Aras manda recolher ofícios de procuradores ao governo Bolsonaro, e categoria reage

Integrantes do MPF acionaram ministros como Mandetta, mas procurador-geral brecou trâmite

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Brasília

Integrantes do MPF (Ministério Público Federal) acusaram nesta terça-feira (14) o procurador-geral da República, Augusto Aras, de editar medida que interfere na autonomia deles para fazer ao governo federal recomendações relacionadas ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.

As críticas partiram da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) e de 24 dos 27 membros do Giac (Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia Covid-19), criado pelo próprio Aras para coordenar ações da PGR (Procuradoria-Geral da República) durante a crise sanitária.

Na última quarta (8), o procurador-geral expediu 20 ofícios aos ministros do governo, entre eles Luiz Henrique Mandetta (Saúde), solicitando que devolvessem à PGR, sem resposta, as recomendações feitas por procuradores de outras instâncias do MPF aos órgãos executivos das pastas.

Uma das justificativas apresentadas foi a de assegurar unidade nas manifestações.

Por lei, os integrantes do MPF nas diversas instâncias têm independência para atuar e, inclusive, enviar advertências ou propostas aos gestores públicos. Eles podem fazer isso diretamente, exceto quando os destinatários são autoridades como o presidente ou o vice-presidente da República, congressistas, ministros de tribunal superior ou de Estado.

Nesses casos, os documentos devem ser encaminhados ao procurador-geral, que tem competência para a comunicação.

Nos ofícios, Aras alega que recomendações de procuradores da República têm sido dirigidas a diversos órgãos executivos dos ministérios, “cobrando a prática de atos de gestão que se encontram na esfera de atribuição dos titulares das respectivas pastas”.

Diante disso, requer o depacho dos documentos ao Giac para ”exame da matérias”, “preservando-se as atribuições dos órgãos superiores do Ministério Público Federal”.

Os próprios integrantes do gabinete integrado reagiram. Na nota desta terça, eles afirmam que “não participaram de qualquer discussão ou deliberação” para adoção da medida, “não tendo sido sequer comunicados formalmente” da expedição dos ofícios.

“Manifestamos discordância à medida adotada, porque representa grave ofensa ao princípio institucional da independência funcional [dos procuradores] e ao seu consectário princípio do procurador natural, na medida em que obsta o exercício pleno e independente das atribuições dos membros, exercidas sem subordinação e vinculadas apenas à Constituição, às leis e a nossas consciências jurídicas”, diz o texto.

Os integrantes do Giac ressaltam que “inexiste sujeição hierárquica entre os membros do Ministério Público e o chefe da instituição [Aras], exceção feita ao âmbito administrativo, sem qualquer chance de que a relação hierarquizada se estenda à seara técnico-funcional, razão pela qual se mostra inadmissível o reexame de recomendações expedidas pelos membros do MPF”.

A ANPR informou que tentará derrubar a medida de Aras na Justiça.

Em nota, a entidade reclama que o eventual reexame de recomendações é “flagrante violação à garantia constitucional da independência funcional”, garantida aos integrantes do MPF pela Constituição.

“A ciência de eventual irregularidade praticada por membro do Ministério Público ensejaria o encaminhamento da notícia, com todos os dados possíveis, à Corregedoria e não legitima a solicitação genérica de devolução de recomendações expedidas por membros do MPF para reanálise de seu teor”, argumenta a associação.

O princípio institucional da unidade do MP, diz o texto, “não pode inviabilizar e tornar nulo o princípio constitucional da independência funcional, sob pena de cercear e inviabilizar a livre atuação dos membros do MPF”.

Aras tem tido embates com seus pares por arquivar pedidos de providências contra declarações do presidente Jair Bolsonaro durante a epidemia. Ele foi indicado pelo mandatário ao cargo no ano passado, sem disputar eleição interna da categoria, na qual se forma uma lista tríplice de nomes sugeridos ao Planalto.

Sobre as críticas de suposta omissão, o procurador-geral sustenta que “tem buscado resultados em iniciativas concretas para enfrentar a pandemia e ajudar a salvar vidas, sem participar de disputas político-partidárias e sem buscar protagonismo político no meio de uma pandemia”.

A PGR divulgou nota nesta terça afirmando que, “diferentemente do que tem sido divulgado, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu que não caracteriza violação à independência funcional a recusa do procurador-geral de enviar recomendação às autoridades relacionadas em lei”.

“A medida é compatível com a independência funcional de todos os membros do Ministério Público ao tempo que valoriza a unidade institucional", justificou a PGR.

"Trata-se de preservar as atribuições do procurador-geral da República, que, nos termos do artigo 8º da Lei Complementar 75/1993, é quem tem atribuição para fazer recomendações cujo conteúdo demande providências de autoridades como ministros de Estado.”

A providência de enviar os ofícios a 20 ministérios, segundo o órgão, foi adotada após informações de que as pastas receberam “centenas de recomendações endereçadas aos respectivos secretários, mas que, na verdade, exigiam atuação dos ministros".

Tal situação, segue o comunicado, "fere a lei e embaraça a atividade-fim dos órgãos que estão empenhados no combate à Covid-19”.​

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