Carreatas pelo país têm Bolsonaro, pedidos de reabertura do comércio e avenida Paulista fechada

Protesto tem aglomeração e mira Doria e Maia em meio a pedidos de intervenção militar

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Brasília, São Paulo, Salvador e Manaus

Pelo segundo dia consecutivo, manifestações em todo o país prestaram apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pediram o fim do isolamento social e a reabertura do comércio. Muitos manifestantes também defenderam a intervenção militar e a volta do AI-5, instrumento mais repressor da ditadura militar, e atacaram Congresso e Supremo Tribunal Federal.

Carreata em São Paulo passa pela ponte Octavio Frias de Oliveira, a ponte Estaiada - Bruno Santos/ Folhapress

Neste domingo (19), carreatas em diversas capitais, como São Paulo, Salvador e Manaus, desafiaram o isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde para conter a pandemia de coronavírus.

Em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro participou de ato contra o isolamento social e a favor de intervenção militar, causando aglomerações e gerando reação de políticos e ministros do Supremo.

Depois de almoçar na casa de um dos filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Bolsonaro se dirigiu ao quartel-general do Exército, onde estava parada a carreata de manifestantes. O grupo era formado por algumas centenas de pessoas, muitos com faixas pedindo um novo AI-5 e intervenção militar. Ao verem Bolsonaro chegar, os manifestantes se aglomeraram para ouvir o presidente.

Em cima da caçamba de uma caminhonete, Bolsonaro discursou contra o que chamou de velha política. "Chega da velha política. Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos", declarou. "Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil", afirmou o presidente.

Bolsonaro tem incentivado os protestos. No sábado (18), o presidente também deixou do Alvorada para se encontrar com apoiadores.

Neste domingo, "isolamento vertical”, "fora, Maia", "AI-5 já " e "Globo lixo" estampavam adesivos nos veículos e em camisas dos manifestantes em Brasília. Com um carro de som e mais de cem motos e carros, a carreata tentou parar em frente ao Palácio do Planalto, mas foi impedida pela Polícia Militar do Distrito Federal.

Alguns manifestantes carregavam cartazes pedindo intervenção militar e até o “direito de explodir a cabeça de um petista” caso ele invada sua propriedade.

Em São Paulo, pelo segundo seguido, manifestantes em carreata furaram o isolamento social recomendado pela OMS e se aglomeraram na av. Paulista na tarde deste domingo.

Vestidos de verde e amarelo e com bandeiras do Brasil, os apoiadores de Bolsonaro pediram o fim do isolamento social e protestaram contra o governador João Doria (PSDB), contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

Também houve placas a favor de intervenção militar e AI-5, além de discursos negando a existência da pandemia.

O estado contabiliza 1.015 mortes e 14,2 mil infectados. As regras de isolamento são amparadas em recomendações médicas e foram adotadas na Europa, nos Estados Unidos, na China, na Índia e na maior parte dos países. O pico da doença em São Paulo está previsto para maio, mas grandes hospitais já operam com ao menos 80% dos leitos de UTI ocupados.

A quantidade de veículos e a multidão de gente em meio aos carros e em frente à Fiesp foi maior do que a vista no sábado (18). A maioria não usava máscaras e havia muitos idosos no grupo.

À tarde, Bolsonaro ligou para Sergio Lima, publicitário do Aliança pelo Brasil que estava na Paulista, e saudou os manifestantes por vídeo. Não foi possível ouvir o que ele disse, mas a multidão gritou "mito".

Com centenas de carros e motos estacionados, os dois sentidos da av. Paulista ficaram bloqueados. Policiais não impediram o trancamento da via, apenas orientaram carros e ônibus a desviarem. Alguns carros tiveram que avançar pelo canteiro central e houve ônibus presos na confusão.

A carreata deixou o ginásio do Ibirapuera às 14h, percorrendo Jardins, Pinheiros, a marginal Pinheiros, a ponte Octavio Frias de Oliveira, a região do Aeroporto de Congonhas, a av. 23 de Maio até chegar à Paulista.

No trajeto, os veículos acabaram se espaçando, com grupos bem à frente de outros. Ao final, porém, todos se uniram na Paulista. Com muitas buzinas, o ato chamava atenção de moradores nos prédios e provocava panelaço e gritos de repúdio. "Tira a máscara" e "filhos da puta" foram alguns xingamentos.

Pelo caminho, a carreata promoveu buzinaço em frente ou nas imediações dos hospitais Moriah, Ruben Berta, Edmundo Vasconcelos, HCor, Santa Catarina e Pro Matre. Uma ambulância também teve dificuldade de avançar em meio à carreata na 23 de Maio.

Na ponte Octavio Frias de Oliveira, a ponte Estaiada, os manifestantes desceram dos carros para tirar fotos e xingar a Rede Globo, o que também gerou aglomeração.

Em uma caixa de som, o engenheiro Antônio Carlos Bronzeri, da Frente Brasileira Conservadora, aproveitou a pausa na carreata para fazer um discurso negacionista, afirmando que o coronavírus não existe. "Fora, Doria. Fora, STF. Fora, Congresso vagabundo", discursou. Outros motoristas gritaram: "Queremos trabalhar".

A carreata começou a se esvaziar por volta das 18h30, quando pistas da Paulista foram liberadas. Em um prédio da avenida, houve confusão quando moradores atiraram ovos e água no protesto e manifestantes ameaçaram invadir o condomínio e atiraram pedras. Porteiros trancaram a porta e logo a briga acabou.

Em geral, as carreatas em São Paulo estão sendo executadas por militantes sem ligação com os principais movimentos de direita e por integrantes de movimentos menores. Segundo os participantes, são atos espontâneos e sem liderança clara, embora contem com a divulgação de grandes movimentos bolsonaristas nas redes sociais.

Caminhoneiros e intervencionistas também se juntaram às carreatas. Além desse público tradicional das carreatas, o movimento Nas Ruas convocou ainda seus militantes para a carreata deste domingo.

Na concentração, houve discussão entre o líder do Nas Ruas, Tomé Abduch, e representantes de caminhoneiros e outros militantes a respeito do trajeto. As lideranças, que estavam presentes na carreata de sábado, acusavam Abduch de surfar na carreata que haviam criado.

A princípio, Abduch, que reconhece a gravidade da pandemia, pediu a seus seguidores que usassem máscara e álcool em gel e evitassem sair dos carros. Conforme ele afirmou à Folha, sair dos carros e provocar aglomeração seria irresponsabilidade. Ele próprio, porém, descumpriu a orientação e saiu de seu veículo na ponte Estaiada e na av. Paulista.

Abduch defende o retorno do comércio nas cidades com poucos casos, mas com medidas de distanciamento e higiene. Ele reconhece, porém, que não seria uma medida adequada para a capital nesse momento. Para ele, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, precisa enfrentar a doença sem esquecer a economia. "A fome vai matar mais que a própria doença", disse.

Questionado pela reportagem se a carreata não passaria o recado à população de que é preciso descumprir o isolamento e minimizar o vírus, ele afirmou que não. "Ninguém é inconsequente de falar 'voltem ao trabalho'. Não é isso que estamos pedindo hoje. Nas nossas redes está claro a defesa do isolamento vertical responsável", afirmou, contradizendo diversos militantes da carreata que, sim, ignoram a pandemia e querem a vida normal de volta.

Outro membro do Nas Ruas, Walther Pinheiro, integrou a aglomeração na av. Paulista. Questionado pela Folha, ele afirmou que já estava indo embora e que apenas ajudou o publicitário Sergio Lima a colocar os manifestantes em contato com o presidente via ligação em vídeo, a pedido de Bolsonaro.

Sobre o fato de que as pessoas desceram dos carros, afirmou que o Nas Ruas dá orientação, mas não controla os manifestantes.

Total de mortes pelo país

O número de mortes pelo novo coronavírus chegou a 2.347 no Brasil neste sábado. Em 24 horas, foram registrados 206 óbitos pela doença. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Saúde. Ao todo, são 36.599 casos confirmados da Covid-19.

De acordo com o balanço, o índice de letalidade do novo vírus, em relação ao total de casos, está em 6,4%. No dia anterior eram 33.682 casos e 2.141 mortes.

O ministério, porém, afirma que a tendência é que o número real de casos seja maior, já que apenas pacientes internados em hospitais fazem testes e há casos que ainda esperam confirmação. Reportagem da Folha mostrou que equipes de atenção básica em várias cidades e estados afirmam que tem havido subnotificação.

O apoio à quarentena como forma de evitar a disseminação do novo coronavírus sofreu uma queda nas duas últimas semanas, mas ainda é majoritária entre os brasileiros.

Segundo o Datafolha, são 68% aqueles que dizem acreditar que ficar em casa para conter o vírus é mais importante, ainda que isso prejudique a economia e gere desemprego.

No levantamento anterior do instituto, feito de 1º a 3 de abril, eram 76%. A pesquisa atual ouviu 1.606 pessoas na sexta (17) e tem margem de erro de três pontos percentuais.

Essa queda não se reverteu integralmente em apoio à afirmação contrária, de que vale a pena acabar com isolamento social em nome da reativação econômica. O índice dos que concordam com isso oscilou positivamente de 18% para 22%, enquanto aqueles que não sabem foram de 6% para 10% no período.

O debate, visto por especialistas tanto em economia como em saúde como desfocado e politizado, tem pautado polêmicas envolvendo Jair Bolsonaro (sem partido).

Depois de minimizar a gravidade da Covid-19, a comparando a uma “gripezinha”, o presidente passou a insistir no foco do impacto econômico das quarentenas.

No cálculo, está o temor de que a recessão que provavelmente seguirá a emergência sanitária do Sars-CoV-2 solape seu apoio em cerca de um terço do eleitorado.

Em oposição, governadores como João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ), assumiram a linha de seguir as recomendações internacionais de saúde, priorizando o isolamento. ​

Erramos: o texto foi alterado

Reportagem informou incorretamente o nome da ponte Octavio Frias de Oliveira, a ponte Estaiada. O texto foi corrigido.

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