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Governo Bolsonaro

Assim como Dilma, Bolsonaro arrisca o pescoço em crise de frentes múltiplas

Um impeachment depende da soma de alguns fatores; presidente vai encarar agora boa parte das batalhas que a petista enfrentou e perdeu

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A cartilha das crises políticas mostra que um presidente em apuros consegue salvar a própria pele se tiver habilidade para fazer manobras certeiras e aproveitar alguma brisa a seu favor. Uma sequência de barbeiragens no meio de uma tempestade, por outro lado, pode ser mortal.

Jair Bolsonaro (sem partido) adicionou um elemento complicador a essa tormenta ao forçar a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça. O presidente rachou sua base eleitoral e lançou seu governo num conflito de múltiplas frentes, com desfechos ainda imprevisíveis.

Políticos experimentados, que já participaram da derrubada de alguns presidentes, costumam dizer que um impeachment depende da soma de alguns fatores: situação econômica deteriorada, falta de respaldo político no Congresso, povo nas ruas e algum elemento jurídico para justificar o processo. Manchas ligadas à corrupção e temas acessórios servem como aceleradores.

O presidente Bolsonaro durante pronunciamento nesta sexta-feira (24) sobre a saída de Sergio Moro do governo
O presidente Bolsonaro durante pronunciamento nesta sexta-feira (24) sobre a saída de Sergio Moro do governo - Pedro Ladeira/Folhapress

A maneira como presidentes sob risco lidam com essas pressões costuma definir o resultado das crises. Dilma Rousseff (PT) brigou em todas essas trincheiras, cometeu erros e perdeu. Bolsonaro vai encarar agora boa parte dessas batalhas.

A petista inaugurou seu segundo mandato, em 2015, com a economia em franca descida. Depois de negar a necessidade de ajuste fiscal, convocou Joaquim Levy para consertar a festa de gastos públicos feita nos anos anteriores. Produziu uma crise, viu o ministro ser bombardeado por seus próprios aliados até sua queda, em dezembro daquele ano, e agravou a ruína econômica.

Bolsonaro chegou ao poder em situação menos desconfortável, mas contratou um especialista em fechar torneiras para chefiar a equipe da área. Arrependeu-se cedo, como se vê. Paulo Guedes não entregou os resultados esperados pelo presidente e passou a ser esvaziado pelo chefe. O movimento fragilizou a imagem de Bolsonaro entre investidores, que viam o ministro como único fiador da política econômica de um governo desarrumado.

Num elemento adicional definidor, o desgaste da popularidade de Dilma se aprofundou com o avanço da Lava Jato no encalço do PT e do governo. A presidente tentou reagir com uma manobra administrativa em março de 2016, quando o processo de impeachment já estava em curso.

Acuada pelas investigações e pressionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela mudou o comando do Ministério da Justiça. O argumento dos petistas na ocasião era que o então chefe da pasta, José Eduardo Cardozo, não conseguira enquadrar a Polícia Federal para esfriar a operação.

A situação de Bolsonaro é bem diferente. O grupo político do presidente não é alvo de uma megaoperação de combate à corrupção, o que deveria facilitar sua vida. Mas o choque com o ministro da Justiça, incluindo acusações de interferência direta sobre os trabalhos de investigação, pode provocar outra sorte de prejuízos graves.

Bolsonaro se lançou num cardápio de possíveis crimes ao pressionar Sergio Moro pela troca do comando da PF e dizer que gostaria de ter acesso a relatórios do órgão, o que configuraria obstrução de justiça. Para piorar, ainda deu um pontapé num personagem que era símbolo do combate à corrupção –elemento que ajudou a agregar uma fatia relevante do eleitorado à sua causa na campanha de 2018.

Quando fragilidades como essas se acumulam, presidentes costumam ficar de olho nos sinais da arena política. Dilma acreditou que conseguiria construir uma blindagem no Congresso e fabricou erros em sequência.

Primeiro, a petista montou um governo partilhado com as legendas do conhecido centrão, apenas para ser traída pouco mais de um ano depois. Depois, patrocinou um candidato para vencer Eduardo Cunha (MDB) na disputa pela presidência da Câmara, mas foi derrotada. Com as nuvens do impeachment no horizonte, chamou Michel Temer (MDB) para cuidar da articulação política –e foi traída novamente.

Bolsonaro também se mexe nessa frente da crise. Depois de negar composições com os partidos no Congresso e se tornar um presidente minoritário no Legislativo, ele mandou acenos ao centrão com uma oferta generosa de cargos para os padrões bolsonaristas.

Isolado politicamente, o presidente parece decidido a apostar numa jogada de risco, dado que o movimento também abala seus vínculos com a base eleitoral que o elegeu, num gesto de repúdio à política tradicional.

Pode até dar certo, visto que os partidos do centrão foram os primeiros a fazer um gesto coordenado para minimizar a crise entre Bolsonaro e Moro, afastando o risco de impeachment –ao menos por enquanto.

A resistência de Bolsonaro se dá principalmente pela ausência dessas condições políticas imediatas para um processo para derrubá-lo e, principalmente, pela aparente manutenção de sua popularidade. Não há nas ruas os movimentos de massa que ocorreram contra Dilma, tanto pelas restrições impostas pela crise do coronavírus, como pela falta de mobilização organizada contra o presidente.

O embate com Moro, a deterioração da economia e o namoro com o centrão ainda podem produzir reflexos nesses índices de aprovação do governo, principalmente dentro do grupo que se convencionou a chamar de bolsonarista. Esse será o principal termômetro do desfecho da crise e dirá se Bolsonaro vai traçar seu próprio destino ou seguir os passos da petista.

Michel Temer já provou que mesmo um presidente que conduz uma economia vacilante, que sofre abalos em sua imagem por acusações graves e sustenta índices de popularidade pífios pode sobreviver no cargo. Uma caneta poderosa ajudou o presidente a produzir uma maioria artificial no Congresso para chegar ao fim de 2018. Bolsonaro também tem uma dessas e parece disposto a usá-la.

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