Alinhado a Bolsonaro na pandemia, ex-ministro Osmar Terra militou com comunistas na ditadura

Defensor do relaxamento da quarentena, deputado atuou no PC do B nos tempos de regime militar

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Porto Alegre

Ex-ministro da Cidadania do governo Jair Bolsonaro, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), demitido da pasta em fevereiro, voltou a ganhar espaço na esfera bolsonarista nas últimas semanas ao se alinhar ao presidente em temas como a flexibilização do isolamento social e no uso da cloroquina contra a Covid-19.

Médico, o gaúcho também antagonizou com o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e chegou a ser cotado para substituí-lo.

Seu histórico político, no entanto, indica menos alinhamento ao bolsonarismo e inclui até um período de militância comunista durante a ditadura militar (1964-1985).

Nos anos 1970, sua então namorada e depois esposa, Mônica Tolipan, chegou a ser presa pelo regime mais de uma vez, no Rio de Janeiro.

Ela relatou ter sofrido “maus-tratos”, um eufemismo do Exército para tortura, com o objetivo de assinar seu inquérito. Até uma correspondência que Mônica deixou aos seus pais, ao entrar na clandestinidade, foi interceptada pelo Serviço Nacional de Informações (SNI).

O casal precisou sair do país para escapar da repressão. Ingrantes do PC do B (Partido Comunista do Brasil), Osmar e Mônica viveram exilados na Argentina e depois no interior do Rio Grande do Sul. Hoje, o casal é divorciado.

“A ditadura havia conseguido nos calar muito mais do que imaginávamos”, disse Mônica em 2013 durante a Caravana da Anistia, evento promovido pelo Ministério da Justiça que relembrou mulheres perseguidas pelo regime militar.

Um documento do SNI com carimbo de confidencial dizia, em dezembro de 1972, que “o acadêmico Osmar Gasparini Terra, juntamente com outros estudantes, vem aliciando e incitando o corpo discente para deflagração de um movimento que reivindique a manutenção dos estágios hospitalares para os estudantes do 5º ano”.

Em dezembro de 1973, outro documento confidencial do SNI indicava que Mônica era vigiada. O relatório afirmava que ela “passou à clandestinidade”. “Em carta dirigida aos seus pais, colocada por debaixo da porta de sua residência há 25 dias, Mônica se despede de seus familiares e apresenta uma história de cobertura para sua decisão”, diz o texto.

O relatório também apontava para o relacionamento de Osmar Terra e Mônica. Ele, na época, estudava medicina na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e ela, psicologia na PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio) —onde chegou a ser presidente do DCE (Diretório Central dos Estudantes).

Durante uma de suas detenções, em 1972, os universitários fizeram protestos para libertá-la. A movimentação chamou a atenção dos Estados Unidos.

O consulado dos EUA no Rio de Janeiro enviou um relatório confidencial para o Departamento de Estado relatando os protestos, que adentraram 1973. O documento mostra que os estudantes recorreram ao então secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o bispo gaúcho dom José Ivo Lorscheiter.

“Teve uma ligação corajosíssima de dom Ivo para o coronel Adir Fiúza de Castro, que comandava as torturas. Ele [dom Ivo] disse que os militares estavam abusando. O coronel ficou furioso
e disse que aquele não era um assunto para a Igreja. Dom Ivo retrucou e falou que a Igreja não só tinha de se meter, como era tão a favor da liberdade de expressão quanto dos estudantes. Dom Ivo era a mão de Deus para proteger a gente”, disse Mônica em 2007, em entrevista ao jornal Diário de Santa Maria, que consta em artigo acadêmico sobre o bispo.

A reportagem tentou contato com Mônica, que reside em Porto Alegre, mas não obteve retorno.

Um documento de 1973 afirma que ela relatou ter assinado “o depoimento do IPM (inquérito policial militar) sob coação física e psicológica; que em um lugar em que esteve antes de assinar as declarações do IPM, a depoente sofreu maus-tratos, e foi ameaçada de que, se não viesse a assinar o depoimento, voltaria para o primeiro lugar onde esteve, em que sofreu maus-tratos”.

Ela relatou ainda que “prestou as declarações com receio de voltar ao primeiro lugar onde esteve e sofrer maus-tratos novamente”.

Mônica é viúva do jornalista Fausto Wolff, morto em 2008, que integrou a equipe do jornal Pasquim e escreveu mais de 20 livros. Ela conseguiu se formar apenas em 1982.

Bolsonaro costuma exaltar o regime militar e já elogiou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), o primeiro torturador reconhecido pela Justiça no país. Mesmo tendo vivenciado a repressão do período, Osmar Terra passou a apoiar o atual presidente da República.

“Deixei a militância de esquerda há mais de 40 anos. Fiz oposição ao governo do PT desde o começo. Um governo de esquerda que iludiu pessoas de boa-fé, sistematizou a corrupção e enterrou o crescimento do país. Portanto, não há guinada, nem o espanto que a imprensa enxerga, no fato de hoje eu entender que a seriedade na política está com o outro lado do espectro político, com as propostas eleitas democraticamente e defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro”, disse o deputado, em nota.

“Não há contradição, mas sim convicção. A própria Folha de S.Paulo e outros veículos deram apoio ao regime militar e hoje condenam. Por que mudar de opinião só pode ser prerrogativa de quem acusa?”, finalizou Osmar Terra.

Um ex-colega do político no PC do B rebateu: “O equívoco dele é hoje, não o passado. O equívoco é defender um governo contra o povo. Ter sido do PC do B não desonra ninguém, é motivo de orgulho”.

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