Aras pede ao Supremo abertura de inquérito para investigar atos pró-intervenção militar

Um dia antes, Bolsonaro participou de manifestação com pedidos de golpe militar por seus apoiadores

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Brasília

O procurador-geral da República, Augusto Aras, solicitou ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquérito para investigar manifestações realizadas no domingo (19).

O objetivo de Aras é apurar possível violação da Lei de Segurança Nacional por "atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF".

“O Estado brasileiro admite única ideologia que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, afirmou o procurador-geral, sem citar o presidente Jair Bolsonaro, que também participou de ato em Brasília.

A PGR afirma que a reedição do AI-5, “ato institucional que endureceu o regime militar no país”, foi uma das pautas dos protestos.

Também ressalta que a Procuradoria pretende apurar “fatos em tese delituosos” e que a “investigação refere-se a atos realizados em todo país”. As informações foram divulgada por meio de nota. ​

No pedido ao STF, a PGR cita que os organizadores das manifestações podem ser enquadrados no artigo 23 da Lei de Segurança Nacional.

O trecho da legislação fixa pena de 1 a 4 anos de prisão a quem incitar "a subversão da ordem política ou social” e a “luta com violência entre as classes sociais” ou a quem estimular a animosidade entre as Forças Armadas e a sociedade.

Além disso, a PGR acredita que os manifestantes podem responder pelo artigo 22 da lei, que prevê a reclusão de 1 a 4 anos para quem fizer propaganda em público de processos violentos ou ilegais para alterar ordem política social.

Na visão de pessoas ligadas a Aras, a investigação também pode revelar a prática descrita no 16 da Lei de Segurança Nacional. Trata-se do trecho da legislação que prevê pena de 1 a 5 anos de prisão a quem integrar “partido, comitê, entidade ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça”.

Neste domingo, em cima da caçamba de uma caminhonete, diante do quartel-general do Exército e se dirigindo a uma aglomeração de apoiadores pró-intervenção militar no Brasil, Bolsonaro afirmou que "acabou a época da patifaria" e gritou palavras de ordem como "agora é o povo no poder" e "não queremos negociar nada".

"Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil", declarou o presidente, que participou pelo segundo dia seguido de manifestação em Brasília, provocando aglomerações em meio à pandemia do coronavírus. "Chega da velha política. Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos."

Já nesta segunda-feira, o presidente procurou mudar o tom. "Peguem o meu discurso. Não falei nada contra qualquer outro Poder. Muito pelo contrário. Queremos voltar ao trabalho, o povo quer isso. Estavam lá saudando o Exército brasileiro. É isso, mais nada. Fora isso é invencionice, tentativa de incendiar a nação que ainda está dentro da normalidade", disse Bolsonaro.

O pedido de Aras foi distribuído ao ministro Alexandre de Moraes, que será o responsável por decidir se o inquérito será ou não aberto, e só depois de uma decisão favorável a PGR poderá começar a apurar o caso.

O objetivo de Aras é investigar os organizadores das manifestações. Como há indícios de que deputados podem estar envolvidos e parlamentares têm direito ao foro privilegiado, o caso ficará sob responsabilidade do STF.

O processo corre sob sigilo e a PGR não informou quais deputados serão investigados. A maioria dos integrantes do Congresso próximos a Bolsonaro participaram dos atos e ajudaram a convocá-lo.

O deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), por exemplo, justificou nas redes sociais que “as pessoas querem a volta do regime militar por verem tanto desrespeito pelo presidente eleito”.

A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) também exaltou os atos e disse que as manifestações não foram antidemocráticas. "Oras, o único motivo pelo qual o povo teve motivo de ir às ruas foi o autoritarismo de Rodrigo Maia e o desrespeito à legítima eleição de Jair Bolsonaro. Quem é o ditador afinal?”

Interlocutores do procurador-geral afirmam que, inicialmente, o presidente Jair Bolsonaro não será investigado. Eles alertam, porém, que, caso sejam encontrados indícios de que o chefe do Executivo ajudou a organizar as manifestações, ele pode vir a ser alvo do inquérito.

A expectativa na PGR é que o STF atue de maneira rápida e não demore a autorizar a abertura do inquérito. Isso porque os ministros do Supremo fizeram duras críticas aos protestos de domingo e pressionaram Aras, nos bastidores, a tomar alguma providência.

A Lei de Segurança Nacional a que se refere o procurador-geral foi sancionada em 1983 e tipifica crimes que podem ser cometidos contra a ordem política e social. A legislação prevê crimes que lesam a “integridade territorial e a soberania nacional”; o regime representativo democrático”; e “a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.

Entre as penas, há a previsão de 3 a 15 anos de prisão para quem tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, o “regime vigente ou o Estado de Direito”.

A lei também estabelece 1 a 5 anos de reclusão para quem integrar qualquer “agrupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente por meios violentos ou com emprego de grave ameaça”. ​

Bolsonaro se mostrou bastante incomodado com as críticas que recebeu por ter participado de ato no domingo de apoiadores pró-intervenção militar, com faixas com pedidos de golpe, gritos contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal e pressão pelo fim do isolamento social recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) contra a pandemia.

A fala de Bolsonaro e sua participação no ato de domingo em Brasília, no Dia do Exército, provocou outras fortes reações no mundo jurídico e político.

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, afirmou que não há solução para o país fora da democracia. A declaração de Toffoli ocorreu em reunião em que recebeu o texto do "Pacto pela vida e pelo Brasil" de entidades como OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

“As seis entidades têm no DNA o conhecimento do quão nefasto é o autoritarismo, do quão nefastos são os fundamentalismo, do quão nefasto é o ataque às instituições e à democracia. Neste momento é bom sempre relembrar a importância que essas seis instituições tiveram na redemocratização do país”, disse.

Um dia antes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ser uma “crueldade imperdoável” pregar uma ruptura democrática em meio às mortes da pandemia da covid-19.

“O mundo inteiro está unido contra o coronavírus. No Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo. É mais trabalhoso, mas venceremos”, escreveu Maia. “Em nome da Câmara dos Deputados, repudio todo e qualquer ato que defenda a ditadura, atentando contra a Constituição.”

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse ser "lamentável" que o presidente "apoie um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5". O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também chamou de "lamentável" a participação de Bolsonaro. "É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia."

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), afirmou que "democracia não é o que presidente Bolsonaro pratica".

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, disse que “só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve". Gilmar Mendes, também do STF, disse que "invocar o AI-5 e a volta da ditadura é rasgar o compromisso com a Constituição e com a ordem democrática".

O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, disse que "a sorte da democracia brasileira está lançada" e que esta é a "hora dos democratas se unirem, superando dificuldades e divergências, em nome do bem maior chamado liberdade".

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