundo Porto, as conciliações feitas por meios virtuais eram exceção. "A regra era a presença das partes e dos advogados, até para que o magistrado pudesse fazer perguntas ou obter informações adicionais sobre a avença", disse.

Segundo o juiz Ronaldo Callado, diretor da Anamatra, há casos de juízes que aceitam ouvir testemunhas que estejam no exterior ou em outros estados por videoconferência, mas, segundo ele, não é possível realizar a audiência inteira de forma virtual.

Callado explica que para que a audiência remota seja válida é preciso que ela seja regulamentada, algo que ainda não foi feito. Ele aponta também que os TRTs não estão preparados tecnologicamente para isso.

Além disso, estender o uso desse tipo de ferramenta para além das audiências de conciliação é visto com ressalvas pelos próprios advogados trabalhistas.

Para Caroline Marchi, tomar depoimentos de testemunhas fora do ambiente do tribunal pode ser prejudicial ao processo como um todo. "Não sei quanto macula o próprio depoimento", disse.

Já para Fabio Medeiros, "apesar de haver toda a formalidade que deve ser respeitada, com uma situação de calamidade e emergência seria conveniente que os tribunais começassem a pensar [em audiências virtuais]". Ele frisa, porém, que é preciso se certificar de que os advogados têm infraestrutura suficiente para tanto. ​

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