Unidos no panelaço, centro e esquerda divergem em cenários sobre Bolsonaro

Dois campos adiam luta política por coronavírus, mas esquerda diverge do centro ao ver brecha para impeachment no futuro

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São Paulo

Se eleitores de esquerda e de centro se uniram nas redes e no panelaço contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), os partidos que representam esses segmentos também estão na mesma página hoje —focados no combate ao coronavírus—, mas divergem sobre o futuro do governo.

Enquanto líderes de siglas de esquerda veem o suporte popular a Bolsonaro minguar por ter desdenhado do coronavírus a ponto de mobilizar a sociedade e criar condições de impeachment quando a pandemia passar, os caciques do centro evitam o exercício de futurologia e preferem o apoio crítico ao presidente do que migrar de vez para a oposição.

Na semana em que Bolsonaro incentivou aglomerações em atos contra o Congresso e o Judiciário e a favor de seu governo, além de quebrar ele próprio as recomendações de isolamento para apertar a mão de apoiadores, o bolsonarismo viveu fissuras. Janaina Paschoal (PSL) e parte dos conservadores abandonaram o barco.

Coroando a mais grave crise política de Bolsonaro até aqui, na quarta (18), o panelaço contra o governo atraiu a classe média e foi mais intenso do que o convocado a favor do presidente. Nesta quinta (19) houve barulho nas varandas pelo terceiro dia seguido.

Líderes partidários, no entanto, não pretendem explorar a crise política em meio à crise de saúde pública e econômica a que o mundo está submetido. Eventual impeachment foi engavetado por ora até pela esquerda.

Em pronunciamento nesta quinta, o ex-presidente Lula (PT) não exaltou o panelaço e nem falou em saída de Bolsonaro do cargo, mas criticou sua postura em relação ao coronavírus.

Lula afirmou que "não temos governo" e que Bolsonaro "deveria governar para 210 milhões e não governar para satisfazer seu ego ou dos seus filhos". O petista, que andava sumido nas redes sociais, afirmou que é hora de solidariedade, "que o amor prevaleça sobre o ódio", mas deu a senha de que, após a crise, quer "recuperar a democracia no Brasil".

"É preciso ter responsabilidade com o processo democrático brasileiro e não utilizar os instrumentos [impeachment] de maneira a apenas resolver problemas políticos de oposição. Nesse momento temos que colocar forças e energias para solucionar a crise que está aí. Não tem como deixar o povo sofrendo e entrar num debate meramente político", afirma a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).

"A luta política a gente faz na sequência, quando parar a crise", completa ela.

Na semana passada, partidos de oposição (PT, PDT, PSOL, Rede, PSB e PCdoB) apresentaram projetos para enfrentar a pandemia, como a proposta de rever o teto de gastos.

"Não dá para concentrar esforços em impeachment. Seria desviar energia para votar projetos que protegem pessoas. São 40 milhões de informais que não terão o que comer", diz o deputado Enio Verri (PR), líder do PT.

Além de não ser o foco, o impeachment não é visto como viável em ala majoritária dos partidos de esquerda. A expectativa, no entanto, é que o "fora, Bolsonaro" vai ganhar a boca do povo naturalmente e pode mudar a correlação de forças no Congresso.

"Não precisa fazer nada, é só deixar ele falar. Já está acontecendo, está sangrando a base dele", afirma Carlos Lupi, presidente do PDT. "O impeachment pode ser em breve, mas não agora. Temos que acumular mais fatos e de mais gravidade para criar consenso."

"Hoje as ruas estão caminhando fortemente para o impeachment, mas isso não ecoa com intensidade suficiente para mudar votos no Parlamento. Pós-pandemia, a defesa da vida vai ser ter um governo responsável, reunindo forças para o impeachment", diz Verri.

Para Juliano Medeiros, presidente do PSOL, o caminho do impeachment está traçado, "com o desgaste de Bolsonaro se aprofundando a cada dia", mas não é chegada a hora —falta aglutinar apoio do centro.

"O impeachment é jurídico e político, precisa ter apoio da sociedade. Temos que apresentar propostas pra enfrentar o coronavírus e angariar apoio social para a crise política que vai se instalar", afirma.

Por isso, o partido desautorizou o pedido de impeachment apresentado por deputados do PSOL (inclusive o líder do partido) na quarta-feira. O bate-cabeça mostra que parte da esquerda, ainda minoritária na direção das legendas, quer já sair para o jogo.

"Ações unilaterais geram mal-estar e vão ser tratadas pelo partido. No PSOL, não tem espaço para 'Tabata Amaral'", diz Medeiros, em referência à deputada que contrariou o PDT ao votar pela reforma da Previdência.

Após a publicação da reportagem, a líder do PSOL, deputada Fernanda Melchionna (RS), enviou nota afirmando que Medeiros está "alheio à vontade da militância e dos eleitores do PSOL" e "de do sentimento de milhões de brasileiros". "Acreditamos que enfrentar a crise é também trocar seu comando político. É preciso tirar o presidente para salvar o país", diz. ​

A resistência da cúpula da esquerda em pautar o impeachment neste momento se explica também pela necessidade de coerência. A oposição não poderia apontar irresponsabilidade de Bolsonaro se ela mesma aproveitar o momento para fustigá-lo sem apresentar alternativas.

Os líderes de esquerda defendem ainda que um crime de responsabilidade precisa estar bem caracterizado, para que não sejam acusados de repetir o processo de Dilma Rousseff (PT), que consideram frágil. "O que fizeram com a Dilma enfraqueceu as instituições e a Constituição", diz Gleisi.

Além disso, a ação contra Bolsonaro capitaneada pela esquerda, pelo PT ou mesmo por Lula, num cenário de antipetismo aflorado, poderia segmentar e apequenar um processo que depende da formação de maioria social.

Os políticos de esquerda esperam que a indignação dos eleitores de centro pressione os partidos a seu favor. Líderes desse campo, porém, não se mostram dispostos a dar esse passo mesmo constatando que seus apoiadores, que não se envolviam na polarização das redes, resolveram dar um basta ao presidente nesta semana.

De maneira geral, a fissura na base de Bolsonaro não chegou ao centro —os caciques preveem continuar defendendo equilíbrio contra polarização, com apoio a medidas que considerem boas e críticas aos rompantes do presidente.

"Declarações equivocadas e que minimizem os riscos dessa grave doença, como fez o presidente, desagradam a todos. Daí o panelaço, que nada mais é do que o reflexo de uma indignação justificada", diz o líder do PSDB, deputado Carlos Sampaio (SP).

"Por outro lado, não é hora de politizar ou de investir em desgastes, especialmente de quem deve tomar as decisões mais urgentes que é, justamente, o presidente Bolsonaro", completa.

Para Sampaio, a crise do coronavírus "é grave para que hajam vencidos e vencedores". Baleia Rossi, presidente do MDB, vai na mesma linha: "Quem fizer disputa política neste momento será cobrado pelo eleitor".

"Nosso foco não tem de ser nas questões políticas, mas sim em ações de estado que minimizem danos. Todos somos responsáveis. O presidente já fez uma correção de rumo ao reconhecer a gravidade do problema, e o governo começou a dar respostas efetivas", completa Rossi.

Presidente do PSDB, Bruno Araújo fala em união e em "deixar a disputa política para depois". "Temos uma guerra real e biológica, que está matando pessoas e tirando empregos", afirma.

"Não somos governos, mas queremos ajudar", completa Araújo, lembrando a necessidade de o Congresso aprovar medidas urgentes, como o estado de calamidade pública.

Embora também no centro haja vozes a favor do impeachment, como a do deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), que protocolou o pedido nesta quinta na Câmara, essa opinião é minoritária.

Os líderes de centro não veem clima para isso hoje e evitam, como faz a esquerda, prever se haverá maioria pró-impeachment amanhã. Dizem ser impossível saber qual país emergirá da crise —não se sabe nem quem vai sobreviver, afirmam.

"Quer goste ou não, ele é presidente e tem mandato de três anos. Já estamos contribuindo com o governo sem fazer parte dele e agora nossa responsabilidade é maior. É hora de apoiar, sugerir, contribuir", diz o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA).

Nascimento não vê espaço para mudança na correlação de forças para um impeachment. "Tem que ter vontade política, vontade popular e motivo. Não vejo nenhuma das três coisas."

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