Classe política bate em Bolsonaro porque perdeu privilégios, diz Zema

Para governador de Minas, presidente quer o bem para o Brasil e chefes estaduais buscam holofote

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São Paulo

​Um dos poucos governadores que ainda mantêm relação próxima com Jair Bolsonaro, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, afirma que o presidente é uma pessoa que quer fazer o bem para o Brasil.

“Parece que parte da classe política, que talvez tenha ficado sem alguns privilégios, tem batido nele de forma que eu não concordo”, afirma Zema, em entrevista à Folha.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (à esq.), em audiência com os ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), além do presidente Bolsonaro, em 9 de abril - Marcos Corrêa/PR

Nas últimas semanas, Zema se recusou a assinar duas cartas de governadores com cobranças e críticas ao comportamento de Bolsonaro na pandemia. Afirma que muitos de seus colegas estão buscando holofote.

Defensor da flexibilização das medidas de isolamento social em seu estado, Zema diz que o Brasil é um dos países que mais têm se saído bem no combate à pandemia no mundo.

“Parece que mídia gosta de mostrar só morte, só tragédia, só coisa ruim. Nós temos coisa boa para mostrar também”, afirma.

A entrevista foi realizada na quinta-feira (23), antes, portanto, da saída do ex-ministro Sergio Moro (Justiça) do governo. Em mensagem de áudio enviada posteriormente, Zema afirmou que lamentou muito o fato.

"Moro deu esperança de que é possível ter um governo sem essa praga que de certa maneira sempre assolou o Brasil, a corrupção. O presidente Bolsonaro foi sábio ao levá-lo para o governo. E, se alguma instituição não está sendo respeitada, isso é muito preocupante", afirmou, em referência à suspeita de interferência política na Polícia Federal.

Qual o calendário para a saída da quarentena? A maior parte do estado já está com liberação parcial ou total. A maioria dos prefeitos já fez algum tipo de liberação das atividades econômicas, porque não há casos de pessoas contaminadas nem de óbitos. Na capital é onde se concentra o maior número de casos, e onde o prefeito [Alexandre Kalil] adotou uma postura totalmente pró-isolamento, independentemente da quantidade de casos. Está sendo um caso tanto à parte, apesar de o prefeito ter adquirido 7.000 respiradores.

Muitos na comunidade científica temem que o pico da doença não tenha chegado. Dá para já abrir e liberar? Temos acompanhado diariamente os leitos de UTI e, nas duas últimas semanas, esse número ficou entre 3% e 4% de ocupados com suspeitos ou confirmados de coronavírus. Deixamos separados 50% dos leitos de UTI para essa pandemia. Temos hoje um grau de segurança que possibilita irmos adiante com a reativação responsável, planejada, da economia.

De maneira geral isso já poderia estar acontecendo no país? O país tem situações muito distintas. Tocantins, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são os melhores estados, junto com Minas Gerais. Têm uma situação muito diferente de Amazonas, Pernambuco, Rio de Janeiro e Ceará. Não podemos dar a mesma dose de remédio para doentes em situação totalmente diferente. Você está no último grau de alcoolismo e eu tomei meio copo de cerveja, nossa situação é muito diferente.

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O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em novembro de 2019, durante entrevista à Folha - Alexandre Rezende - 6.nov.2019/Folhapress

A situação financeira de Minas já era difícil antes da crise. Qual o prejuízo para o objetivo de equilibrar as contas? É difícil prever. A nossa projeção é que, caso a economia venha a encolher 4%, vamos ter uma perda de arrecadação de R$ 7,5 bilhões. E estamos tendo um gasto extra com a pandemia de meio bilhão esse ano. Não sabemos qual vai ser o reflexo dessa crise em 2021.

Como estão as conversas com o governo federal para trazer alívio às contas do estado? Nós temos em Minas a maior jazida de nióbio do mundo. Os dividendos são muito expressivos, coisa de R$ 1,5 bilhão por ano. O que já tínhamos planejado era a venda dessa receita futura por alguns anos para o mercado financeiro. Como o mercado ficou paralisado com a pandemia, fui a Brasília para ver se Banco do Brasil, Caixa ou BNDES fazem essa operação, que é bastante rentável. Está em análise ainda.

Essa negociação explica sua relutância na cobrança e nas críticas a Bolsonaro? Vejo o presidente como uma pessoa que quer fazer o bem para o Brasil. Ele tem, como todos nós, defeitos e qualidades. Mas parece que parte da classe política, que talvez tenha ficado sem alguns privilégios, tem batido nele de forma que eu não concordo. Só se fala o lado negativo. Vamos falar o lado positivo também.

Os governadores não devem entrar na questão da interlocução do presidente com o Senado e a Câmara. Relacionamento de presidente e Congresso é assunto deles. O que eu governador vou fazer lá? É problema como se fosse seu com a sua esposa. Cada macaco no seu galho. Tem hora que eu vejo que alguém está querendo holofote, protagonismo, mídia e acaba apelando para alguns pontos que eu não concordo.

O sr. está falando do Doria e do Witzel? Estou falando de modo geral. Cada hora tem pessoas querendo criticar o outro muito mais para ficar em evidência do que para resolver o problema.

Que coisas boas o sr. destacaria do governo Bolsonaro? Você deve lembrar bem quantos problemas de corrupção e empreguismo houve na era PT, que antecedeu o governo Bolsonaro. Quantos ministros corruptos tivemos agora na gestão Bolsonaro? Quantos escândalos?

Tem o do Turismo, por exemplo, acusado no escândalo dos laranjas. Que é de Minas, aliás. Correto. Perfeito. Mas na era PT me parece que a incidência era bem maior do que agora. Então, eu acho que, se nós fizermos um balanço, dá para ver que houve uma diferença expressiva. Que reforma o PT fez? O Bolsonaro em um ano fez a da Previdência. Ou não?

O sr. se considera um aliado do presidente? Não. Eu sou de outro partido. Não sou fã dele e também não sou crítico. Quero ser independente, como eu sempre fui. No momento que eu julgo que ele está errado eu falo. No momento que eu julgo que ele está certo eu falo. O que eu vejo muito no Brasil é alguém ir para um extremo ou para o outro. Temos de ser ponderados.

Igual a mídia no Brasil, com relação à pandemia, só tem mostrado tragédia. O Brasil é um dos países que melhor tem conduzido essa pandemia no mundo. Vamos pegar as mortes por milhão de habitantes, o que se matou aqui até hoje é o que está morrendo nos EUA em um dia. Parece que mídia gosta de mostrar só morte, só tragédia, só coisa ruim. Nós temos coisa boa para mostrar também.

O sr. concorda como general Ramos, então, que pediu que a imprensa não fale só de morte? Concordo. Por que a mídia até hoje não mostrou Tocantins, que é o melhor estado do Brasil, com um óbito só? Mas vai em Manaus todo dia mostrar a tragédia. Vamos mostrar o ruim, para servir de alerta, e vamos mostrar o bom, para servir de aprendizado.

O que o sr. está dizendo é que a situação do coronavírus no Brasil não é tão ruim assim? Se comparada a Itália, Espanha, EUA, não é ruim. Estamos tendo uma pandemia, mas não vamos chegar provavelmente à quantidade de óbito que esses países chegaram.

Como o sr. avalia o desempenho do presidente nessa crise? Eu, como governador, adotei uma postura diferente. Fechei o estado, as fronteiras, as atividades foram suspensas. Não fui para o meio do público. Não concordo com o que ele fez. Mas isso não me dá o direito de criticá-lo. Os cientistas até hoje não chegaram a nenhuma conclusão. Eu tomei medidas preventivas aqui, talvez amanhã eles vão chegar à conclusão de que eu agi errado.

Mas os cientistas são unânimes em dizer que não se deve promover aglomeração. São, concordo. Mas ninguém até hoje entende por que no Brasil estamos tendo uma quantidade tão menor de casos. Já me falaram até que devido ao fato de nós termos aqui a vacinação obrigatória, a BCG principalmente, de certa maneira nós seríamos semi-imunizados. Há uma série de dúvidas.

Como empresário e defensor do Estado mínimo, como o sr. vê essas medidas de expansão do governo para combater crise? O Estado nunca foi um bom gestor de empresas. Não deve ser empresário. Tenho total convicção da necessidade de um Estado eficiente, enxuto e principalmente que poupe. Se nós tivéssemos aqui uma gestão como a da Noruega, que tem poupança pública, passaríamos pela crise muito melhor.

Nesse momento, o sr. concorda que o Estado é incontornável? Concordo totalmente. Temos de ter uma ação para evitarmos uma depressão que daqui a um ano pode custar muito mais caro para os cofres públicos, levar o país a uma doença econômica muito mais grave que a que está enfrentando atualmente. É necessário ter essas medidas de auxílio social a alguns setores que estão sendo fortemente impactados. Somente um Estado, um governo podem fazer isso. O certo seria fazer isso com uma poupança, e não com déficit adicional.

Como o sr. avalia o pacote de ajude aos Estados? Um estado como Minas Gerais não passa por essa crise sem auxílio. Os fornecedores já estão com mais atraso do que estavam, e a receita do mês de abril foi ainda relativamente razoável, porque a atividade econômica operou em março até o dia 22. Mas em maio a nossa estimativa é que pode cair até 40%. Não vamos ter dinheiro para pagar nada.

O sr. concorda que o governo federal deveria recompor a arrecadação do ICMS? Concordo, e concordo também que seja exigida contrapartida, porque tem estado que tem uma situação muito mais confortável do que Minas Gerais.

Há risco de atrasar folha de pagamento novamente? Tem risco. Este mês, nós já atrasamos. Foi o primeiro em que nós não tivemos condição de no início do mês dar uma programação para o funcionalismo. Para maio, vai ser muito pior. Talvez vamos conseguir pagar meia folha só.

Raio-X

Romeu Zema, 55
Formado em administração pela Fundação Getulio Vargas, é dono do grupo Zema, que tem negócios nas áreas de varejo e combustíveis, entre outras

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