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Repórter e analista, Celso Pinto foi o melhor de sua geração na cobertura de economia

Jornalista combinava conhecimento técnico com a agilidade de cavucar e perceber o que é a grande notícia

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São Paulo

Celso Pinto foi o melhor jornalista de economia de sua geração, o melhor entre aqueles que estão na lida desde meados dos anos 1970, como era o seu caso.

Tinha a capacidade rara de ser repórter, de revelar informações importantes, e também de ser um analista profundo. Combinava conhecimento técnico com a agilidade de cavucar e perceber o que é a grande notícia. Como se não bastasse, era um grande editor. Criou e dirigiu o melhor jornal especializado que já tivemos, o Valor Econômico, fundado em 2000.

Jamais cedeu à tentação “pop”, ao que é ou parece mais sensacional. Seus furos de reportagem não deixavam de ser também textos analíticos.

A informação nova era matizada pelo contexto; sua relevância e seu alcance eram explicadas sem o tempero do espetacular. Essa qualidade ficou ainda mais evidente nas colunas da Folha, que escreveu de 1996 a 2000.

O jornalista Celso Pinto, que morreu nesta terça (3)
O jornalista Celso Pinto, que morreu nesta terça (3) - Cacalos Garrastazu - 3.jan.00/Valor/Agência Globo

O Plano Real, lançado em 1994, foi o grande momento da carreira desse repórter analítico. Desde meados da década anterior, Celso conhecia bem alguns dos economistas que formularam o plano.

Chegou a ser convidado a fazer parte da equipe econômica, como uma espécie de memorialista da empreitada. Sabia muito do que se passava na cozinha do plano e no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Sabia, porém, o que se passava fora do governo, das dificuldades criadas pela valorização da moeda brasileira, um dos pilares e um grande problema do Real. 

Por exemplo, revelou as operações do governo no mercado futuro de moedas, com o que ganhou a antipatia de alguns dos economistas de FHC. Mostrava como os desarranjos fiscais ameaçavam de morte o plano de estabilização, em fins de 1998.

Seu assunto predileto era a política macroeconômica, de resto inevitável em um país quebrado pela hiperinflação, pela desordem das contas públicas e pelas crises externas. Mas tratava com desenvoltura de grandes empresas e de meandros da finança.

Era lido por banqueiros e empresários que se ocupavam de questões públicas; era respeitado por suas fontes, no establishment da economia ou na alta tecnocracia do FMI, não raro matriz dos programas econômicos de um país arruinado do começo dos anos 1980 até o Real.

Entende-se, pois, sua animação com o Plano ou com tentativas de estabilização em geral, seu desencanto com a ação do Estado, sua indignação com a baderna fiscal.

No auge da carreira, era tido como “liberal”. Apesar do rigor analítico, não era nem poderia ser uma encarnação da neutralidade. Acabou na prática por se alinhar ao “consenso central” do que fazer com a política econômica, comunhão formada nos anos FHC. Abstinha-se de opinião e muito menos escrevia editoriais favoráveis, mas sua perspectiva ficava nítida nas questões que levava a seus entrevistados.

Eram assuntos e enfoques evidentes nos textos e nas suas entrevistas, que frequentemente pareciam um debate exasperado com as fontes, conversas entreouvidas divertidamente por este jornalista, que foi vizinho da sala de Celso na Folha, na segunda metade dos anos 1990. A criatura indignada e apaixonada em pessoa em nada parecia com seus textos em geral fleumáticos.

Relatou com detalhes iluminadores como se montaram governos, desde Tancredo até Lula, os embates das políticas econômicas da Nova República, a crise de Collor, o pânico com a eleição de Lula, em 2002. Não pudemos saber o que diria ou descobriria dos governos petistas. 

Afastou-se em 2003 para cuidar dos problemas de saúde decorrentes de uma parada cardiorrespiratória em uma quadra de tênis, seu esporte querido.

Em 1997, Celso acabava uma entrevista cabeluda qualquer e nos dizia “vamos botar a TV no jogo do Guga [Kuerten]”. Guga quem? Apenas ele conhecia bem o tenista que ganharia Roland Garros naquele ano.

Celso saía da sua mesa, descalço, de meias, como de costume, para dar uma olhada rápida nos jogos, vibrando como um torcedor de arquibancada de futebol. Via um final do set e voltava logo para a mesa, para tratar com um alto burocrata do FMI do balanço de pagamentos, que parecia embicar para uma crise. Batia o telefone e dizia, alto: “Essa coisa pode ficar feia, esse pessoal está mal informado”.

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